sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ECONOMIA VERDE?

Rio+20: Economia Verde ou Economia Solidária?


By Ignácio Ramonet

– 06/06/2012Posted in: Alternativas, Meio Ambiente, Mundo, Pós-Capitalismo, Posts

Ignacio Ramonet vê planeta dividido entre ultra-capitalismo predador e alternativa baseada em bens comuns, bem-viver, consumo responsável e segurança alimentar


Por Ignacio Ramonet | Tradução: Antonio Martins


O Brasil acolherá no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, chamada também “Rio+20” porque se reunirá duas décadas depois da primeira grande Cúpula da Terra, de 1992. Participarão mais de 80 chefes de Estado. As discussões estarão centradas em torno de dois temas principais: 1) uma “economia verde” no contesto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza; e 2) o marco institucional para o desenvolvimento sustentável. Em paralelo ao evento oficial, também se reunirá a Cúpula dos Povos, que congrega movimentos sociais e ambientalistas do mundo.
As questões ambientais e os desafios da mudança climática continuam constituindo grandes urgências da agenda internacional [1]. Mas esta ralidade é ocultada, na Europa e em outras partes do mundo, pela gravidade da crise econômica e financeira. É normal.
A eurozona atravessa um de seus momentos mais difíceis, em razão do fracasso clamoroso das políticas de “austeridade radical”. A recessão instalou-se em várias economias, com desemprego em alta e tensões financeiras dramáticas. A Espanha, em particular, vive os momentos mais preocupantes desde 2008, quando Lehman Brothers. Tornou-se, após a Grécia, o “elo frágil” do euro. Os capitais fugem em massa. O “prêmio de risco” (margem extra que os credores exigem, para continuar emprestando ao país) atingiu os níveis mais elevados desde da criação da moeda única, e ameaça obrigar Madri a requerer (como a Grécia, Irlanda e Portugal) ajuda externa. Ampliam-se os temores sobre a saúde do sistema bancário, em especial, após a escandalosa quebra-nacionalização do Bankia, quarto grupo financeiro do país em volume de ativos.
O pessimismo espraia-se na Europa. O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman jogou lenha na fogueira no mês passado, quando avisou [2] ser “muito possível” que a Grécia abandone e euro no decorrer de junho… Uma saída de Atenas da moeda única europeia teria como consequência imediata a fuga de capitais de outros países ameaçados (Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica) e uma corrida maciça dos depositantes contra os bancos, para sacar seus depósitos. Segundo Krugman, não é impossível que, para evitá-la, países como a Espanha e a Itália decretem – como a Argentina em 2001 – um corralito [3], limitação forçada do volume de dinheiro que os depositantes podem retirar de suas próprias contas.
O euro resistirá? Entrará em colapso? Estas questões preocupam, em todo o mundo, milhões de cidadãos, que seguem com grande expectativa o calendário eleitoral europeu. Em 10 e 17 de junho, haverá eleições legislativas na França; em 17 de junho, eleições para o Parlamento e para formar um novo governo na Grécia. E a Cúpula de Bruxelas, em 28 e 29 de junho, decidirá por fim se a União Europeia segue a rota alemã de austeridade até a morte ou se opta pela via francesa de crescimento e recuperação. É uma dilema vital.
Apesar de dramáticas, estas questões não devem ocultar que, em escala planetária, há outros dilemas, não menos decisivos. O primeiro deles é o desastre climático que estará em pauta no Rio de janeiro. Vale lembrar que, em 2010, o desastre climático foi a causa de 90% das catástrofes naturais, que causaram a morte de cerca de 300 mil pessoas, e perdas econômicas superiores a 250 bilhões de reais.
Outra contradição: na Europa, os cidadãos reclamam, com razão, mais crescimento para sair da crise. Mas no Rio, os movimentos sociais e ambientalistas advertirão que o crescimento – se não é sustentável – significa maior devastação do meio-ambiente e maior risco de esgotamento dos limitados recursos do planeta.
Os dirigentes mundiais, assim como milhares de representantes de governos empresas privadas, ONGs, movimentos sociais e outros grupos da sociedade civil irão se reunir, no Rio, precisamente para definir uma agenda global que garanta a proteção sustentável do ambiente – e também para reduzir a pobreza e promover a igualdade social. O debate central se dará entre o conceito de “economia verde”, defendido pelos porta-vozes do neoliberalismo, e o de “economia solidária”, sustentada por movimentos para os quais não haverá preservação ambiental sem a superação do modelo atual de “desenvolvimento predatório”, baseado na acumulação privada de riquezas.
Os países ricos vão ao Rio para difundir, como proposta principal, a da “economia verde”. É um conceito-cilada, que se limita, na maioria das vezes, a designar uma simples camuflagem verde da economia pura e dura de sempre. Um “esverdeamento”, em suma, do capitalismo especulativo. Tais países desejam que a Conferência Rio+20 lhes outorgue um mandato das Nações Unidas para começar a definir, em escala planetária, uma série de indicadores para avaliar economicamente as diferentes funções da natureza, e criar deste modo as bases para um mercado mundial de serviços ambientais.
Esta “economia verde” deseja não apenas a mercantilização dos aspectos materiais da natureza, mas a própria transformação em mercadoria dos processos e funções naturais. Em outras palavras, a “economia verde” busca, como afirma o ativista boliviano Pablo Solón, mercantilizar não apenas a madeira e as florestas, mas também a capacidade de absorção de dióxido de carbono destas mesmas matas [4].
O objetivo central é criar, para as aplicações privadas, um mercado da água, do meio-ambiente, dos oceanos, da biodiversidade etc. Atribuindo preço a cada elemento da natureza, com objetivo de garantir lucros para os investidores. De tal modo que a “economia verde”, ao invés de criar produtos reais, organizará um novo mercado imaterial de bônus e instrumentos financeiros que serão negociados através dos bancos. O mesmo sistema bancário que provocou a crise financeira de 2008, e que recebeu trilhões de reais dos governos, disporia agora, da Mãe Natureza para continuar especulando e realizando grandes lucros.
Frente a estas posições, e em paralelo à Conferência da ONU, a sociedade civil organiza no Rio a Cúpula dos Povos. Neste fórum, serão apresentadas alternativas em defesa dos “bens comuns da humanidade”. Produzidos pela natureza ou por grupos humanos, em escala local, nacional ou global, estes bens devem ser propriedade coletiva. Entre eles, estão o ar e a atmosfera; a água, aquíferos, rios, oceanos e lagos; as terras comunais ou ancestrais; as sementes, a biodiversidade, os parques naturais; a linguagem, a paisagem, a memória, o conhecimento, a internet, os produtos distribuídos com licença livre, a informação genética etc. A água doce começa a ser vista como o bem comum por excelência, e as lutas contra sua privatização – em vários países – têm alcançado êxitos notáveis.
Outra ideia preconizada pela Cúpula dos Povos preconiza é a de uma transição gradual da civilização antropocêntrica a uma “civilização biocêntrica”, centrada na vida, o que implica o reconhecimento dos direitos da Natureza e a redefinição do bem-viver e da prosperidade – de modo que não dependam do crescimento econômico infinito.
Também defende-se a soberania alimentar. Cada comunidade deve poder controlar os alimentos que produz e consome, aproximando consumidores e produtores, defendendo uma agricultura camponesa e proibindo a especulação financeira com alimentos.
Por fim, a Cúpula dos Povos reclama um vasto programa de “consumo responsável”, que inclua uma nova ética do cuidado e do compartir; uma preocupação contra a obsolescência programada dos produtos; uma preferência pelos bens produzidos pela economia social e solidária, baseada no trabalho e não no capital; e um rechaço do consumo de produtos realizados às custas do trabalho escravo [5].
A Conferência Rio+20 oferece, portanto, a ocasião aos movimentos sociais de reafirmar, em escala internacional, sua luta por uma justiça ambiental, em oposição ao modelo de desenvolvimento especulativo. E seu repúdio às tentativas de “esverdear” o capitalis mo. Segundo estes movimentos, a “economia verde” não é a solução para a crise ambiental e alimentar atual. Trata-se, ao contrário, de uma “falsa solução”, que poderia agravar o problema da mercantilização da vida [6]. Em suma, um novo disfarce do sistema. E os cidadãos estão cada vez mais fartos de disfarces. E do sistema.

