terça-feira, 24 de agosto de 2010

TEXTOS SOBRE O ANIVERSÁRIO DE BRASÍLIA 2010

1. Como falar de Brasília hoje

21 abril 2010

Fazer um perfil pode ser escolher um recorte ou mostrar o máximo possível sobre alguma coisa ou alguém em um determinado tempo ou espaço. Em uma data comemorativa, espera-se a segunda opção, um retrato completo, amplo, ambicioso. Mas como comemorar 50 anos e fazer esse retrato completo de uma cidade como Brasília?
Não parece uma tarefa muito fácil a definição de como lidar com o aniversário de Brasília. Tem que falar bem, afinal são 50 anos. Mas é lá que está o centro do poder, por si só já uma situação pesada, que envolve lados positivos e muitos negativos. As circunstâncias atuais não colaboram, com os recentes casos de corrupção no Distrito Federal. Falar, então, de Brasília no dia de hoje requer um certo cuidado.
Pode-se fazer o que fez o Jornal Nacional e fingir que é Natal, falar coisas superficiais e não aprofundar a cobertura. Entrevistar famosos que nasceram na cidade fazendo elogios e não dizendo nada. Transferir o apresentador para a capital (também AQUI) e mostrar a festa ao vivo. Clima, alguma coisa sobre urbanismo (essa parte foi a que teve mais mérito, pois tratou do tema de forma inusitada, diferente), o homem que nasceu junto com a capital. Perfumaria, diria Bourdieu.
Ou pode-se fazer como a Edição das Dez, da GloboNews, um programa em formato semelhante ao do JN e que elaborou uma série, fazendo a cada dia um recorte, de não mais do que cinco minutos, de algum ponto específico da capital federal. Seja o urbanismo de Lúcio Costa, a arquitetura de Oscar Niemeyer, a música, a qualidade de vida. E hoje, além da terceira parte da série, a programação contou com a cobertura dos eventos e uma abordagem mais geral sobre a cidade, em vários de seus aspectos. Tudo bem, tinha mais tempo que o Jornal Nacional, mas era possível fazer uma abordagem semelhante de forma um pouco mais curta – até porque o JN dedicou bastante tempo a isso, de qualquer forma -, mas ainda assim muito mais aprofundada.
Dessa forma, mostrou uma Brasília quase completa, com algumas de suas contradições, mas não todas. O jornal ainda evitou falar de política, como se fosse possível dissociar a cidade do tema.
A abordagem do aniversário de Brasília, na imprensa de um modo geral, mostrou-se hipócrita, fingindo não ver seu aspecto que mais salta aos olhos, ainda que seja injusto com a cidade dizer que seja o mais importante. A ligação de Brasília com a política é intrínseca, e associá-la com todos os acontecimentos posteriores a 1960 é inevitável. Mas não vi isso ser feito de forma honesta e aberta em lugar nenhum. Como se ainda vivêssemos sob censura.
* Como prova de que as redes sociais devem influenciar a política, em especial as eleições de 2010, o governador do Ceará e pré-candidato a reeleição pelo PSB, Cid Gomes, fez uma espécie de entrevista coletiva pelo Twitter hoje, dia 21. O contato é direto com o público, de forma que não se trata de jornalismo. Mas é relevante para nós aqui justamente porque transpõe o jornalismo, prescinde dele. O profissional que antes era necessário para fazer a mediação entre o cidadão e o poder se torna apenas um observador em determinadas circunstâncias.

