domingo, 25 de setembro de 2011

GÊNERO TEXTUAL: CRÔNICA

Exemplos de crônica


1. Recado ao senhor 903


Vizinho –
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho do meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos, e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
(...) Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse: “Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
(Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991)


2. A Última Crônica

Fernando Sabino


A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.




EXERCÍCIO


Etapas para escrever sua crônica:


1.Escolha algum acontecimento atual que lhe chame a atenção. Você pode procurá-lo em meios como jornais, revistas e noticiários. Outra boa forma de encontrar um tema é andar, abrir a janela, conversar com as pessoas, ou seja, entrar em contato com a infinidade de coisas que acontecem ao seu redor. Tudo pode ser assunto para uma crônica. É importante que o tema escolhido desperte o seu interesse, cause em você alguma sensação interessante: entusiasmo, horror, desânimo, indignação, felicidade... Isso pode ajudá-lo a escrever uma crônica com maior felicidade.

2.Muito bem. Agora que você já selecionou o acontecimento interessante, tente formular algumas opiniões sobre esse fato. Você pode fazer uma lista com essas idéias antes de começar a crônica propriamente dita. “Se eu tivesse nessa situação, eu...”; “Ao saber desse fato eu me senti...”; “A solução para isso...”
Como você deve ter notado, é muito importante que o seu ponto de vista, a sua forma de ver aquele fato fique evidente. Esse é um dos elementos que caracterizam a crônica: uma visão pessoal de um evento.

3.Agora que você já formou opiniões sobre o acontecimento escolhido, é hora de escrever sua crônica. Seu ponto de partida pode ser o próprio fato, mas esse também pode ser mencionado ao longo do texto.

GÊNERO TEXTUAL: CRÔNICA

Exemplo de crônica


Recado ao senhor 903


Vizinho –
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho do meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos, e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo oceano Atlântico, ao norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
(...) Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse: “Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
(Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991)


EXERCÍCIO


Etapas para escrever sua crônica:


1.Escolha algum acontecimento atual que lhe chame a atenção. Você pode procurá-lo em meios como jornais, revistas e noticiários. Outra boa forma de encontrar um tema é andar, abrir a janela, conversar com as pessoas, ou seja, entrar em contato com a infinidade de coisas que acontecem ao seu redor. Tudo pode ser assunto para uma crônica. É importante que o tema escolhido desperte o seu interesse, cause em você alguma sensação interessante: entusiasmo, horror, desânimo, indignação, felicidade... Isso pode ajudá-lo a escrever uma crônica com maior felicidade.

2.Muito bem. Agora que você já selecionou o acontecimento interessante, tente formular algumas opiniões sobre esse fato. Você pode fazer uma lista com essas idéias antes de começar a crônica propriamente dita. “Se eu tivesse nessa situação, eu...”; “Ao saber desse fato eu me senti...”; “A solução para isso...”
Como você deve ter notado, é muito importante que o seu ponto de vista, a sua forma de ver aquele fato fique evidente. Esse é um dos elementos que caracterizam a crônica: uma visão pessoal de um evento.

3.Agora que você já formou opiniões sobre o acontecimento escolhido, é hora de escrever sua crônica. Seu ponto de partida pode ser o próprio fato, mas esse também pode ser mencionado ao longo do texto.

PALESTINA: A CONQUISTA DO ESTADO

VÁRIOS TEXTOS EM:

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ORÇAMENTO DA SAÚDE: UM DEBATE NECESSÁRIO

1. SUS exige verba mas mídia vende tributação insuportável, diz Jatene


Em novo livro, diretor do Incor e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, diz que tecnologia impôs grandes mudanças à medicina em 40 anos. Frente a custos maiores e novo perfil epidemiológico do país, Sistema Único de Saúde precisa dobrar recursos. 'Esse é o grande problema', diz Jatene em entrevista exclusiva. 'Mídia faz população acreditar que carga tributária é insuportável.'
André Barrocal

BRASÍLIA – O diretor geral do Instituto do Coração (Incor) e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, lançou nos últimos dias, em dobradinha com o atual ministro, Alexandre Padilha, o livro “40 anos de medicina. O que mudou”. São 200 páginas abrangendo a experiência de metade de uma vida que Jatene, aos 82 anos, sintetiza apontando a tecnologia como principal elemento transformador.

O avanço tecnológico levou à descoberta de novos tratamentos, permitiu diagnósticos melhores, praticamente erradicou doenças. Mas também afetou a relação entre paciente e médico, que se tornou mais impessoal. E encareceu custos na medicina, exigindo cada vez mais investimentos de um Estado que assumiu o compromisso constitucional de dar saúde gratuita para toda a população.

O problema dos custos é de difícil solução, na opinião de Jatene, porque o debate sobre o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) tornou-se um tabu duro de quebrar.

"Quem controla a mídia faz a população acreditar que a carga tributária é insuportável", disse o médico à Carta Maior. "Mas, se você tirar a Previdência Social do orçamento, e a Previdência é um dinheiro dos aposentados que o governo apenas administra, vai ver que a nossa carga tributária está abaixo de 30%. É pouco para um país como o Brasil."

O leitor confere a seguir os principais trechos da breve entrevista exclusiva, concedida por telefone na última segunda-feira (19), antes de os deputados derrubarem a criação de um novo imposto para custear a saúde pública no Brasil.

Como o senhor resumiria o livro: o que mudou na medicina em 40 anos?

Jatene: O que mudou é realmente a tecnologia. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O diagnóstico à distância, por meio de exames, afastou o médico dos pacientes, a conversa ficou abreviada.

Mas a tecnologia também dever ter ajudado, não?

Jatene: Ajudou muito, criou vacinas contra poliomelite, sarampo. Hoje, são doenças que não existem mais. E também criou técnicas menos invasivas.

O perfil epidemiológico do brasileiro mudou muito também? Isso tem impacto nos custos da saúde, que ficam maiores?

Jatene: Claro, esse é o grande problema.

E O SUS, que está fazendo 21 anos, está preparado para essa nova situação?

Jatene: É preciso que as pessoas entendam aritmética: é preciso ter recursos. Eu estimo que o orçamento do SUS precise dobrar, mas não há nenhuma possibilidade de dobrar.

Então o senhor é a favor de um novo tributo?

Jatene: Quando estive no governo, eu defendi a CPMF. Mas não estou mais. Apontar as fontes de financiamento não é responsabilidade minha, mas do governo e do Congresso.

Com essa sua experiência de médico e gestor, o que o senhor diria que conta mais para melhorar a saúde no Brasil: gestão ou financiamento?

Jatene: As duas coisas ao mesmo tempo são importantes. Já avançamos muito na gestão, os grandes hospitais de São Paulo, por exemplo, buscam gestores públicos. Mas faltam recursos.

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2. 7° PIB, Brasil é 72° no ranking da OMS de gasto per capita em saúde


Invstimento público em saúde é de US$ 317 por brasileiro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Líderes do ranking de 193 países, Noruega e Mônaco gastam 20 vezes mais. Na América do Sul, Brasil perde para Argentina, Uruguai e Chile. No G-20, é o 15°. Segundo ex-ministro Temporão, dado é 'dramático'. Para Dilma Rousseff, baixa despesa per capita justifica mais verba à saúde. Secretário paulistano apoia novo imposto.
André Barrocal e Maria Inês Nassif

BRASÍLIA – O Brasil ocupa a 72ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS) de investimento em saúde, quando a lista é feita com base na despesa estatal por habitante. Os diversos governos gastam, juntos, uma média anual de US$ 317 por pessoa, segundo a última pesquisa da OMS, com dados relativos a 2008.

O desempenho brasileiro é 40% mais baixo do que a média internacional (US$ 517). A liderança do ranking de 193 países pertence a Noruega e Mônaco, cujas despesas anuais (US$ 6,2 mil por habitante) são vinte vezes maiores do que as brasileiras.

Apesar de o Brasil possuir a maior economia da América do Sul, três países do continente se saem melhor: Argentina, Uruguai e Chile.

No chamado G-20, grupo que reúne os países (desenvolvidos e em desenvolvimento) mais ricos do mundo, o desempenho do Brasil, no gasto por habitante, também não é dos melhores. Está na 15ª posição - ganha de África do Sul, China, México, Índia e Indonésia.

O baixo gasto estatal por habitante tem sido um dos argumentos usados pelo governo federal para defender a criação de fonte de recursos extras para a saúde – um novo imposto ou a elevação de um já existente.

Além de o Brasil ter uma na saúde uma performance internacional aquém do poderia de sua economia - é o sétimo maior produto interno bruto (PIB) mundial -, o governo também considera o gasto per capita diminuto, na comparação com a medicina privada.

As despesas a partir de convênios particulares movimentam mais do que o dobro das finanças do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é gratuito e atende os 190 milhões de brasileiros. Os planos privados beneficiam um quarto da população brasileira.

Nesta quarta-feira (14/09), a presidenta Dilma Rousseff defendeu a ampliação dos recursos para a saúde, usando o argumento do gasto por habitante, durante entrevista depois de um evento.

“O setor público gasta duas vezes e meia a menos do que o setor privado na área de saúde. Isso significa uma coisa que nós todos temos de ter consciência: se você quiser um sistema universal de saúde, gratuito e de qualidade, nós vamos ter de colocar dinheiro na saúde e colocar gestão na área de saúde, as duas coisas”, afirmou.

“O dado é dramático”, disse à Carta Maior o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão. “As famílias de classe média gastam cerca duas vezes aquilo que o SUS gasta para prover serviços de muita maior abrangência. Há uma disseminação de planos privados de cobertura insuficiente”, completou.

“Fico feliz que a presidente Dilma tenha aludido ao fato de que a saúde suplementar tem um orçamento que é 2,4 vezes superior ao do SUS. Esse é um parâmetro que deve ser considerado”, afirmou à Carta Maior Januário Montone, secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo que apoia a criação de um novo imposto para a saúde.


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3. Saúde precisa de mais verba até para melhorar gestão, diz Temporão


Segundo José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, reforço financeiro dos sistemas públicos está em debate no mundo todo. Avanço tecnológico e de expectativa de vida impõe alta de custos e exige novos recursos. Em entrevista à Carta Maior, Temporão defende subir taxação de cigarros e bebidas, condena 'aberração' brasileira de abater plásticas do IR e critica subsídio federal a convênio de servidor.
André Barrocal

BRASÍLIA – O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão embarca nesta segunda-feira (12/09) para a China, onde vai se juntar a três outros especialistas (inglês, australiano e tailandês) para fazer uma avaliação independente do modelo de saúde chinês, a pedido do governo local. Depois de estimular a medicina privada e reduzir o peso do investimento público, o país tenta reverter o que para Temporão foi um “equívoco grave” que produziu uma “crise”, e agora quer saber se as medidas estão funcionando.