Postado por Cris Rodrigues


http://jornalismob.wordpress.com/2010/04/
21/04/2010 - 07h57


2. Para Oscar Niemeyer, desigualdade social é o principal problema de Brasília

MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local


Brasília dos sonhos de Oscar Niemeyer não tem nada a ver com a cidade que você conhece. Ela acabou justamente quando começou a ser habitada por políticos, técnicos e funcionários públicos, a partir de 21 de abril de 1960. Ele prefere os tempos da construção da cidade, como conta em entrevista à Folha feita por e-mail.
"Vivíamos naquela época como uma grande família, sem preconceitos e desigualdades. Uma vez inaugurada Brasília, vieram os homens do dinheiro, e tudo se modificou: a vaidade e o individualismo mais detestáveis se fizeram presentes".
Aos 102 anos, Niemeyer mantém algumas crenças comunistas da adolescência, mas já não endossa um dos maiores dogmas da arquitetura modernista, movimento do início do século 20 do qual ele é um dos maiores representantes: o de que é possível mudar o mundo por meio de projetos.
Niemeyer começou a trabalhar como arquiteto no início dos anos 30, como estagiário do escritório de Lucio Costa, apontado por historiadores como o fundador da arquitetura moderna brasileira. A parceria entre os dois durou até 1939, quando fizeram um projeto conjunto para a feira de Nova York, e seria retomada em Brasília em outros termos: Niemeyer foi escolhido pelo presidente Juscelino Kubitschek para projetar os prédios, enquanto Costa venceu um concurso do projeto urbanístico.
Em 1936, conviveu com Le Corbusier, francês que criou as bases do modernismo, na construção do Ministério da Educação, no Rio. O estilo que o projetaria como inventor nasceu na Pampulha, conjunto arquitetônico inaugurado em 1943 em Belo Horizonte, segundo o próprio Niemeyer.
Ganhador do prêmio mais importante de arquitetura em 1988, o Pritzker, Niemeyer não desistiu do projeto mais polêmico que criou para Brasília, uma praça que, segundo os críticos, desfigura o urbanismo de Lucio Costa. É o que falta, segundo Niemeyer, para a cidade ser como ele a imaginou.
FOLHA - O sr. dizia há cinco anos que Brasília era uma cidade incompleta, que faltavam prédios que estavam previstos no projeto. Ainda falta algo para a cidade?
OSCAR NIEMEYER - Acredito que naquela época eu tinha em mente a execução de duas obras que a nova capital hoje pode exibir: um museu de maior porte e a biblioteca. É claro que eu teria enorme satisfação em ver construída uma grande praça capaz de congregar os brasilienses e os visitantes, como aquela que desenhei há cerca de um ano e que provocou tanta celeuma.
FOLHA - O sr. criou algumas das imagens mais fortes do Brasil moderno. O sr. tinha a intenção de criar símbolos, de inventar uma marca?
NIEMEYER - Confesso que nunca me passou pela cabeça essa pretensão. É evidente que os edifícios a que se refere foram projetados com extremo cuidado e marcaram um prolongamento e uma busca renovada daquela arquitetura mais livre e criativa que adoto desde os meus trabalhos realizados para a Pampulha.
FOLHA - O sr. sofreu um acidente grave de carro ao voltar de Brasília durante a construção. Qual foi o momento mais difícil?
NIEMEYER - Talvez a morte de amigos tão queridos ocorrida no transcurso das obras, como a do Eça [Walter Garcia Lopes] ou a de Bernardo Sayão.
FOLHA - As avenidas muito largas e o isolamento das superquadras das regiões comerciais obrigam os brasilienses a usar automóvel para quase tudo. O que o sr. mudaria para que Brasília fosse melhor para ser desfrutada pelos pedestres, como ocorre no Rio de Janeiro?
NIEMEYER - Penso que um dos problemas mais graves atestados nas cidades modernas reside na situação, a meu ver intolerável, em que os seus moradores se tornam reféns dos automóveis.*
FOLHA - Muitos urbanistas criticam a divisão de Brasília em setores, como o comercial e o de mansões. Os críticos dizem que as melhores cidades para viver têm essas funções misturadas. O que o sr. acha?
NIEMEYER - Sinceramente, acho que essa separação fixada pelo Plano Piloto do Lucio [Costa] não é ruim.
FOLHA - Brasília foi planejada para ser uma cidade mais igualitária, mas acabou se tornando uma das mais desiguais do Brasil. O sr., como um comunista histórico, fica desapontado quando vê esse tipo de evolução?
NIEMEYER - É claro que essa evolução me entristece. Brasília mudou bastante em relação àquele clima de união e solidariedade que reinava em seus tempos originais, quando da construção dos seus primeiros edifícios públicos. Vivíamos naquela época como uma grande família, sem preconceitos e desigualdades. Unia-nos um ambiente de confraternização proveniente de idênticos desconfortos. Uma vez inaugurada Brasília, vieram os homens do dinheiro, e tudo se modificou: a vaidade e o individualismo mais detestáveis se fizeram presentes. Nós mesmos terminamos por voltar, gradativamente, aos hábitos e preconceitos da burguesia que reprovávamos.*
FOLHA - É possível integrar as cidades-satélites ao Plano Piloto? Como o sr. consertaria a divisão e a distância entre ricos e pobres na cidade?
NIEMEYER - É obvio que me desagrada profundamente esse tipo de segregação social e espacial. Mas acho que cabe aos especialistas em urbanismo, e não a mim, encontrar as soluções para reduzir ou superar os efeitos perversos da expansão.
FOLHA - O sr. acha que a arquitetura é capaz de promover transformações sociais, como se acreditava até os anos 50 e 60?
NIEMEYER - Tenho hoje as minhas dúvidas. Penso, sim, que a transformação de nosso mundo social num universo mais justo e solidário é que poderá mudar a arquitetura. E, se um dia isso ocorrer, nós, arquitetos, seremos convocados para realizar grandes obras públicas.
FOLHA - Qual foi a crítica mais injusta que o sr. ouviu sobre Brasília?
NIEMEYER - Talvez aquela construída por pessoas que teimam em afirmar que o sonho de Juscelino teria fracassado, uma vez que Brasília não teria trazido o progresso para o interior. Basta pensarmos no progresso de cidades como Goiânia.
FOLHA - E qual é a crítica mais justa sobre a cidade?
NIEMEYER - É provável que seja o aparecimento daquela divisão intolerável entre ricos e pobres nessa metrópole.
FOLHA - Críticos como André Corrêa do Lago dizem que o sr. será conhecido no futuro como o maior artista brasileiro do século 20. Como o sr. gostaria de ser lembrado?
NIEMEYER -Como de hábito, o meu amigo André Corrêa do Lago se mostra muito generoso em suas apreciações. Gostaria de ser lembrado como um ser humano, frágil e perplexo diante deste estranho mundo, como a maioria dos homens. Em síntese: como alguém que passou muito tempo debruçado sobre a prancheta, voltado para a sua arquitetura, mas sempre pronto para participar da luta política, sensível à necessidade histórica de superarmos esse regime de classes que o capitalismo veio a aprofundar.