“A saúde é um debate que está presente hoje na China, nos países europeus, nos Estados Unidos com a reforma Obama. Todos os países enfrentam problemas de financiamento de seus sistemas, de qualidade, de gestão, e no Brasil não será diferente”, afirma Temporão em entrevista exclusiva à Carta Maior.

Diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), órgão com sede no Rio de Janeiro que promove troca de experiências no setor entre países do continente, Temporão diz estar “feliz” por ver “forte consenso dentro do governo e na sociedade” de que a saúde precisa de mais dinheiro.

Segundo o médico sanitarista, os sistemas de saúde estão em debate pelo mundo por três motivos principais, todos aplicáveis ao Brasil. Crescente envelhecimento das pessoas (mais gente idosa requer mais tratamento). Acelerada incorporação tecnológica à medicina (eleva custos). E gestão. “Para melhorar a gestão, vamos ter de aumentar o gasto. Como garantir a implantação do cartão SUS para todos os brasileiros sem investir em gestão, na formação de gerentes?”, diz.

Para ele, o Brasil tem um elemento complicador. O atual modelo de saúde foi concebido quando o país era mais pobre. À medida que se desenvolve, algumas doenças tornam-se coisa do passado, como sarampo, enquanto outras se disseminam. Em uma ou duas décadas, o perfil epidemiológico da sociedade brasileira será totalmente diferente.

“Isso vai mudar profundamente o sistema de saúde, e o Brasil não está preparado para isso. Um dos principais motivos é a fragilidade da base financeira. É um sofisma dizer que o problema é de gestão”, afirma.

Temporão defende que, em 10 anos, o Brasil empurre o investimento em saúde a 10% do produto interno bruto (PIB). Hoje, são mais ou menos 8%. A maior parte (56%) é despesa privada (planos, consultas particulares). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que só em um terço dos 192 países filiados, o gasto governamental perde para o privado, como no Brasil.

A despesas federais com saúde no ano que vem serão de R$ 71 bilhões, de acordo com a proposta de orçamento enviada ao Congresso. Dentre as alternativas surgidas nas últimas semanas como potenciais fontes de recursos novos para reforçar aquela cifra, o ex-ministro no segundo governo Lula diz ter “simpatia” pelo aumento da taxação de cigarros e bebidas.

Com uma bala, acertam-se dois alvos. Por um lado, consegue-se mais dinheiro. Por outro, desestimula-se o consumo de produtos que reconhecidamente fazem mal à saúde. Com 5 bilhões de maços de cigarro vendidos por ano, o aumento de dois reais no preço já renderia R$ 10 bilhões ao governo.

“Cigarro, cerveja e bebida no Brasil são dos mais baratos do mundo. Só que ninguém gosta de falar sobre isso porque é politicamente impopular”, afirma.

O ex-ministro aponta ainda um outro “problema delicado que ninguém ousa discutir” mas que, para ele, se enfrentado, ajudaria a fortalecer o orçamento público destinado à saúde. É a autorização da Receita Federal para pessoas e empresas descontarem do imposto de renda despesas particulares com saúde, o que tira alguns bilhões do erário. O gasto particular com saúde é, em média, duas vezes maior do que o gasto público, quando se faz a conta de forma per capita.

O problema, diz Temporão, é que, embora pagar planos de saúde ou cirurgias seja gasto com saúde, não obedece a uma lógica pública ou a uma política pública. “Significa que se alguém quiser fazer uma cirurgia estética porque não está satisfeito com o perfil do seu nariz ou tamanho das suas orelhas ou dos seus seios, pode abater integralmente do imposto de renda. Um disparate total, uma aberração bem brasileira”, diz.

O ex-ministro mexe ainda em um outro vespeiro que poderia ser enfrentado, na opinião dele, para garantir mais recursos à saúde. Ele critica o subsídio que o Estado dá aos funcionários públicos dos três Poderes (governo, Congresso e Judiciário) ao bancar parte do convênio deles. São mais ou menos R$ 15 bilhões por ano, algo entre 20% e 25% dos investimentos federais em saúde pública.

“O governo percebeu que se não colocar recursos adicionais na saúde, teremos problemas graves no curto e médio prazo”, afirma Temporão. “E é importante a sociedade ter clareza que, ao investir no SUS, estamos investindo num patrimônio que a sociedade construiu nos últimos 22 anos.”

Criado pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi regulamentado por uma lei (8.080, de 1990) que vai fazer aniversário na próxima segunda-feira (19/09).

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4. O custo da derrubada da CPMF


Para o líder do governo no Senado, Humberto Costa, o custo da derrubada da CPMF foi muito alto e está sendo pago até hoje. “Nós sofremos dupla derrota na votação da CPMF, em 2007: de um lado, perdemos R$ 40 bilhões; de outro, o discurso. Prevaleceu o discurso de que a Saúde tem dinheiro, que o problema é simplesmente de gestão. Está difícil recolocar o problema de financiamento do setor”. O artigo é de Maria Inês Nassif.
Maria Inês Nassif

Em 2000, quando foi aprovada a famosa Emenda 29, o presidente era Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e teoricamente a Saúde tinha como fonte financiadora a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O projeto de emenda previa que o governo federal teria que investir 10% de todo o seu Orçamento em Saúde; os Estados, 12%; e os municípios,15%.

Com ampla maioria nas duas casas legislativas, o governo federal conseguiu negociar uma emenda nos seguintes termos: Estados e municípios são obrigados a investir, no mínimo, 12% e 15% de suas receitas líquidas, respectivamente. A União, desde então, gasta com Saúde o correspondente ao que desembolsou no ano anterior, mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) nominal. É o chamado Piso Nacional.

FHC, portanto, “congelou”os gastos em Saúde da União, com a regra de reajuste do orçamento do setor do ano anterior pelo PIB, e não considerou a CPMF como financiamento adicional, incorporando-a simplesmente às suas receitas. Era o melhor dos mundos.

A presidenta Dilma Rousseff, depois do recuo governista de bancar a aprovação da Contribuição Social da Saúde – que previa uma alíquota de 0,1% sobre a movimentação bancária do país, algo em torno de R$ 20 bilhões anuais – correu o risco de ficar no pior dos mundo: sem dinheiro novo para a Saúde e com 10% de suas receitas líquidas vinculadas ao setor. Ela também tem ampla maioria nas duas casas legislativas.

Segundo o documento de discussão “Modelo de Financiamento para a Saúde”, apresentado pelo secretário municipal de São Paulo, Jairo Montone, ao Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), o grande incremento nos gastos com a área vieram da vinculação orçamentária de Estados e Municípios. A CPMF, que começou como Imposto sobre Movimentações Financeiras em 1993 teoricamente destinado à Saúde, foi sendo absorvida pelo Orçamento da União.

Em 2000, o Orçamento do Ministério da Saúde era 8,1% da receita corrente em 2000; em 2007, 6,7%. Se os gastos da União com a Saúde tivessem permanecido no patamar de 2000, a área teria R$ 10 bilhões a mais. Se a vinculação dos gastos da União em 10% tivesse ocorrido, hoje a Saúde teria R$ 35 bilhões a mais do que os cerca de RS$ 60 bilhões de hoje.

No governo Fernando Henrique Cardoso, a vinculação de 10% da receita líquida da União para a Saúde não aconteceu e a CPMF não virou dinheiro adicional. Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo. Em 2007, ainda sob a vigência da contribuição, o então senador Tião Viana (PT-AC) apresentou a proposta de regulamentação da emenda 29, prevendo novamente a vinculação em 10%. Segundo o hoje governador do Acre, a proposta foi apresentada após ele ter ouvido de Lula o compromisso de destinar integralmente o dinheiro da CPMF para o setor. Em dezembro, o Senado derrubou a contribuição. Em abril do ano seguinte, aprovou a regulamentação da emenda 29 proposta por Viana, mantendo a vinculação dos recursos da União.

O projeto que saiu da Câmara, e foi para o Senado, colocou o governo Dilma Rousseff nesta situação. Com uma maioria avassaladora no Legislativo, o governo só perde uma votação se for abandonado por sua base parlamentar – ou, como aconteceu agora, se deixar à vontade os parlamentares para fazerem o que quiserem, em vésperas de eleição.

Quando abriu mão da CSS, a base governista tinha a avaliação de que estaria dando discurso à oposição, a exemplo do que aconteceu em 2007 – os adversários do governo assumiram rapidamente o discurso de que o país vivia sob uma tributação insuportável. Desconheceu o poder de pressão dos governadores sobre o Senado para aprovar a vinculação orçamentária, mesmo sem uma nova fonte de financiamento da Saúde – e o fato de que aprovar recursos para a área é um capital eleitoral que pode tentar a sua base no Senado, às vésperas das eleições municipais.

O especialista em gestão pública, Amir Khair, concorda quem em 2007, na votação da CPMF, a oposição ao governo Lula faturou com a derrubada da contribuição. “É um impasse politico. Dilma não caiu na cilada política que Lula caiu”, afirmou. Para o líder Humberto Costa, o custo da derrubada da CPMF foi muito alto e está sendo pago até hoje. “Nós sofremos dupla derrota na votação da CPMF, em 2007: de um lado, perdemos R$ 40 bilhões; de outro, o discurso. Prevaleceu o discurso de que a Saúde tem dinheiro, que o problema é simplesmente de gestão. Está difícil recolocar o problema de financiamento do setor”.

Khair aponta outras possibilidades de tributação: uma parte do Imposto de Renda ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. “A CSLL pode servir a isso, preferencialmente se houver uma taxação maior dos bancos, que não têm poder de mobilização da sociedade e hoje são vistos pelos cidadãos comuns como agiotas; o aumento do compulsório dos bancos;ou, ainda, a tributação de cigarros”. Esses recursos não poderiam ser “carimbados” para a Saúde, mas podem ser destinados ao setor, “o que facilitaria à União, aos Estados e municípios cumprirem a emenda 29”. “Neste primeiro momento, o foco do debate é a destinação integral do DPVAT para a Saúde e o aumento dos produtos nocivos à saúde; depois, vamos pensar em novas fontes”, afirma Costa.


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5. Só no Brasil há saúde gratuita e universal mas gasto privado maior


Aos 21 anos, Sistema Único de Saúde (SUS) vive 'paradoxo'. É gratuito e aberto a todos mas tem menos dinheiro do que iniciativa privada gasta para atender menos gente. Em nenhum outro país é assim, segundo a OMS. Despesa estatal brasileira é um terço menor do que a média mundial. Para especialistas, SUS exige mais verba. 'Orçamento precisa dobrar', diz Adib Jatene.
André Barrocal e Maria Inês Nassif

BRASÍLIA – O Sistema Único de Saúde (SUS) completa nesta segunda-feira (19) 21 anos exibindo um paradoxo. O Brasil é o único país do mundo que tem uma rede de saúde gratuita e aberta a toda a população e, ao mesmo tempo, vê o mercado (convênios e consultas particulares) gastar mais dinheiro do que o Estado.

O motivo da contradição, dizem especialistas, é a falta de recursos públicos para fazer com que o SUS se realize plenamente, tal qual previsto na Constituição, o que exigiria pelo menos dobrar seu caixa.

As despesas com saúde no Brasil são de 8,4% do chamado produto interno bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas pelo país durante um ano. Deste ponto de vista, o investimento está em linha com a média global, de 8,5% anuais, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A distinção está em quem puxa os gastos. No Brasil, 55% são privados (e beneficiam cerca de 46 milhões de conveniados) e 45%, públicos - favorecem todos os 190 milhões de brasileiros.

A fatia estatal representa 3,7% do PIB, um terço mais baixo do que a média internacional, de 5,5% do PIB, de acordo com a OMS. No resto do mundo, o gasto público equivale a 60% do total investido em saúde.

Quando se faz comparação com países com sistemas similares ao SUS – universais e gratuitos -, a disparidade é maior.

No Reino Unido, cujo modelo montado depois da Segunda Guerra Mundial é considerado clássico e inspirou o brasileiro, a despesa pública com saúde gira em torno de 7% do PIB. O Estado britânico responde por 82% dos gastos totais, os quais são de patamar semelhante aos do Brasil (8,7% do PIB).

No Canadá, que também conta com sistema público, o governo gasta cerca de 7% do PIB em saúde e o setor privado, 2,8%.

Em dois países escandinavos que são exemplo na área, Noruega e Suécia, o Estado gasta mais de 6% do PIB e responde por 72% do investimento em saúde.

“Se comparado com outros países do mundo que adotaram o sistema universal de saúde, o Brasil gasta muito pouco”, diz o médico e ex-ministro da Saúde Humberto Costa, atual líder do PT no Senado.

“O SUS tem um saldo positivo inegável nesses anos todos, mas tem esse paradoxo: é um sistema público e universal que gasta menos do que o setor privado”, diz Solon Magalhães Vianna, um dos relatores da Conferência Nacional de Saúde que, em 1986, esboçou o SUS.

Novas fontes
Para Vianna, o gasto público em saúde deveria duplicar, o que requer novas fontes de recursos para o setor. É a mesma posição do ex-ministro da Saúde Adib Jatene.

“Quando o SUS foi criado, diziam que era inviável, que os contituintes tinham sido irresponsáveis ao não apontar fontes de financiamento. Mas a Constituição apontou as fontes, nas disposições transitórias, só que elas nunca foram regulamentadas”, diz Jatene. “Eu estimo que o orçamento do SUS precise dobrar, mas não há nenhuma possibilidade de dobrar.”

Na avaliação de outro ex-ministro, José Gomes Temporão, é “significativo” o dado da OMS sobre o gasto privado superar o público no Brasil. Especialmente porque, enquanto o investimento estatal obedece a uma política nacional, o privado às vezes termina em plásticas.

“Na Argentina, 70% dos gastos com saúde são públicos. Aqui no Brasil, quem está arcando com o acesso à saúde são as famílias”, disse. “É importante a sociedade ter clareza que, ao investir no SUS, está investindo num patrimônmio que a sociedade construiu nos últimos 22 anos”.

O secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo, Januário Montone, tem a mesma visão orgulhosa do sistema que faz aniversário. “O SUS foi uma vitória fantástica. É um sucesso, não existe nenhum sistema de saúde desse tamanho em nenhum lugar do mundo”, disse.

Ele é defensor da ampliação dos recursos para a saúde. Mas acredita que, depois de 23 anos da Constituição, o país precisa rediscutir o sistema de saúde e decidir se a iniciativa deve ou não participar dele. E, na opinião dele, deve. Até porque o próprio Estado precisa contratar serviços privados.

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sábado, 24 de setembro de 2011

GÊNERO TEXTUAL: NOTÍCIA E REPORTAGEM

NOTÍCIA

MARINHEIROS TENTAM ACABAR COM TERCEIRA MANCHA DE ÓLEO

Os marinheiros espanhóis tentavam ontem evitar a chegada de uma terceira mancha de óleo à costa da Galícia, no noroeste do país, causada por um vazamento do petroleiro Prestige.
“Os navios grandes não podem recolher essas manchas pequenas e estamos tentando contratar armadores e tripulantes da área com a assistência de uma empresa especialista na luta anticontaminação", explicou o vice-presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy. "Temos certamente dificuldades porque não é uma operação tecnicamente fácil", disse Rajoy, referindo-se à contratação de marinheiros e pescadores locais e ao fato de que as manchas estão muito fragmentadas e diluídas, dispersadas ao longo de nove quilômetros.
Os marinheiros galegos, em alerta permanente, saíram mais uma vez ontem com seus barcos para a região de Rias Bajas (sudeste da Galícia) e das Ilhas Cíes, Sálvora e Ons, para recolher manchas de óleo dispersas.
O Prestige se partiu em dois e afundou no dia 19 de novembro com mais de 60 mil toneladas de óleo em seus tanques. A 3,6 mil metros de profundidade, ele perde 125 toneladas diárias de combustível por 14 rachaduras que tem em seu casco. Segundo uma comissão científica criada pelo governo espanhol, a situação pode se prolongar até 2006.
Desde 13 de novembro, o Prestige derramou mais de 20 toneladas de óleo no oceano Atlântico, as quais atingiram o litoral da Galícia e em menor parte as costas das regiões de Astúrias, Cantabria e País Basco. A limpeza das praias custará mais de 33 milhões, segundo o ministro espanhol do meio ambiente, Jaime Matas. (AF)
(Tribuna Impressa, 13/12/2002.)


O texto lido é uma notícia. Notícia é a expressão de um fato novo, que desperta o interesse do público a que o jornal se destina. A notícia é um gênero textual tipicamente jornalístico e pode ser veiculada em jornais, escritos e falados, e em revistas.

Na notícia, predomina a narração. Mas os jornais não se limitam a contar o que aconteceu. Eles vão além, contando também como e por que aconteceu determinado fato. Com base no texto em estudo, observe os elementos que normalmente compõem a notícia:

• o quê (fatos): tentativa de evitar que uma terceira mancha de óleo chegue à costa;
quem (personagens/pessoas): os marinheiros espanhóis;
quando (tempo): 12/12/2002;
onde: Costa da Galícia, Espanha;
como: recolhendo-se manchas de óleo dispersas;
por quê: vazamento de óleo do petroleiro Prestige, que se partiu ao meio e afundou em 19/11/2002.

A notícia apresenta uma estrutura própria, composta de duas partes: o lead e o corpo.

Lead é um resumo do fato em poucas linhas e compreende, normalmente, o primeiro parágrafo da notícia. Contém as informações mais importantes e deve fornecer ao leitor a maior parte das respostas às seis perguntas básicas: o quê, quem, quando, onde, como e por quê.

Corpo são os demais parágrafos da notícia, nos quais se faz o detalhamento do exposto no lead, por meio da apresentação ao leitor de novas informações, em ordem cronológica ou de importância. Na notícia em estudo, o segundo e terceiro parágrafos constituem o corpo.

Toda notícia é encabeçada por um título, que anuncia o assunto a ser desenvolvido. No título, devem-se empregar, com objetividade, palavras curtas e de uso comum.

Uma notícia deve ser imparcial e objetiva, ou seja, deve expor fatos e não opiniões. A linguagem deve ser impessoal, clara, direta e precisa. Observe, na notícia em estudo, que os verbos e pronomes estão na 3ª pessoa; não aparece a opinião do jornalista; e a linguagem é direta e concisa, resumindo-se ao essencial.

Características da notícia

• predomínio da narração, com a presença dos elementos essenciais de um texto narrativo: fato, pessoas envolvidas, tempo em que ocorreu o fato, o lugar onde ocorreu, como e por que ocorreu o fato;
• estrutura-padrão composta de lead e corpo; no lead normalmente se encontram as respostas às seis perguntas básicas: o quê, quem, quando, onde, como e por quê;
• título;
• linguagem impessoal, clara, precisa, objetiva, direta, de acordo com a variedade padrão da língua.



O QUE É NOTÍCIA?

Observe algumas definições para a palavra notícia:

"Notícia é tudo que alguém, em algum lugar, está tentando esconder, e que outras pessoas desejam e têm o direito de saber."

"Notícia é aquilo que atraí as pessoas e afeta a sua vida de alguma forma, mesmo que elas ainda não saibam."

"Notícia é o que as pessoas gostariam de contar a outras, desde que ficassem sabendo antes do jornal publicar."

"Notícia é tudo aquilo que o jornal publica."

(André Carvalho Sebastião Martins. Jornalismo. 2. ed. Belo Horizonte: Lê, 1991. p 16.)

Veja mais esta definição, dada por um editor de um jornal de Nova Iorque, The Sun, há mais de cem anos: "Quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia. Mas, quando um homem morde um cachorro, isso é notícia".