http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u723454.shtml


3. Brasília faz 50 anos como símbolo de contrastes do País

20 de abril de 2010 • 16h08 • atualizado em 21 de abril de 2010 às 00h33



A cidade de Brasília completa 50 anos nesta quarta-feira como o principal símbolo do imaginário político brasileiro na atualidade, avaliam especialistas ouvidos pela BBC Brasil. O sucesso da transferência da administração do Rio de Janeiro para o interior do País, que à época chegou a ser visto com descrédito, hoje já não é mais contestado.
"Sob esse ponto de vista, podemos dizer que Brasília deu certo, sem sombra de dúvidas", diz o sociólogo Brasilmar Nunes Ferreira, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), que durante mais de 35 anos fez da cidade sua moradia e seu objeto de estudo.
Segundo ele, Brasília não apenas se transformou em uma capital política - "na prática e no imaginário" - como também "cumpriu" o papel de contribuir para o desenvolvimento do interior do País. "Pode-se dizer que esse objetivo maior foi cumprido. Ou seja, do ponto de vista político, Brasília correspondeu às expectativas", diz Ferreira.
Projeto
Já do ponto de vista urbanístico, Brasília desperta as mais variadas avaliações entre os especialistas. Os grandes espaços vazios, os prédios padronizados e as quadras numeradas são apenas algumas das características do projeto de Lúcio Costa que costumam colocar urbanistas em lados opostos.
Os mais críticos argumentam, por exemplo, que o projeto foi "ingênuo" por não ter previsto o crescimento populacional e urbano com base em uma expansão que já vinha ocorrendo em outras grandes cidades do mundo. Para o arquiteto José Galbinski, da Universidade de Brasília (UnB), Brasília deve ser analisada no "contexto histórico" em que foi criada, e não com as informações de que dispomos hoje.
"Quando Lúcio Costa apresentou seu plano, os automóveis eram importados e pouquíssimas pessoas tinham um. Não é à toa que as quadras têm poucos estacionamentos", diz.
O desafio, na avaliação de Galbinski, é respeitar Brasília como um projeto histórico, mas ao mesmo tempo criar mecanismos que atenuem os problemas da vida moderna.
"Desenvolver as cidades satélites, investir em transporte público e permitir prédios mais altos em regiões como Sudoeste e Noroeste seriam algumas saídas", diz.
Desigualdade
A Brasília que se popularizou como centro dos acontecimentos políticos e principal exemplo de planejamento urbano do País muitas vezes acaba por esconder outras faces. Uma delas é a da riqueza. Na média, o morador do Distrito Federal é o mais rico do país, na comparação com outros Estados da federação. Seu salário é o dobro da média nacional (R$ 2,6 mil), segundo dados do IBGE referentes a 2007.
O Produto Interno Bruto per capita da região - número próximo ao conceito de renda - também é o maior do País: em 2007, esse valor era de R$ 40 mil, o triplo do restante do Brasil e quase o dobro do registrado no Estado de São Paulo.
Essa renda, porém, é extremamente mal distribuída. De acordo com o IBGE, o Distrito Federal é a unidade da federação mais desigual do País. Galbinski diz que o próprio desenho da capital - segundo ele, "uma ilha cercada por satélites" - resultou em um alto índice de segregação.
"A segregação em Brasília é integral. Ela ocorre no espaço físico, na questão cultural, na saúde", diz o arquiteto. Segundo ele, o resultado é um "pequeno pedaço" muito rico, representado pelo Plano Piloto, e o restante da região, "geralmente segregado e esquecido".
"Muita gente chega a pensar que Brasília é só o Plano Piloto. Na verdade, Brasília é todo esse conjunto, enquanto o Plano é uma pequeníssima fração", diz.


http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4391670-EI8139,00-Brasilia+faz+anos+como+simbolo+de+contrastes+do+Pais.html