(Chris e Ray Harris. Faça o seu próprio jornal. Campinas: Papirus, 1991. p. 10)


REPORTAGEM


Temperatura crítica

Alterações inéditas no clima e na temperatura colocam um cenário de catástrofe no horizonte do planeta. Felizmente, a Era do Hidrogênio está chegando


O clima da Terra já passou por mudanças radicais. Entre os diversos períodos de glaciação, as temperaturas foram de um extremo a outro, remodelando continentes inteiros e varrendo milhares de espécies animais e vegetais. Do ponto de vista do planeta, portanto, o aquecimento global que observamos hoje beira o irrelevante. Mas, para uma espécie em particular, o Homo sapiens, isso tem um significado marcante: ele é o único que pode reverter a situação – pela qual, em grande parte, é responsável.
A temperatura média do planeta subiu 0,6 grau Celsius desde 1861, época das primeiras medições com termômetro. Parece pouco, mas essa “febre” já fez com que, ao longo do século 20, geleiras derretessem o bastante para elevar o nível do mar em até 15 centímetros. Os recifes de coral, hábitat de 65% das espécies de peixes do planeta, estão se transformando em um amontoado cinzento de rocha sem vida. Animais como o urso polar e o pinguim-de-magalhães tiveram suas rotas de migração afetadas. “Se o aquecimento global continuar, provavelmente nenhum ecossistema do mundo estará a salvo”, garante Lester Brown, diretor do Worldwatch Institute, uma das mais importantes e respeitadas instituições ambientais do mundo .
Uma parte da responsabilidade pelo aquecimento pode ser creditada a causas naturais, como atividade vulcânica e incêndios espontâneos nas florestas. “Não se sabe ao certo até que ponto a ação humana pode afetar o ciclo natural do planeta”, diz José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Mas a maioria dos cientistas, inclusive os renomados que participaram do último relatório do Painel Intergovernamental da ONU sobre mudanças climáticas, não hesita em apontar o ser humano como responsável pelas assombrosas mudanças no clima.
O que pode ser feito - Para interromper o aquecimento global, será preciso substituir os combustíveis fósseis por uma fonte limpa de energia, que não produza o gás CO2, principal causador do efeito estufa. Uma das saídas sensatas é o hidrogênio, o elemento mais abundante do universo. Em vez de gases tóxicos saindo pelo escapamento dos automóveis, por exemplo, teremos vapor de água – hidrogênio (H) reagindo com oxigênio (O), que produz água (H2O). A partir de 2004, deve chegar ao mercado alemão o Necar4, carro da DaimlerChrysler que incorpora a nova tecnologia . A Ford, a GM e a BMW também estão incubando lançamentos similares. Tudo indica que, em breve, outras grandes montadoras investirão fortunas para não perderem esse bonde da história.
Segundo Christopher Flavin, do Worldwatch Institute e um dos autores do anuário O Estado do Mundo, “já estamos na Era do Hidrogênio”. Na verdade, é apenas o começo. O hidrogênio ainda é muito caro para ser distribuído nos postos de abastecimento. Tem mais: para produzi-lo é preciso quebrar as moléculas de água e separar o hidrogênio do oxigênio e, embora a matéria-prima saia de graça, esse processo consome quantidades enormes de energia. E não adianta nada fazer isso queimando carvão ou petróleo, processo que produz mais CO2. O primeiro desafio, portanto, é obter energia abundante a partir de fontes renováveis, que não gerem CO2, para então produzir hidrogênio. O segundo desafio é baratear a célula de combustível – a bateria de hidrogênio que vai substituir o tanque de gasolina e funcionar também como gerador para fábricas e prédios.
(...)
(Gilberto Stam)
http://super.abril.com.br/ciencia/temperatura-critica-442097.shtml

A REPORTAGEM é um texto jornalístico e sua publicação pode ocorrer em revistas ou jornais. O tema abordado apresenta dados reais, por meio de uma linguagem clara e objetiva. O fato apresentado pode ser abordado de forma expositiva (simples apresentação), interpretativa (apresentação comentada sobre o fato ou fatos) ou opinativa (apresentação da opinião do repórter).
Na estrutura da reportagem, observamos: o título; o olho, que resume, com objetividade, o assunto da reportagem; o lide, que é o parágrafo inicial cuja função é complementar o título e o olho fornecendo as principais informações da reportagem; o corpo, que é o desenvolvimento do texto propriamente dito.
Na reportagem lida, o título é sugestivo — Temperatura crítica —, e o olho apresenta o seguinte resumo: "Alterações inéditas no clima e na temperatura colocam um cenário de catástrofe no horizonte do planeta. Felizmente, a Era do Hidrogênio está chegando". O lide é o primeiro parágrafo, que começa em "O clima da Terra já passou por mudanças radicais" e termina com "Mas, para uma espécie em particular, o Homo sapiens, isso tem um significado marcante: ele é o único que pode reverter a situação — pela qual, em grande parte, é responsável."
No corpo do texto, o repórter desenvolve o lide e expõe o significado da elevação da temperatura média do planeta nos últimos séculos. Logo após, interpreta os fatos resultantes dessas transformações, com o relato de dados precisos baseados em pesquisas e estudos que precedem a produção de uma reportagem.
Em geral, na reportagem aparecem também comentários de especialistas entrevistados pelo autor da reportagem na tentativa de obter mais dados para o texto. No caso da reportagem Temperatura crítica, é transcrita, por exemplo, uma fala de José Marengo, um especialista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.


PROPOSTA DE REDAÇÃO: Considere-se um jornalista a quem foi solicitado que escreva, para um grande jornal, uma notícia sobre a chegada no mercado de um carro movido por uma fonte limpa de energia. Para escrever seu texto siga as orientações abaixo:

- apresente a mesma fonte limpa de energia apontada na reportagem "Temperatura crítica";

- escolha uma das montadoras de carro das apontadas na mesma reportagem;

- atribua-lhe um título sugestivo.

TEMA PARA DISCUSSÃO EM AULA NOS DIAS 28 E 29 DE SETEMBRO: SÃO POSSÍVEIS E NECESSÁRIOS, EM NOSSA SOCIEDADE, LAÇOS AFETIVOS DURADOUROS?

Vivemos na Sociedade líquida e espetacular, cujas características são a inconstância, a não perenidade, o fim da intimidade, o desejo de aparecer. Assim, laços afetivos, que outrora eram sólidos (“até que a morte os separem”), simplesmente desvanecem na ultravelocidade dos nossos tempos.


A partir dos excertos da coletânea abaixo, faça uma dissertação sobre o seguinte tema: São possíveis e necessários, em nossa sociedade, laços afetivos duradouros?



COLETÂNEA


1. Quando o homem nasce – a raça humana assim como o indivíduo – é lançado fora de uma situação que era definida, tão definida quanto os instintos, para uma situação indefinida, incerta e exposta. Somente a certeza com relação ao passado – e, quanto ao futuro, apenas com relação à morte. O homem é dotado de razão: é a vida consciente de si mesma; tem consciência de si, de seus semelhantes, de seu passado e das possibilidades do seu futuro. Essa consciência de seu próprio e curto período de vida, do fato de haver nascido sem ser por sua vontade própria e de ter de morrer contra sua vontade, de ter de morrer antes daqueles que ama, ou estes antes dele, a consciência de sua solidão e separação, de sua impotência ante as forças da natureza e da sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e desunida uma prisão insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse libertar-se de tal prisão e alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de outra com eles, com o mundo exterior. (...) O homem – de todas as idades e culturas – vê-se diante da solução de uma só e mesma questão: a de como superar a separação, a de como realizar a união, a de como transcender a própria vida individual e encontrar sintonia. (A arte de amar. Erich Fromm. Ed. Itatiaia. 1966)

2. Se o amor é uma capacidade do caráter produtivo e maduro, segue-se daí que a capacidade de amar, num indivíduo que viva em qualquer cultura, dada, depende da influência dessa cultura sobre o caráter da pessoa comum. Se falamos de amor na cultura ocidental contemporânea, temos de indagar se a estrutura social da civilização ocidental e o espírito dela resultante são de molde a conduzir ao desenvolvimento do amor. Suscitar a pergunta é responder pela negativa. Nenhum observador objetivo de nossa vida ocidental pode duvidar de que o amor – amor fraterno, amor materno e amor erótico – seja fenômeno relativamente raro, sendo seu lugar tomado por numerosas formas de pseudo-amor que, em realidade, são outra tantas formas de desintegração do amor. (A arte de amar. Erich Fromm. Ed. Itatiaia. 1966)

3. Como nos ensina o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos numa era fluída, num tempo líquido, onde não existe mais espaço para a solidez. A modernidade líquida pode ser compreendida então como um tempo da volatilidade, onde nada é durável, nada é estável, inclusive, as relações humanas. Assim, as mudanças cada vez mais rápidas apresentam-se como uma das características mais marcantes desse nosso tempo.
A solidez não é mais uma característica interessante atualmente, visto que dificulta as mudanças, torna tediosa a convivência diária, pois tem a capacidade de teimar em não ceder aos imperativos que buscam a todo custo empurrar os indivíduos para os caminhos da ambivalência, instantaneidade, precariedade, vulnerabilidade e consumismo.
Num mundo frágil e imediatista, os laços humanos se constituem precariamente. A fluidez da Modernidade Líquida se revela através da vulnerabilidade, instantaneidade, efemeridade e precariedade das relações humanas. As pessoas estão desconectadas, sem redes de relação de apoio, sentindo-se perdidas e necessitadas de criar laços afetivos. (NOGUEIRA, 2006, p.22).
(...) Como tudo na modernidade líquida é encarado da mesma forma como é encarado os bens de consumo, a sexualidade também é regulada pelas leis do mercado “[...] que disseminam imperativos de bem-estar, prazer e satisfação imediata de todos os desejos.” (NOGUEIRA, 2006, p.14). Dessa maneira, os laços afetivos duram até quando oferecerem a possibilidade de satisfazer os desejos instantaneamente. O corpo do outro é visto então como uma espécie de playground, algo que pode ser desfrutado e depois abandonado quando o tédio se instalar — ou quando outra oportunidade mais interessante despontar no horizonte. (A sexualidade no contexto da modernidade líquida. Anderson Cristiano da Costa)
http://www.mundocontemporaneo.net/2011/05/sexualidade-no-contexto-da-modernidade.html

4. Em nosso mundo de furiosa “individualização”, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência. É por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto, e no topo de sua agenda existencial.
(...) Nos compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento permanente percebe a dependência incapacitante. Essa razão nega direitos aos vínculos e liames, espaciais ou temporais. Eles não têm necessidade ou uso que possam ser justificados pela líquida racionalidade moderna dos consumidores. Vínculos e liames tornam "impuras" as relações humanas — como o fariam com qualquer ato de consumo que presuma a satisfação instantânea e, de modo semelhante, a instantânea obsolescência do objeto consumido. Os advogados de defesa das "relações impuras" teriam de se esforçar para tentar convencer os jurados e obter sua aprovação. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

5. Essa “fluidez” associada à sociedade contemporânea tem suas conseqüências nas relações afetivas. Os laços humanos, como sistemas abertos, são marcados pela vulnerabilidade e efemeridade, já que num mundo movido pelo novo a cada minuto, lógica fortemente apoiada no consumismo, os longos e fortes laços não têm sentido algum. Paradoxalmente, segundo Bauman (2004), mesmo diante de tendências tão individualistas, as pessoas não deixam de procurar a interação, companheirismo e porque não dizer, amor, no relacionamento uns com os outros:
“(...) homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados nos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar em um momento de aflição, desesperados por “relacionar-se”. É, no entanto, desconfiados da condição de “estar ligado”, em particular de estar ligado “permanentemente”, para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer consigo encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para – sim, seu palpite está certo – relacionarse...”. (BAUMAN, 2004: p.08). (Paixão, Ciúme e Traição: A “liquidez” das relações humanas no ciberespaço. Brena Freire, Diolene Machado, Fabrício Queiroz, Larissa Bezerra, Raphael Santos Freire, Andreza Jackson de Vasconcelos_e Kalynka Cruzy. Universidade Federal do Pará, Belém, PA)

6. A mais fundamental espécie de amor, que alicerça todos os tipos de amor, é o amor fraterno. Entendo por isto o sentimento de responsabilidade, de cuidado, de respeito por qualquer outro ser humano, o seu conhecimento, o desejo de aprimorar-lhe a vida. Desta espécie de amor é que a Bíblia fala, quando diz: ama o teu próximo como a ti mesmo. O amor fraterno é amor por todos os seres humanos; caracteriza-se pela própria falta de exclusividade. Se desenvolvi a capacidade de amar, então não posso deixar de amar meus irmãos. No amor fraterno há a experiência da união com todos os homens, da solidariedade humana, do sincronismo humano. O amor fraterno baseia-se na experiência de que todos somos um. As diferenças de talento, inteligência, conhecimento são mesquinhas em comparação com a identidade do núcleo humano comum a todos os homens. (A arte de amar. Erich Fromm. Ed. Itatiaia. 1966)

7. Aceitar o preceito do amor ao próximo é o ato de origem da humanidade. Todas as outras rotinas da coabitação humana, assim como suas ordens pré-estabelecidas ou retrospectivamente descobertas, são apenas uma lista (sempre incompleta) de notas de rodapé a esse preceito. Se ele fosse ignorado ou abandonado, não haveria ninguém para fazer essa lista ou refletir sobre sua incompletude. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

8. A mudança que a modernidade líquida está provocando nos relacionamentos afetivos e na maneira de considerar o amor está afetando também, segundo Bauman, a possibilidade de amar o próximo. Esta dificuldade está ligada à nova situação que, no mundo Ocidental, se criou por causa das grandes migrações, por meio das quais milhões de pessoas emigram dos países pobres em busca de condições de vida melhor nos países ricos. E, assim, os migrantes são considerados “forasteiros”, “estranhos”, “diversos”, “desconhecidos”, que produzem medo. Lidar com os “estranhos” está se tornando o grande problema dos moradores das cidades dos países ricos, que não sabem como lidar com tantas pessoas “diferentes”. Em várias circunstâncias e em vários livros, Bauman analisa esta nova situação que afeta o mundo ocidental. Em “Amor líquido”, o autor tenta aprofundar o sentido que esta estranheza provoca no valor antigo da acolhida, do respeito do estrangeiro, no mandamento evangélico de amar o próximo. “Se você não for mais duro e menos escrupuloso do que todos os outros será liquidado por eles, com ou sem remorso. Estamos de volta á triste verdade do mundo darwiniano: é o mais apto que invariavelmente sobrevive. Ou melhor, a sobrevivência é a derradeira prova de aptidão (Bauman, 2003 p. 110)”. (Identidade, Afetividade e a Mudanças Relacionais na Modernidade Liquida na Teoria de Zygmunt Bauman. Paolo Cugini)

9. Há bases bastante sólidas para se ver o amor, e em particular a condição de “apaixonado” como — quase que por sua própria natureza — uma condição recorrente, passível de repetição, que inclusive nos convida a seguidas tentativas. Pressionados, a maioria de nós poderia enumerar momentos em que nos sentimos apaixonados e de fato estávamos. Pode-se supor (mas será uma suposição fundamentada) que em nossa época cresce rapidamente o número de pessoas que tendem a chamar de amor mais de uma de suas experiências de vida, que não garantiriam que o amor que atualmente vivenciam é o último e que têm a expectativa de viver outras experiências como essa no futuro. Não devemos nos surpreender se essa suposição se mostrar correta. Afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraia seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”: Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor”. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

10. Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor. “A satisfação no amor individual não pode ser atingida sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras”, afirma Erich Fromm – apenas para acrescentar adiante, com tristeza, que em “uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista”. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

11. O dispositivo espetacular cria o controle social pela sedução imagética da exposição alheia, suprimindo, todavia, a difícil relação intersubjetiva da alteridade; com efeito, a própria experiência da compreensão da subjetividade da figura do Outro se torna fragmentada a partir do mecanismo espetacular, como destacado por Guy Debord: "O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens".³ O ser humano se torna, assim, um simulacro imagético, desprovido de substancialidade e autonomia em sua vida cotidiana, direcionada apenas para o consumo de imagens sedutoras, que suprimem paulatinamente a noção de uma experiência interior inalienável. Na dimensão espetacular, vivemos sob a égide da moral da exterioridade, tudo deve ser visível. Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl argumentam que "dependemos do espetáculo para confirmarmos que existimos e para nos orientarmos em meio a nossos semelhantes, dos quais nos isolamos". (Apareço, logo existo (por Renato Nunes Bittencourt) – Revista de Filosofia Ano V nº 57. Editora Escala)

12. A transformação da nossa intimidade em objeto espetacular mediante o uso dos aparatos midiáticos mantém a distância de nossa individualidade com o mundo exterior, pois esse processo não ocorre de modo verdadeiramente interativo. O que ocorre, na verdade, é um esvaziamento das relações humanas, pois a ânsia de ver o comportamento íntimo do outro pela captação das imagens retira dessa pessoa observada a condição simbólica de ser humano, tornando-a como uma espécie de coisa consumível e descartável, cuja serventia maior é a de fornecer entretenimento para a anônima coletividade social, que projeta os seus próprios valores particulares nas pessoas monitoradas pelas câmeras televisivas, esperando que elas atuem de acordo com os critérios estabelecidos externamente. Vemos assim o caráter normativo presente na experiência espetacular, não obstante a atmosfera de entretenimento e gozo que ela pretende transmitir publicamente; entretanto, a melhor maneira de se exercer o controle sobre a coletividade social é por sua sedução existencial pelo fluxo contínuo de imagens espetaculares. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

13. Seguindo as trilhas de Erich Fromm, Bauman (2004: p.17-21) considera a capacidade de amar uma rara conquista, num mundo carente de humildade, fé e coragem. O amor não possui história própria, sendo um evento que não se controla ou planeja. Com o enfraquecimento do amor romântico, as experiências amorosas podem ser mais facilmente medidas do que antes, apesar da visível redução dos elevados padrões de amor. (‘O teu amor é uma mentira, que a minha vaidade quer’: A (des)confiança no amor em Zygmunt Bauman. Marcela Zamboni.) http://www.cchla.ufpb.br

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

GÊNERO TEXTUAL: RESENHA

Resenha

Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto, enumerar cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o envolvem.
O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer da realidade (um jogo de futebol, uma comemoração solene, uma feira de livros) ou textos e obras culturais (um romance, uma peça de teatro, um filme).
A resenha, como qualquer modalidade de discurso descritivo, nunca pode ser completa e exaustiva, já que são infinitas as propriedades e circunstâncias que envolvem o objeto descrito. O resenhador deve proceder seletivamente, filtrando apenas os aspectos pertinentes do objeto, isto é, apenas aquilo que é funcional em vista de uma intenção previamente definida.
Imaginemos duas resenhas distintas sobre um mesmo objeto. O treinamento dos atletas para uma copa mundial de futebol: uma resenha destina-se aos leitores de uma coluna esportiva de um jornal; outra, ao departamento médico que integra a comissão de treinamento. O jornalista, na sua resenha, vai relatar que um certo atleta marcou, durante o treino, um gol olímpico, fez duas coloridas jogadas de calcanhar, encantou a plateia presente e deu vários autógrafos. Esses dados, na resenha destinada ao departamento médico, são simplesmente desprezíveis.
Com efeito, a importância do que se vai relatar numa resenha depende da finalidade a que ela se presta.
Numa resenha de livros para o grande público leitor de jornal, não tem o menor sentido descrever com pormenores os custos de cada etapa de produção do livro, o percentual de direito autoral que caberá ao escritor e coisas desse tipo.
A resenha pode ser puramente descritiva, isto é, sem nenhum julgamento ou apreciação do resenhador, ou critica, pontuada de apreciações, notas e correlações estabelecidas peio juízo crítico de quem a elaborou.

A resenha descritiva consta de:

a) uma parte descritiva em que se dão informações sobre o texto:
— nome do autor (ou dos autores);
— título completo e exato da obra (ou do artigo);
— nome da editora e, se for o caso, da coleção de que faz parte a obra;
— lugar e data da publicação;
— número de volumes e páginas.

Pode-se fazer, nessa parte, uma descrição sumária da estrutura da obra (divisão em capítulos, assunto dos capítulos, índices, etc.). No caso de uma obra estrangeira, é útil informar também a língua da versão original e o nome do tradutor (se se tratar de tradução).

b) uma parte com o resumo do conteúdo da obra:
— indicação sucinta do assunto global da obra (assunto tratado) e do ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica, gênero, método, tom, etc.);
— resumo que apresenta os pontos essenciais do texto e seu plano geral.

Na resenha crítica, além dos elementos já mencionados, entram também comentários e julgamentos do resenhador sobre as ideias do autor, o valor da obra, etc.