4. Aos 50, Brasília encara corrupção e falta de planejamento

20 de abril de 2010 • 15h14 • atualizado em 21 de abril de 2010 às 00h31

Símbolo de modernidade e fruto do sonho de visionários, Brasília completa 50 anos na quarta-feira com um choque de realidade. As formas da capital federal tentam se impor à imagem de um local marcado pela corrupção e que, apesar do ideal imaginado, hoje convive com a desigualdade social e a falta de planejamento.
Idealizada e desejada desde o século 19, Brasília levou apenas 3 anos e meio para ser construída até sua inauguração em 21 de abril de 1960. Se o então presidente da República e seu fundador, Juscelino Kubitschek, encarou a empreitada com empenho e como um desafio a ser superado, o urbanista Lúcio Costa emprestou sua simplicidade ao plano urbanístico e Oscar Niemeyer conferiu plasticidade à capital com seus edifícios arrojados.
O sentimento de concretização do sonho não era restrito ao presidente e idealizadores da cidade. Milhares de trabalhadores, chamados de pioneiros ou candangos, deixaram as diversas regiões do País para erguer a nova capital.
Brasília nascia para acolher desde o ministro de Estado até o motorista. A expectativa de seus criadores era de que comportasse uma sociedade relativamente igualitária.
"A cidade tinha, no início, o compromisso de que o coletivo se sobressaísse em relação ao individual", disse o professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Eliel Silva. "A ideia era que seria possível fazer uma cidade igualitária... se a sociedade também fosse!", afirmou Maria Elisa Costa, filha de Lúcio Costa.
O Plano Piloto em forma de avião trazia o que de mais recente havia do urbanismo mundial - a arborização muito presente, as Superquadras, que funcionam como vilas, os prédios residenciais onde o andar térreo é obrigatoriamente aberto e de domínio público.
Centro Político
Ao ser construída, Brasília teve como objetivo principal, além de ocupar e povoar o Centro-Oeste do País, o de ser a sede administrativa e política do brasil. Mas ao tornar-se centro dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, passou a carregar o ônus de conviver com escândalos que têm origem nos gabinetes e corredores das instituições públicas.
"É injusto, a cidade, afinal de contas, não é só isso. O problema é que ela acaba levando esse estigma, ele acaba pesando", dissse o cientista político da UnB Everaldo Moraes.
Para piorar a reputação da capital, o aniversário de 50 anos tem de dividir as atenções com um caso emblemático: a crise do mensalão do DF, que resultou na cassação do governador e à renúncia do vice-governador. Representantes do Executivo e do Legislativo locais aparecem como suspeitos em um esquema de pagamento de propinas.
Por conta dessa crise, a população de Brasília presenciou, meses antes da comemoração do cinquentenário, a primeira prisão de um governador em exercício no Brasil. "Brasília era a esperança de algo novo. E de certa forma ela mostrou apenas aquela velha forma de fazer política", afirmou Moraes.
"Brasília acaba desenvolvendo uma dupla personalidade. De um lado é bonita, moderna, cosmopolita, mas por outro é provinciana, segregacionista. E acaba sendo um reflexo do País, à época imerso em práticas atrasadas", afirma o cientista político da UnB Leonardo Barreto.
Problemas Urbanos
Além da crise política, a capital enfrenta outros conflitos. Embora o Plano Piloto de Lúcio Costa esteja preservado - Brasília foi tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco -, sofre influências do crescimento desordenado do entorno.
De acordo com o Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no DF, Alfredo Gastal, a falta de transporte público, a sobrecarga dos sistemas de saúde, educação e a falta de planejamento por parte do Estado geram expectativas pouco otimistas.
"Se o Distrito Federal não se planejar para o futuro, isso não vai funcionar. Sem planejamento, não há tombamento que resista", disse Gastal. O problema da falta de planejamento é mais antigo do que aparenta. Mesmo durante a construção da capital, as autoridades da época não calcularam um espaço para a moradia dos candangos e pioneiros. Acomodados em vilas próximas aos canteiros de obras, tiveram de ser transferidos para regiões fora do Plano Piloto, mais tarde conhecidas como cidades-satélites.
"Não se pensou, no início, em planejamento para as pessoas que se deslocaram para construir a cidade em três anos. Quando terminaram a cidade, surgiu a pergunta: 'O que fazer com esse contingente?'", afirma a mestre em Sociologia Urbana da UnB Natália Mori.
A especulação imobiliária de Brasília e das cidades do DF também impediu a concretização da cidade igualitária. As classes mais ricas concentram-se no Plano Piloto, nos Lagos Sul e Norte. As mais baixas foram empurradas para fora do avião. O alto custo de moradia no centro estimulou a migração para o entorno e ocupações ilegais de terra, inclusive por parte da classe média, que pulverizou as áreas ao redor de Brasília com condomínios irregulares.
No Lago Sul, bairro onde vive a maioria das autoridades, a renda familiar média alcança 19,3 salários mínimos, segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (PDAD), de 2004. Enquanto isso, na região administrativa de Itapoã, uma das mais pobres do entorno de Brasília, a renda familiar média é de 1,6 salário mínimo.
"Houve uma alteração demográfica para qual Brasília não estava preparada. Não havia a expectativa de que o DF crescesse nesse montante. A cidade enfrenta problemas de excesso de automóveis, falta de transporte público, as invasões de terra, os condomínios irregulares, todos decorrentes do modelo de ocupação territorial", disse o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB Geraldo Batista


http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4391564-EI8139,00-Aos+Brasilia+encara+corrupcao+e+falta+de+planejamento.html