MEMÓRIA — ricas lembranças de um precioso modo de vida

O Diário de uma garota (Record, Maria Julieta Drummond de Andrade) é um texto que comove de tão bonito. Nele o leitor encontra o registro amoroso e miúdo dos pequenos nadas que preencheram os dias de uma adolescente em férias, no verão antigo de 41 para 42.
Acabados os exames, Maria Julieta começa seu diário, anotado em um caderno de capa dura que ela ganha já usado até a página 49. É a partir daí que o espaço é todo da menina, que se propõe a registrar nele os principais acontecimentos destas férias para mais tarde recordar coisas já esquecidas.
O resultado final dá conta plena do recado e ultrapassa em muito a proclamada modéstia do texto que, ao ser concebido, tinha como destinatária única a mãe da autora, a quem o caderno deveria ser entregue quando acabado. E quais foram os afazeres de Maria Julieta naquele longínquo verão? Foram muitos, pontilhados de muita comilança e de muita leitura: cinema, doce-de-leite, novena, o Tico-Tico, doce-de-banana, teatrinho, visita, picolés, missa, rosca, cinema de novo, sapatos novos de camurça branca, o Cruzeiro, bem-casados, romances franceses, comunhão, recorte de gravuras, Fon- Fon, espiar casamentos, bolinho de legumes, festas de aniversário, Missa do Galo, carta para a família, dor-de-barriga, desenho de aquarela, mingau, indigestão... Tudo parecia pouco para encher os dias de uma garota carioca em férias mineiras, das quais regressa sozinha, de avião.
Tantas e tão preciosas evocações resgatam do esquecimento um modo de vida que é hoje apenas um dolorido retrato na parede. Retrato, entretanto, que, graças à arte de Julieta, escapa da moldura, ganha movimentos, cheiros, risos e vida.
O livro, no entanto, guarda ainda outras riquezas: por exemplo, o tom autêntico de sua linguagem, que, se, como prometeu sua autora, evita as pompas, guarda, não obstante, o sotaque antigo do tempo em que os adolescentes que faziam diários dominavam os pronomes cujo/a/os/as, conheciam a impessoalidade do verbo haver no sentido de existir e empregavam, sem pestanejar, o mais-que-perfeito do indicativo quando de direito...
Outra e não menor riqueza do livro é o acerto de seu projeto gráfico, aos cuidados de Raquel Braga. Aproveitando para ilustração recortes que Maria Julieta pregava em seu diário e reproduzindo na capa do livro a capa marmorizada do caderno, com sua lombada e cantoneiras imitando couro, o resultado é um trabalho em que forma e conteúdo e casam tão bem casados que este Diário de uma garota acaba constituindo uma grande festa para seus leitores.


Mansa Lajolo

Jornal da tarde. 18 jan. 1986.


O texto é uma resenha crítica, pois nele a resenhadora apresenta um breve resumo da obra, mas também faz uma apreciação do seu valor (exemplo, 1º período do 1º parágrafo, 3º parágrafo). Ao comentar a linguagem do livro (6º parágrafo), emite um juízo de valor sobre ela, estabelecendo um paralelo entre os adolescentes da década de 40 e os de hoje do ponto de vista da capacidade de se expressar por escrito. No último parágrafo comenta o projeto gráfico da obra e faz uma apreciação a respeito dele.

(Para entender o texto – leitura e redação. Platão & Fiorin)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

LEITURAS IMPORTANTÍSSIMAS PARA AS AULAS DE 28 E 29 DE SETEMBRO: RESENHAS DO LIVRO "AMOR LÍQUIDO", DE ZYGMUNT BAUMAN

1. A fragilidade dos laços humanos

A OBRA:
BAUMAN, Zygmunt.
Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos.
Rio de Janeiro: ZAHAR, 2004

Em Assim falou Zaratrusta, Nietzsche profetiza que somente um tipo de homem é capaz de livrar-se das garras dos tempos modernos. Consolidifica, então, o conceito central da filosofia nietzscheniana: o conceito de super-homem. Porém, para que o homem alcance tal façanha, de acordo com Nietzsche, é necessário tornar-se uma espécie de ermitão, viver anos e anos nas montanhas para, desse modo, buscar a reflexão dos re: repensar, refletir e redirecionar sua conduta sócio-cultural-econômica e até espiritual, quem sabe.
Para elaborar uma equação desse problema, com a pretensão de ter uma resposta para isso, o homem não necessariamente precisa tornar-se um ser introspectivo no seu mais alto grau e viver isolado, boa parte da vida, para se reencontrar. Pelo contrário. O próprio ambiente midiático deve, com todas as suas armas de aprisionamento, servir como suporte ao super-homem de Nietzsche. O homem, contudo, ainda permanece refém desse meio e, por conseguinte, acostumou-se a resolver problemas com base em clicks e com base na velocidade do provedor. E é justamente sobre esse ponto que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman discute em seu livro Amor Líquido, publicado no Brasil pela Zahar, em 2004.
Os tempos modernos e, agora, os tempos pós-modernos (para alguns) causaram um estado de fusão na sociedade humana, de acordo com o estudo de Bauman (2004). Para ele, houve uma transformação do estado sólido para o líquido. Evidencia-se, então, o conceito de “líquido mundo moderno” – algo similar à frase antológica de Marx: “tudo o que é sólido desmancha no ar”.
Amor Líquido é, destarte, uma reflexão crítica do cotidiano do homem moderno, que ressalta “a fragilidade dos laços humanos”. Dividido em quatro capítulos (Apaixonar-se e desapaixonar-se; Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociedade; Sobre a dificuldade de amar o próximo; Convívio destruído), Bauman (2004, p. 8) considera o “cidadão de nossa líquida sociedade moderna” como Der Mann ohne Verwandtschaften – o homem sem vínculos – e objetiva, no livro, “traçar um painel de esboços imperfeitos e fragmentários, em lugar de tentar produzir uma imagem completa”. Remete-me, esse foco central do estudo, ao aforisma 489 de Humano, demasiado humanoIndo profundamente demais:
Pessoas que compreendem algo em toda a sua profundeza raramente lhe permanecem fiéis para sempre. Elas justamente levaram luz à profundeza: então há muita coisa ruim para ver (NIETZSCHE, 2000, p. 266).
Nos dois primeiros capítulos, Bauman (2004) esmiúça a fragilidade que o “líquido mundo moderno”, de certa forma, impôs ao relacionamento humano. Em Apaixonar-se e desapaixonar-se, o autor atrela amor à cultura consumista. Hoje, amar é como um passeio no shopping center, visto que “tal como outros bens de consumo, ela [vida] deve ser consumida instantaneamente (não requer maiores treinamentos nem uma preparação prolongada) e usada uma só vez, “sem preconceito”.
A cultura consumista do amor, então, serve de cenário para o segundo capítulo Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociedade. O sentimento do imediatismo oferece conseqüências à “líquida, consumista e individualizada sociedade moderna”. O resultado de intensificação da velocidade globalizante é pontificada por Bauman (2004) na sentença: “a solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor”.
Ora, a imposição ardilosa, configurada dentro da aldeia global, transformou o relacionamento entre humanos como o mais (im)perfeito produto oferecido pelo mercado, haja vista os avanços na área genética. Doravante, será concretizada a configuração, não somente interna como externa, da prole humana. Pais poderão montar seus filhos de acordo com a conta bancária de cada um. Mesmo que essa realidade esteja imbuída em um contexto diminuto, é assustador imaginar os limites da ganância humana. Deus não está somente morto. Os homens querem seu trono.
Quem seria, portanto, o responsável? De acordo com Bauman (2004), é o próprio homem mediante a (des)configuração do líquido mundo moderno competitivo. Hoje, mais do que nunca, o homem necessita de produtos pré e/ou fabricados. Até mesmo o tempo livre e as férias são programadas por meio de tais produtos impostos pelo mercado. Destarte, é justamente dessa lógica que o sociólogo polonês trata na metade final de Amor Líquido.
Em Sobre a dificuldade de amar o próximo, o autor perscruta a atmosfera do relacionamento humano pelo conceito bíblico de amar ao próximo como a si mesmo. Segundo Bauman (2004), “o amor próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros”. Evidencia-se a construção de amar a si mesmo somente quando há o mesmo sentimento – no caso, amor – manifestado por outros que “devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos”, finaliza.
Finalmente, no quarto e último capítulo de Amor líquido, o autor reflete sobre a vertiginosa indústria do medo que criou um novo espectro: o da xenofobia. Os imigrantes são acusados como sendo os principais causadores da epidemia financeira do líquido mundo moderno, hoje. São eles, segundo a indústria do medo, que dão à sociedade os graves males dos Estados-nação. Somente os imigrantes são os criminosos. E é dentro dessa tangente xenofóbica que a mídia encontra sua menina dos olhos de ouro. Ou seja, a pauta, dentro dessas redações, são e continuaram sendo as mesmas. Roubos, assassinatos e, principalmente, atentados terroristas são reflexos da invasão imigratória de indivíduos oriundos de países periféricos e/ou miseráveis. Exemplos, não faltam no noticiário internacional.
Qual é, então, o papel dos meios de comunicação de massa nesse ambiente líquido moderno? Ora, a atmosfera midiática protagoniza justamente a socialização do homem dentro da líquida razão moderna. Hoje, os seres humanos buscam contatos com seus pares mediante um mundo virtual em que podem, segundo a imposição do próprio sistema de irmandade do final do século XX e início do terceiro milênio, substituir “fracassos”, “frustrações” e até “conquistas” com a agilidade e velocidade da Internet. Bauman (2004) utiliza como reflexo da metamorfose da relação humana o testemunho de um universitário polonês que afirma categoricamente que dentro do líquido mundo moderno tudo se resolve na base do delete – um simples toque no mouse e tal como um passe de mágica, os problemas desaparecem. Basta limpar a lixeira e pronto.
Intensifica-se, de maneira avassaladora, a substituição de contatos físicos. Tudo acontece hoje somente àqueles que estão conectados. O resultado não pode ser pior e está traduzido no subtítulo do estudo de Bauman (2004): “a fragilidade dos laços humanos”. A partir do momento em que os verdadeiros cidadãos perceberem o tamanho do labirinto onde se encontram e se mobilizarem para solucionar o problema é que se dará o primeiro passo rumo à socilialização humana. Senão,mesmo coma capacidade do homem em se adaptar aos imbróglios, a sociedade continuará correndo atrás do próprio prejuízo. Tudo isso nos remete ao pensamento de Antonio Gramsci (ano): “sou um pessimista pela inteligência, mas um otimista por desejo”.

Jorge Marcos Henriques Fernandes - é mestrando em Comunicação e Cultura Midiática junto à Universidade Paulista.
Rua José Bonani, 226
Bel recanto - Taubaté-SP
CEP 12031-260
Email: jmhfernandes@uol.com.br


TRAMITAÇÃO

Texto recebido em: 08/07/2005
Aceito para publicação: 06/10/2005

Rev. ciênc. hum, Taubaté, v. 11, n. 2, p. 173-174, jul./dez. 2005. 174




2. AMOR LÍQUIDO – As Fragilidades dos Laços Humanos

29 29UTC abril 29UTC 2008 às 14:53 (1)

ENSAIOS
Gioconda Bordon

O título do livro do sociólogo polonês Zigmunt Bauman é sugestivo e, sobretudo, apropriado para um sentimento que não se submete docilmente a definições. Professor emérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, ele tem vários livros traduzidos para o português, e o tema recorrente em sua obra são os vínculos sociais possíveis no mundo atual, neste tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade.

A noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios.
É preciso deixar claro que Bauman não se propõe a indicar ao leitor fórmulas de como obter sucesso nas conquistas amorosas, nem como mantê-las atraentes ao longo do tempo, muito menos como preservá-las dos possíveis, e às vezes inevitáveis, desgastes no decorrer da vida a dois. Não há como assegurar conforto num encontro de amor, nem garantias de invulnerabilidade diante das apostas perdidas, nunca houve. Quem vende propostas de baixo risco são comerciantes de mercadorias falsificadas.
A área de estudo principal de Bauman é a sociologia, o campo do pensamento que vai ser o ponto de partida e o foco fundamental do retrato sobre a urgência de viver um relacionamento plenamente satisfatório dos cidadãos pós-modernos. Digamos que as dificuldades vividas por um casal refletem o estilo que uma comunidade mais ampla estabelece como padrão aceitável de relacionamento entre seus vizinhos, entre os que habitam um espaço comum. Bauman é realista. Sabe que “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social”. Portanto, partindo do seu campo específico de estudo, ele faz uma radiografia das agruras sofridas pelos homens e mulheres que têm que estabelecer suas parcerias no mundo globalizado.
Mundo que ele identifica como líquido, em que as relações se estabelecem com extraordinária fluidez, que se movem e escorrem sem muitos obstáculos, marcadas pela ausência de peso, em constante e frenético movimento. Em seus livros anteriores, já traduzidos e disponíveis para o leitor brasileiro, Bauman defende a idéia de que esse processo de liquefação dos laços sociais não é um desvio de rota na história da civilização ocidental, mas uma proposta contida na própria instauração da modernidade. A globalização, palavra onde estão contidos os prós e os contras da vida contemporânea e suas conseqüências políticas e sociais, pode ser um conceito meio difuso, mas ninguém fica imune aos seus efeitos. A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarreta nas decisões diárias; qualidades e produtos que ficam obsoletos antes do prazo de vencimento; a incerteza radicalizada em todos os campos da interação humana; a falta de padrões reguladores precisos e duradores são evidências compartilhadas por todos os que estão neste barco do mundo pós-moderno. Se esse é o pano de fundo do momento, ele vai imprimir sua marca em todos as possibilidades da experiência, inclusive nos relacionamentos amorosos. O sociólogo Zygmunt Bauman mostra como o amor também passa a ser vivenciado de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, e, no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter o rumo da relação.
O apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pelo ardor da paixão, sempre disposta a enveredar por caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis, a encenar episódios românticos variados, assim como os seriados de televisão e seus personagens com quem se identificam homens e mulheres do mundo inteiro. Seus equívocos amorosos divertem os telespectadores, suas dificuldades e misérias afetivas são acompanhadas com o sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de esconde-esconde amoroso.
A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas a distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão.
Zygmunt Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.
Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman, mostra-nos que hoje estamos mais bem aparelhados para disfarçar um medo antigo. A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa.
O mais recente título do sociólogo polonês, que recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, pelo livro Modernidade e Holocausto), e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra), é uma leitura precisa e eloqüente, um convite a uma reflexão aberta não apenas aos estudantes e interessados em trabalhos acadêmicos. O seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como as estruturas sociais e econômicas dos tempos atuais, tentam dar conta da complexidade do amor que, com a permissão de citá-lo mais uma vez, é “uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”.


Nota do Editor

Ensaio gentilmente cedido pela autora. Publicado no caderno “Fim de Semana”, da Gazeta Mercantil, em 31 de julho de 2004.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

PARA OS ALUNOS QUE FOREM PRESTAR VESTIBULAR QUE SOLICITA GÊNEROS: CARTA ABERTA E MANIFESTO

CARTA ABERTA


A carta aberta manifesta a opinião de um grupo de pessoas, entidades, sindicatos etc. diante de uma questão de interesse coletivo. Ela pode servir apenas para alertar, mas geralmente visa à mobilização, de forma que se encontre uma solução para o problema denunciado. Dessa maneira, tem caráter argumentativo; portanto, a persuasão é um elemento usado para elaborar a carta aberta.
Sua estrutura é formada por título, em que se identifica o destinatário (a quem a carta se dirige), remetente (quem a está enviando), denúncia do problema e reivindicação de medidas para resolvê-lo e conclusão, em que se busca persuadir o interlocutor com a sugestão de soluções. No final, antes da assinatura, pode ainda haver local e data
O meio pelo qual a carta aberta é divulgada depende do destinatário. Por exemplo, se o remetente pretende alertar a população mundial para o buraco na camada de ozônio, pode recorrer à internet; se o objetivo é denunciar um problema
na escola, é possível utilizar um mural. Independentemente do meio, a linguagem da carta aberta costuma ser formal.

Leia, a seguir, na íntegra, uma carta aberta, postada no blog da ANANDA – ATIVISTAS, REDUTORES DE DANOS E PESQUISADORES ASSOCIADOS, para ser levada ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD, solicitando a implantação de um Grupo Multidisciplinar de Trabalho para discutir a viabilidade de regulamentação da Cannabis sativa e seus usos.
Carta Aberta à Sociedade Brasileira – Pela reabertura do debate público sobre a maconha

A planta Cannabis sativa é conhecida no Brasil popularmente como maconha, mesmo nome que é dado também ao fumo usado como droga, apenas uma entre as diversas possibilidades de uso da planta. As folhas, caule, sementes e flores foram e ainda são utilizadas em diversos países do mundo, como matéria prima para inúmeros produtos nas mais diversas áreas. Poderíamos expor dados a respeito de como o Brasil tem se furtado a lucrar com a regulamentação da exploração comercial das partes não-psicoativas da planta e seus derivados, sem necessariamente legalizar o uso para fins recreativos e existem diversos estudos, livros, artigos e outros trabalhos científicos e técnicos que podem ser consultados a esse respeito. Porém, dentro de uma discussão sobre leis e políticas públicas sobre drogas que se proponha de fato debater acesso à saúde, segurança e cidadania aos cidadãos, precisamos atentar não apenas para as perdas econômicas da exploração desse nicho de mercado, mas principalmente para os custos que a manutenção de políticas e leis proibicionistas causam para toda a sociedade.
Mesmo que o uso da maconha e de outras plantas psicoativas tenha sido uma presença constante em quase toda a trajetória humana na terra, somente a partir do final do séc. XIX, após a Guerra do Ópio, surgiram os Encontros Internacionais para discutir o tema. Durante os encontros de 1909, 1911, 1912 e 1921, realizados para discutir questões relacionadas à coca e ao ópio, não houve qualquer menção à maconha. Na Reunião de 1924, Brasil, Egito, Grécia e alguns outros países cujos governantes tinham interesses em proibir seu uso iniciaram uma campanha para que ela também fosse considerada perigosa e incluída na lista de proscrições. Sob pressão, uma Comissão especial foi criada para analisar a matéria. Inspirados na criação dessa Comissão, na década de 1930, alguns países, a exemplo do Brasil (1932) e EUA (1937), criaram leis federais banindo seu uso. Desde então, passaram a pressionar para que os Tratados Internacionais incluíssem a Cannabis sativa, o que só foi conseguido na Convenção Única de Entorpecentes, em 1961. De lá pra cá, o consumo não diminuiu, mas a repressão foi intensificada, na mesma medida em que aumentou a violência relacionada à produção e comercialização não-autorizada de maconha, bem como de outros crimes e problemas sociais relacionados, como os citados pelo General Jorge Armando Félix.
É importante ressaltar que a participação da delegação brasileira nesses encontros, ao expor dados sobre os perigos da maconha no país, contrariou os dados clínicos e científicos que existiam no país. Até mesmo um relatório publicado por encomenda do Governo Brasileiro em 1959 sobre a planta foi desconsiderado. Ou seja, a delegação brasileira, queremos crer que por imprudência ou imperícia, levou dados equivocados sobre a planta para um Encontro Internacional. Esses dados foram utilizados para equiparar a maconha à heroína e outros opiáceos, drogas incluídas na Lista IV, justificando uma decisão que influência até hoje as leis de diversos países, incluindo o Brasil.
A história da maconha e da sua proibição no Brasil e no mundo é cheia de capítulos obscuros. Não é possível precisar ao certo como uma planta que foi cultivada em todo o mundo e considerada econômica e socialmente importantíssima passou a ser perseguida política e legalmente. Especificamente no Brasil, é difícil entender como uma planta cultivada oficialmente pela Coroa Portuguesa e disseminada em todo o país e que teve seu uso difundido e tolerado passou a ser estigmatizada e criminalizada. É apenas possível ver nesses processos indícios de racismo, etnocentrismo, xenofobia, autoritarismo e muitos outros ‘ismos’ que sabemos tão perniciosos à construção de um Estado Democrático de Direito.
O proibicionismo, ou seja, as políticas e leis que nas quais é utilizada de forma exagerada e perniciosa a proibição enquanto regra é uma criação recente na história. Acredito realmente que os representantes de cada país, tanto no passado quanto atualmente queiram o melhor para suas nações e para o mundo. Porém as boas intenções iniciais de regular o mercado para que ele não causasse danos aos indivíduos nem à sociedade foram esquecidas em algum momento no passado. As trocamos por uma ilusão coletiva de que a melhor forma de lidar com as drogas e com as pessoas que as consomem é publicar decretos proibindo suas existências e ampliar as maneiras e intensidades de punir aqueles que insistem em não se encaixar nesse mundo utópico. Ao fazer isso, esquecemos também que políticas e leis sobre drogas não podem causar danos mais graves à sociedade ou aos indivíduos do que o uso das drogas em si.
Segundo os dados do Levantamento Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas de 2005, estima-se que 5.000.000 de pessoas fumaram maconha ao menos uma vez na vida. Isso significa que correram o risco de ser processadas e passar pelos trâmites policiais e jurídicos por terem fumado maconha, uma prática que, até outubro de 2006 era punível com até 2 anos de prisão. Esses dados dão uma aproximação da realidade e nos levam a refletir que todas as pessoas conhecem alguém – um parente, um vizinho, um amigo ou conhecido – que fuma maconha, freqüentemente ou não, ou então que já fumou. Sendo assim, em todas as famílias brasileiras existem pessoas que sofrem direta ou indiretamente as conseqüências negativas das políticas e leis sobre drogas adotadas atualmente. Mesmo que não seja possível mensurar qual seria o impacto da autuação e processo de todos esses cidadãos brasileiros que consomem derivados de Cannabis sativa, é possível imaginar o que tem representado para o país e para essas pessoas a adoção de leis e políticas pouco tolerantes com suas condutas. No mínimo, essas políticas e leis não têm alcançado seus objetivos principais de assegurar acesso à segurança, saúde e cidadania.
Estão previstas para ocorrer nos próximos dias 2, 3 e 9 de maio a Marcha da Maconha em 14 cidades brasileiras e em mais de 250 cidades em todo o mundo, tendo como objetivo promover reflexões em torno dos danos causados pelas atuais políticas e leis sobre a maconha e seus derivados. Essa não é uma manifestação que interessa apenas às pessoas que usam maconha ou outras drogas. Interessa a todos os cidadãos e cidadãs que querem ajudar a construir e a manter a Democracia Brasileira. Em uma Nação que se pretenda afirmar como Estado Democrático de Direito, qualquer tentativa de desvirtuamento do Artigo 5º da Constituição Brasileira, do Código Civil ou mesmo da Lei 11.343, com a intenção de obscurecer os objetivos da Marcha da Maconha ou incutir-lhe qualquer conotação de apologia ao crime ou incentivo ao uso de drogas é inaceitável. Movimentos sociais não podem ser criminalizados apenas por querer reabrir um debate político-legal ou por manifestar seus posicionamentos, como ocorreu em quase todo o país em 2008 e como estamos vendo ocorrer esse ano em Fortaleza, João Pessoa, Gôiania, Salvador e São Paulo.
Ao afirmar na 52ª Sessão da Comissão de Entorpecentes da ONU para o tema das drogas que as metas acordadas nos Tratados Internacionais anteriores se mostraram inatingíveis, o Brasil tomou uma posição de coragem, admitindo que o caráter absurdo de uma das principais metas que sustentam a manutenção das políticas proibicionistas. Assim como ao reafirmar a necessidade de avançar com firmeza na garantia dos Direitos Humanos dos cidadãos usuários de drogas. Também deu um passo importante quando aprovou na última reunião do CONAD – Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, realizada em março desse ano, que errou na reunião de 1924 e que deve ser enviada uma moção pedindo retração por esses erros e sugerindo a exclusão da Cannabis da Lista IV. Porém, muitos passos ainda precisam ser dados para sairmos do lugar incomodo onde atualmente estamos e começarmos a trilhar caminhos que verdadeiramente respeitem a diversidade, os direitos humanos e assegure o acesso à saúde, segurança e cidadania.
Notas
[1] Políticas sobre Drogas, General Jorge Armando Felix, no Debate Geral do Segmento de Alto Nível da UNGASS – 11 de março de 2009.
[2] Trecho das ‘Conclusões’ do Parecer da Câmara de Assessoramento Técnico-Científico sobre encaminhamento à ONU de proposição de retirada da Cannabis e substâncias canabinóides da Lista IV, com sua manutenção na Lista I da Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961.