5. Brasília, uma cinquentona em busca de identidade própria


20 de abril de 2010 • 10h35

Brasília, uma das poucas cidades do mundo erguidas do nada para ser capital de um país, completa 50 anos mantendo-se como um local sem comparações, diferente de todas as antigas metrópoles e ainda em busca de sua identidade própria.
A cidade desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, ainda ativo no auge de seus 102 anos, e pelo urbanista Lúcio Costa, morto em 1998, se consolidou como capital administrativa do Brasil, mas não deixa de ser um lugar estranho, onde, apesar dos amplos e vastos espaços e parques, o concreto se impõe nas construções.
Meio século após sua fundação, em 21 de abril de 1960, a maioria de seus quase 3 milhões de habitantes continua sendo originária de outras regiões do Brasil, dando ao povo brasiliense um ar de miscigenação e um mapa social heterogêneo. Mas ainda assim faltam traços próprios à capital.
Brasília é uma cidade sem esquinas nem referências precisas de orientação, em parte pela monotonia de uma paisagem urbana na qual cada edifício parece uma réplica do outro.
É uma metrópole planificada onde zonas residenciais quase não têm estabelecimentos comerciais e, por outro lado, nas áreas comerciais ninguém mora e nas administrativas só se trabalha.
As grandes distâncias entre um local e outro fazem do carro um artigo de primeira necessidade e seus habitantes ''seres de cabeça, tronco e quatro rodas''.
Muitos estrangeiros que chegam à capital brasileira se sentem desorientados pelo peso do concreto, embora o horizonte esteja quase sempre à vista e a cidade, declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1987, disponha de 50 milhões de metros quadrados de áreas verdes.
Além de se diferenciar das capitais latino-americanas por sua concepção futurista, própria do modernismo de meados do século XX, muitas de suas características a diferenciam do resto do próprio Brasil.
É a capital do ''país do futebol'', mas não tem um só time na primeira divisão do Campeonato Brasileiro e seu único estádio deverá ser reconstruído quase totalmente para se adaptar às normas da Fifa e ser uma das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014.
Também é a capital do ''país do Carnaval'', mas não está no circuito dos turistas nas festas de fevereiro. E assim como em vários outros feriados, Brasília vira cidade-fantasma no Carnaval.
Brasília é também a capital de um país de belas praias ensolaradas, mas fica sobre um dos mais altos planaltos do continente, a 1,2 mil metros acima do nível do mar, e a cerca de 1,2 mil quilômetros do litoral.
Ainda assim a cidade tem a terceira maior frota de barcos de esporte no país, com cerca de 12 mil veleiros e lanchas que navegam pelo lago Paranoá, um lago artificial de 42 quilômetros quadrados construído para atenuar o clima seco do cerrado.
Dois dos primeiros estrangeiros que visitaram a nova capital foram os filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, que estiveram lá no final de 1960, quando a cidade começava a tomar forma.
Simone de Beauvoir relatou sua experiência no livro "Sob o signo da História", descrevendo Brasília como "uma grande maquete" carente dessa "mistura caprichosa das ruas, imprevista e tão encantadora, como a de Roma ou Chicago".
Sartre, por sua vez, observou que a arquitetura de Oscar Niemeyer, apesar de "fascinante", já então "organizava de forma rígida demais a vida de seus habitantes".
Meio século mais tarde, as coisas não mudaram muito e a cidade que entesoura muitos dos melhores projetos de Niemeyer divide opiniões.
Seus críticos a consideram "artificial", "fria" e "sem alma", mas seus defensores não trocam por nada a tranquilidade bucólica de uma cidade com os mais baixos índices de insegurança, a maior renda per capita e a qualidade de vida mais alta do Brasil.


http://noticias.terra.com.br/noticias/0,,OI4391053-EI188,00-Brasilia+uma+cinquentona+em+busca+de+identidade+propria.html


21/04/2010 - 12h32

6. "Por incrível que pareça, o que falta para Brasília é planejamento", diz geógrafo


PHILLIP DÂNTOM
colaboração para a Folha

Tida como uma utopia há meio século, Brasília impressionou o mundo ao nascer no meio do cerrado com uma ousada arquitetura de vanguarda e um planejamento urbanístico que a levou a ter o status de "capital do futuro".
Entretanto, a falta de políticas públicas ao longo de 50 anos fez com que a capital se encontrasse hoje com grande risco de sucumbir, ironicamente, pela falta de planejamento, transformando-se em mais uma metrópole cheia de problemas do Brasil, na avaliação do geógrafo e pesquisador da UNB (Universidade de Brasília), Aldo Paviani.


"Desde sua criação, a capital federal cresceu indiscriminadamente porque não se concebeu o Plano Piloto como a cidade fechada que queria Lúcio Costa. Hoje, Brasília é todo o conjunto urbano do Distrito Federal, com o Plano Piloto como centro. Por incrível que pareça, o que falta para Brasília é planejamento", afirmou o pesquisador.
Para ele, se soluções radicais não forem tomadas rapidamente, Brasília se tornará ingovernável em 20 anos. Isso porque, segundo Paviani, a cidade não se conteve nos traços idealizados por Lúcio Costa.
"Logo que cheguei em Brasília, em 1969, participei de um projeto de pesquisa sobre mobilidade da população. E descobrimos que, já naquela época, ninguém trabalhava fora do Plano Piloto. E isso não mudou. Brasília continua sendo o centro comercial, empresarial e social do Distrito Federal. É como se existisse um funil jogando quase 4 milhões de habitantes numa cidade planejada para comportar, no máximo, 500 mil pessoas", disse.
De acordo com o pesquisador, tirando Taguatinga (a 29 km de Brasília) e Núcleo Bandeirantes (a 12 km), as cidades satélites de Brasília sempre funcionaram apenas como dormitórios que todas as manhãs a população deixa em massa rumo ao mesmo lugar. No caso, o Plano Piloto, que possui os melhores postos de trabalho.
A maior consequência disso, ainda segundo Paviani, pode ser vista nos gargalos de trânsito formados na capital. "Brasília não é uma ilha da fantasia, como se dizia na sua inauguração. Ela sofre de todos os problemas que uma metrópole sofre. O mais visível deles, atualmente, é o caos do trânsito, porque não se criou transportes coletivos compatíveis com o volume de pessoas. O metrô é pequeno, não dá vazão", disse.
Dizendo-se, apesar de tudo, um apaixonado pela cidade, Paviani acredita que a solução está naquilo que nenhum governo foi capaz de fazer em meio século: descentralizar o Plano Piloto.
"Tem de haver um investimento e um planejamento capaz de fazer com que cada região administrativa seja autossuficiente. Só assim o morador de Brazlândia (a 60 km de Brasília), por exemplo, não vai precisar viajar todos os dias para trabalhar. Ele vai trabalhar na sua própria cidade e, consequentemente, desenvolvê-la", afirmou.


http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u702982.shtml

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

BIODIVERSIDADE

A lógica do lucro e os delírios da razão


A crítica pautada pelo iluminismo clássico baseou-se em uma idéia de razão como oposição absoluta à emoção. Para Descartes e outros, usar a razão consistia em pensar longe de qualquer sentimento. Esta modalidade de pensar foi muito importante para libertar o homem da servidão religiosa, abrindo caminho para uma compreensão mais objetiva do mundo. De outro ângulo, a razão cartesiana conduziu o pensamento para uma lógica insensível às dores humanas.
Quando aqui se fala em razão, não se deve confundir isto com a racionalidade ordinária, isto é, com a saúde mental. A razão objetiva vai além de um bom funcionamento cerebral. Consiste em uma capacidade natural de compreender o mundo e a si próprio, que pode ou não ser desenvolvida, dependendo de condições históricas para tal.
Durante muitos séculos, esta capacidade foi obliterada por crenças que desvalorizavam a visão racional do mundo. Havia limites históricos para se compreender e a perspectiva racional terçava armas com forças muito poderosas, como nos casos conhecidos de Giordano Bruno, de Galileu Galilei e da Inquisição. O primeiro manteve suas posições e morreu na fogueira, o segundo foi obrigado a negar publicamente tudo o que sabia. O tribunal que os julgou existe até hoje, funcionando no Vaticano com um novo nome. O atual Papa foi o seu chefe até chegar ao posto de monarca da Igreja.
Somente os ingênuos imaginam que isto é coisa que desapareceu na curva do tempo. Ainda hoje para muita gente, o mundo é governado por forças sobrenaturais e a vida seria algo com mistérios insondáveis. Não são poucos os que acreditam em astrologia e nada sabem de astronomia; preferem medicinas ditas ‘alternativas’ ao uso crítico do saber acumulado pelas ciências médicas; crêem que a publicidade diz a verdade sobre os produtos que alardeiam; não percebem que são cotidianamente manipulados pelas mídias e que as idéias que acham possuir não são exatamente suas; são escravos de idéias religiosas que fogem a qualquer senso de possibilidade ou de realidade.
Ao longo do século passado, não foram poucos os perseguidos, presos, torturados, expulsos ou exilados por terem conhecimentos e idéias que eram consideradas impróprias ou perigosas. Dentre eles, havia religiosos que não concordavam com a opção pelos ricos, feita pelas igrejas tradicionais. Como na época de Bruno e Galileu, os que sabem de tudo isto continuam sendo perseguidos. Atualmente, é difícil prender ou assassinar alguém porque sabe mais do que os mais iludidos. Todavia, dependendo do lugar e do momento, isto pode acontecer. O pensamento continua sendo vigiado e o ato de pensar de modo independente e aberto é habitualmente punido. Facilmente, o crítico é compreendido como um querelante enlouquecido. O burocrata carreirista é visto como o verdadeiro cientista.
Nunca se deve esquecer que a posse de livros, considerados subversivos e hoje vendidos livremente, eram peças dos processos da época da finada ditadura militar. Para ficar mais claro, em respeito aos leitores mais jovens, os processados com base nas leis de segurança nacional – foram várias versões – eram levados aos tribunais com amarrados de livros, considerados como provas da ‘subversão’. Inúmeros estudantes, cientistas e professores foram proibidos de estudar e trabalhar. Alguns tiveram que deixar o país, para continuar a fazer o que sempre fizeram. Outros foram forçados a se adaptar.
Com o desenvolvimento das ciências e do capitalismo houve motivos de sobra para se desconfiar das primeiras. Isto porque ficou difícil esconder que elas passaram a trabalhar fundamentalmente para as burguesias e seus governos. A razão instrumental foi dominando pouco a pouco o pensamento científico e, hoje mais do que nunca, o cientista não tem mais fundamentalmente o papel possível de campeão do saber, a serviço da humanidade. Na maioria dos casos, mesmo se o quisesse, não poderia sê-lo. Os cientistas transformaram-se em proletários que trabalham para as empresas ou para os governos, em muitos casos, vinculados às mesmas. Existem inúmeras exceções. Entretanto, as regras são duras e é difícil quebrá-las.
É verdade, que parte das ciências esclarecidas a crítica ao status quo. É comum também que os cientistas se dividam entre os que estão a serviço e os que são contrários. Os primeiros lêem a razão de modo instrumental, retirando dela qualquer poder contestador. Os segundos, como Bruno e Galileu, vão mais além. Tentam usar dela para libertar a humanidade de seus grilhões. Viu-se isso no Brasil atual, na brilhante performance de Isaias Raw. Esta foi imediatamente criticada por vários eminentes ‘pesquisadores’ que pensam guardar a ética do comportamento dos que mais sabem. Estes esqueceram que a verdadeira ciência nasce do debate, das afirmações intimoratas e da coragem pessoal de alguns homens e mulheres.
Desgraçadamente, o pensamento objetivo transformou-se pouco a pouco em objetivismo e a apropriação histórico-social das classes ricas transformou a razão cartesiana em um aparato instrumental, útil às burguesias e às suas estratégias de dominação humana e de uso das descobertas tecnológicas para acumular e dominar mais e mais. O capitalismo pode crescer nos últimos dois séculos contando com um suporte filosófico-científico que o viabilizou. Ao usar e abusar desse suporte, os donos do poder tiveram que agüentar as críticas contundentes dos que se perceberam manipulados por seus governos. Alguns dos cientistas que trabalharam no Projeto Manhattan, definindo e construindo a bomba atômica norte-americana, ficaram estupefatos com o seu uso e foram ferozes críticos pacifistas do pós-guerra.
O atual e impressionante vazamento de petróleo no Golfo do México é uma prova da força da razão instrumental. O que importa é o lucro. Se existem efeitos colaterais, não faz mal. A poderosa British Petroleum continua sendo uma das maiores empresas do planeta. Segue na sua senda de lucro e de destruição pela face da Terra, incluindo o Brasil, na sua rota de passagem. Se ela provoca dores à natureza e aos homens, o que é mais significativo são as cifras monetárias que ela vem coletando ao longo do tempo.
Ninguém fala em fechar esta empresa e em retirar dela tudo o que acumulou. Cobrar multas e o tratamento dos efeitos é muito pouco. O crime é muito grande e a punição é desproporcional. Se nada se fizer de mais grave, não demorará muito para algo similar ocorrer novamente neste mundo dos homens, das águas, dos animais e dos vegetais. A preservação do mundo da vida e da natureza merece mais do que o lucro acumulado por qualquer empresa. A emoção gerada pelo sofrimento deveria iluminar a razão, transformando-a em um instrumento sensível e humanista. (Luís Carlos Lopes é professor e escritor.)