http://blog.marchadamaconha.org/carta-aberta-a-sociedade-brasileira

OBS: Na UNICAMP, se não houver solicitação para assinar a carta, não o faça.



MANIFESTO


Por Maíra Althoff De Bettio

Estruturalmente escrito, em muitos casos, em forma de dissertação, o Manifesto também pode aparecer mais livre de regras, contudo, é necessário manter alguns itens durante sua elaboração, como por exemplo: título, desenvolvimento e explanação da questão abordada, argumentação bem fundamentada para defesa do ponto de vista do escritor, além de data, local e assinatura do(s) idealizador(es) e apoiadores. Outra característica, mas não uma obrigatoriedade, é a frequência com que se encontram vocativos neste gênero textual.
Ao termo manifesto é muito comum associar temas políticos. Direcionado a múltiplos receptores, é um depoimento público com fins e propósitos determinados, que intenciona a denúncia e/ou chamar a atenção para certo assunto, e tem como princípio básico convencer os leitores/ouvintes, com alusão à convocação. Por isso, o aparecimento de verbos no imperativo e no presente do indicativo é comum, causando uma aproximação com o recebedor e também uma imposição ao cumprimento do que se idealiza.
Pode-se considerar o manifesto como um genêro textual atemporal, visto que existem diversos deles de bastante tempo atrás, como por exemplo o “Manifesto Comunista“, que tem sua primeira publicação datada em 1848. Mesmo com tantos anos de existência, é um documento importante, tendo em vista sua contribuição para a política e aos seguidores do comunismo. Em contrapartida a manifestos antigos, também a elaboração de novos textos seguindo tal estrutura é um fato presente.
Assim como o exemplo citado anteriormente, porém não tão antigo, mas completando uma década neste ano, o “Manifesto Futurista” também foi um marco na época em que foi escrito e até os dias atuais é lembrado pelas influências causadas. Credita-se a ele o nascimento do “Futurismo“, movimento artístico e literário do século vinte. No segundo item do manifesto, evoca-se “A coragem, a audácia, a rebelião, serão elementos essenciais da nossa poesia“. Exemplificando, aqui, a intenção do gênero textual em questão, que tem como finalidade mostrar as características necessárias para compor um poema.
http://www.infoescola.com/literatura/manifesto/

Diferente do abaixo-assinado, pois não é uma reivindicação, mas uma declaração de intenções, estrutura do manifesto contém basicamente: título: indica o conteúdo do manifesto; corpo do texto: aqui o problema é identificado e analisado, apresentando-se argumentos que validem o que se diz. Como o texto é de caráter argumentativo (pretende convencer o leitor de algo), deve-se recorrer a argumentos sólidos; local, data e assinaturas: tanto assinaturas das pessoas que participaram na elaboração do texto como das que apoiam o que está sendo afirmado. A linguagem pode variar, dependendo de alguns fatores: A quem o manifesto é dirigido? Onde será di¬vulgado? Em jornal, rádio, tevê? Costuma-se preferir a linguagem formal, com verbos no presente do indicativo ou no imperativo. Veja, a seguir, um exemplos de manifesto:

Manifesto à população contra a propaganda enganosa

"Atenção, consumidor compulsivo, antenado em rádio, televisão, outdoors etc. Não se deixe levar pelos apelos sedutores nem pela aparência inicial de um produto ou serviço. Reflita. Não aja por impulso. Nem se deixe iludir com a conversa do anúncio, vendedor ou vendedora. A propaganda objetiva criará em você uma tal necessidade que você se sentira excluído por não ter o objeto do desejo. Fique alerta, pois tudo não passa de um jogo psicológico. Tome cuidado com as promoções. Não compre sem pesquisar preços. Pechinche. Peça descontos e prazos para o pagamento. Aproveite o momento e exerça esse direito básico do consumidor. Exija nota fiscal, que é sua garantia. Sem ela você não poderá provar nada. Com ela, garantirá recursos destinados à construção de hospitais, escolas etc. Recorra ao Código de Defesa do Consumidor para garantir seus direitos e denunciar abusos.

Defensores do Povo, abril de 2003.

Jovens, senhores e senhoras da comunidade re¬presentados por Ana Júlia Santos, Bernardo Silva, Cláudia Mendel, Dirceu Silva, Edna Carneiro, Fábio Lima, Gláucia Cordeiro, Maria do Céu."
(Português. Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano)

Manifesto Amazônia para sempre

Acabamos de comemorar o menor desmatamento da Floresta Amazônica dos últimos três anos: 17 mil quilômetros quadrados. É quase a metade da Holanda. Da área total já desmatamos 16%, o equivalente a duas vezes a Alemanha e três Estados de São Paulo. Não há motivo para comemorações. A Amazônia não é o pulmão do mundo, mas presta serviços ambientais importantíssimos ao Brasil e ao Planeta. Essa vastidão verde que se estende por mais de cinco milhões de quilômetros quadrados é um lençol térmico engendrado pela natureza para que os raios solares não atinjam o solo, propiciando a vida da mais exuberante floresta da terra e auxiliando na regulação da temperatura do Planeta.
Depois de tombada na sua pujança, estuprada por madeireiros sem escrúpulos, ateiam fogo às suas vestes de esmeralda abrindo passagem aos forasteiros que a humilham ao semear capim e soja nas cinzas de castanheiras centenárias. Apesar do extraordinário esforço de implantarmos unidades de conservação como alternativas de desenvolvimento sustentável, a devastação continua. Mesmo depois do sangue de Chico Mendes ter selado o pacto de harmonia homem/natureza, entre seringueiros e indígenas, mesmo depois da aliança dos povos da floresta “pelo direito de manter nossas florestas em pé, porque delas dependemos para viver”, mesmo depois de inúmeras sagas cheias de heroísmo, morte e paixão pela Amazônia, a devastação continua.
Como no passado, enxergamos a Floresta como um obstáculo ao progresso, como área a ser vencida e conquistada. Um imenso estoque de terras a se tornarem pastos pouco produtivos, campos de soja e espécies vegetais para combustíveis alternativos ou então uma fonte inesgotável de madeira, peixe, ouro, minerais e energia elétrica. Continuamos um povo irresponsável. O desmatamento e o incêndio são o símbolo da nossa incapacidade de compreender a delicadeza e a instabilidade do ecossistema amazônico e como tratá-lo.
Um país que tem 165.000 km2 de área desflorestada, abandonada ou semi-abandonada, pode dobrar a sua produção de grãos sem a necessidade de derrubar uma única árvore. É urgente que nos tornemos responsáveis pelo gerenciamento do que resta dos nossos valiosos recursos naturais.
Portanto, a nosso ver, como único procedimento cabível para desacelerar os efeitos quase irreversíveis da devastação, segundo o que determina o § 4º, do Artigo 225 da Constituição Federal, onde se lê:
"A Floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais"

Assim, deve-se implementar em níveis Federal, Estadual e Municipal A INTERRUPÇÃO IMEDIATA DO DESMATAMENTO DA FLORESTA AMAZÔNICA. JÁ!
É hora de enxergarmos nossas árvores como monumentos de nossa cultura e história.
SOMOS UM POVO DA FLORESTA!
http://www.amazoniaparasempre.com.br/




PROPOSTA DE REDAÇÃO

Imagine-se pertencer ao grupo Defensores do Povo (jovens, senhores e senhoras da comunidade representados por Ana Júlia Santos, Bernardo Silva, Cláudia Mendel, Dirceu Silva, Edna Carneiro, Fábio Lima, Gláucia Cordeiro, Maria do Céu), o qual resolveu, após ter lido à Carta Aberta à Sociedade Brasileira – Pela reabertura do debate público sobre a maconha, redigir um manifesto dirigido à população brasileira sobre a viabilidade ou não de regulamentação da Cannabis sativa e seus usos. Seu texto deverá, necessariamente:

• utilizar dois argumentos, retirados da carta aberta, favoráveis ao ponto de vista que o manifesto pretende defender.
e
• refutar um argumento da carta aberta de modo a, por meio dessa refutação, reforçar a validade da tese exposta no manifesto.