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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DIREITOS HUMANOS - LEITURAS RECOMENDADAS

1ª Leitura

Lula recua e dá mais fôlego à ofensiva da direita

José Arbex

A divulgação da terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva no final de dezembro, provocou uma imensa gritaria da direita. Dos militares saudosos de 1964 até os jornalistas financiados pelo capital, passando pela CNBB e por ministros do próprio governo (incluindo Nelson Jobim, da Defesa e Reinhold Stephanes, da Agricultura) todos qualificaram o plano como “monstruoso”, “revanchista”, “autoritário”. Depois de um festival de ameaças e chantagens, Lula recuou, cedeu à direita. O plano revisado, anunciado pelo Planalto no dia 13, substitui a caracterização de “crimes cometidos pela repressão política” (durante o regime de 1964) pela expressão genérica “violações de direitos humanos”. A nova formulação, típica do governo Lula, deixa aberto o campo para a pizza, por satisfazer tanto aos que querem punir os torturadores da ditadura quanto aos que acusam a esquerda de ter cometido atos terroristas, como se os dois lados pudessem ser equiparados. Em síntese, a batalha em torno do plano explicita, por um lado, a ferocidade de uma direita saudosa de 1964 e, por outro, as oscilações de um governo incapaz de enterrar definitivamente o entulho autoritário que ronda e ameaça as combalidas instituições democráticas nacionais.

É óbvio que a ofensiva da direita tem como endereço as eleições de 2010. Também é óbvio que a ofensiva não começou agora. Ela ficou bem evidente com o famoso editorial da Folha de S. Paulo que qualificava como “branda” a ditadura militar, e depois com as calúnias assacadas pela mesma Folha contra Dilma Roussef, atual chefe da Casa Civil e a “candidata de Lula” em 2010. Todos os ataques ao plano, amplamente reverberados pela mídia, “esquecem” de mencionar o singelo fato de que ele foi o resultado de pelo menos 50 conferências públicas realizadas em todo o país, envolvendo a participação de algo como 15 mil pessoas. Não por acaso, aliás, algumas das organizações da mídia que mais atacaram o plano (incluindo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - Abert e Associação Nacional de Jornais - ANJ) foram as mesmas que se ausentaram da recente Conferência Nacional de Comunicação, cujo objetivo central era estabelecer regras democráticas e impor limites ao monopólio praticado no Brasil. Também “esquecem” que o plano prevê a elaboração de leis que devem ser submetidas ao Congresso. Não se trata, portanto, de nenhuma “imposição ditatorial”.

Mas não há como resumir a ofensiva da direita a uma simples estratégia eleitoral. Há muito mais em jogo. Trata-se de uma disputa para saber quem controla a memória histórica nacional, assim como as relações que devem ser estabelecidas entre o Estado e a “sociedade civil”, tanto no que se refere ao regime da propriedade privada quanto à demarcação clara das fronteiras entre as esferas pública e privada. Num país em que o Estado e a esfera pública sempre foram tratados como posse de um grupo de escravistas (ou, na versão contemporânea, de empresários como Daniel Dantas, devidamente blindado pelos donos do sistema judiciário), qualquer tentativa de regulamentar as relações entre Estado e sociedade é percebida como ameaça. A Igreja Católica, historicamente encarregada de abençoar o patrimonialismo, dele vivendo como parasita, tampouco pode suportar um plano que, talvez pela primeira vez na história do Brasil, pretende eliminar dos lugares públicos a ostentação de símbolos religiosos.

Uma breve listagem dos setores que mais espernea¬ram e o resumo de seus motivos são suficientes para esclarecer tudo:

Militares - Rejeitam a Criação da Comissão Na¬cional da Verdade, responsável por apurar crimes du¬rante o regime militar (1964-1985), a divulgação da estrutura dos porões empregada na prática sistemáti¬ca de torturas e a criação de uma legislação que proíbe homenagens em locais públicos a pessoas que tenham praticado crimes de lesa-humanidade. E execram qual¬quer tentativa de revisão da Lei de Anistia de 1979.

Igreja Católica - Veta o apoio a iniciativas que proponham a descriminalização do aborto e da união civil entre pessoas do mesmo sexo, da garan¬tia do direito de adoção por casais homoafetivos e da proibição à ostentação de símbolos religiosos em lo¬cais públicos.

Agronegócio - Qualifica como "estímulo a inva¬sões" a proposta de mudança nas regras de cumprimento de mandados de reintegração de posse em invasões agrá¬rias, dando prioridade ao diálogo como forma de evitar o conflito, bem como a exigência de que haja realização de audiências públicas antes de um juiz decidir sobre conces¬são de liminar para reintegração de posse.

Mídia - Os "barões" da comunicação rejeitam proposta de mudança da regra constitucional sobre re-novação e outorga de serviços de radiodifusão (rádio e TV) com base em marco legal que respeite os direitos humanos. Tampouco toleram a instituição de critérios de acompanhamento editorial, com o objetivo de de-tectar os veículos que defendem e os que violam os di¬reitos humanos.

Vários setores - O plano prevê, ainda, en¬tre outras providências, a regulamentação da taxação de grandes fortunas, a fiscalização da rotulagem de ali¬mentos transgênicos (estabelecida em lei, mas jamais praticada), fiscalização e controle sobre o impacto de biotecnologia, reformulação da Lei de Execução Penal e a revisão das regras dos planos de saúde. Em cínica inversão de valores, os críticos do plano qualificam-no como "antidemocrático". Qualquer ser dotado de pelo menos dois neurônios saudáveis per¬cebe que é o oposto: o plano, pelo menos em sua ver¬são original, buscava acertaras contas com um passado de quinhentos anos de escravidão, autoritarismo, obscurantismo religioso e preconceitos. Ao assinar o pla¬no, em dezembro, Lula abriu a possibilidade de o Brasil abandonar sua roupagem feudal e ingressar no mundo contemporâneo; ao recuar, em janeiro, deu nova vida e brilho à espada que as viúvas de 1964 - às quais ago¬ra se soma o ex-presidente Fernando Henrique Cardo¬so - mantêm sobre o pescoço da república tupiniquim.

Para aqueles que acreditam que golpes estão "fora de moda", basta mencionar o exemplo recente e ainda em curso em Honduras, ou as tentativas fracas¬sadas na Venezuela (2002) e Bolívia (2008). Não, nin-guém está dizendo que, em breve, uma coluna de mi¬litares babões tomará o Planalto de assalto. O golpe é bem mais sutil do que isso: ele aglutina setores que "fa¬zem a cabeça" (incluindo integrantes da mídia, da Igre¬ja, da OAB etc.) e o capital financeiro, industrial e agrá¬rio para brecar o avanço democrático. O recuo de Lula já é uma óbvia demonstração de sua eficácia. A ofen¬siva atual é uma pequena amostra do que se prepara nos próximos meses. Se Lula quisesse preservar o pouco de democracia que há no país, deveria eliminar aque¬les que, dentro de seu governo, representam os interesses dos golpistas. Mas o presidente se mostra incapaz de fazer isso. Deveria se lembrar do trágico destino de Salvador Allende. (Caros amigos. Fevereiro de 2010)


2ª Leitura

"Programa Nacional de Direitos Humanos: efetivar direitos e combater desigualdades", de Alexandre Ciconello, Luciana Pivato e Darci Frigo.
In: http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/revista_dh/dh4.pdf