Ignacio Ramonet é editor do Le Monde Diplomatique, edição espanhola, e presidente da Associação Memória das Lutas (www.medelu.org)

[1] Ler, de Ignacio Ramonet, “Urgencias climáticas”, Le Monde Diplomatique, edição espanhola, janeiro de 2012
[2] The New York Times, 13/5/2012
[3] Corralito é palavra que surgiu durante a crise econômica argentina de 2001, quando, diante da avalanche de clientes nos bancos, para retirar suas economias, o ministro Domingo Cavallo decidiu que cada titular de conta só poderia sacar, no máximo, 250 pesos por semana.
[4] Pablo Solón, “Qué pasa em la negociación para Rio+20” 4/4/2012.
[5] Ler a “Declaração da Assembleia de Movimentos Sociais”, Porto Alegre, 28/1/2012
http://www.outraspalavras.net/2012/06/06/rio20-economia-verde-ou-economia-solidaria/



Economia verde

Definição

Economia verde é um conjunto de processos produtivos (industriais, comerciais, agrícolas e de serviços) que ao ser aplicado em um determinado local (país, cidade, empresa, comunidade, etc.), possa gerar nele um desenvolvimento sustentável nos aspectos ambiental e social.

Objetivo

O principal objetivo da Economia Verde é possibilitar o desenvolvimento econômico compatibilizando-o com igualdade social, erradicação da pobreza e melhoria do bem-estar dos seres humanos, reduzindo os impactos ambientais negativos e a escassez ecológica.

Importância e benefícios

De acordo com especialistas que atuam nas áreas de Economia e Meio Ambiente, a aplicação da Economia Verde em países desenvolvidos e em desenvolvimento aumentaria a geração de empregos e o progresso econômico. Ao mesmo tempo, combateria as causas do aquecimento global (emissões de CO2), do consumo irracional de água potável e dos fatores que geram a deterioração dos ecossistemas.

Principais características da Economia Verde:-

Pouco uso de combustíveis fósseis (gasolina, carvão, diesel, etc.) e aumento do uso de fontes limpas e renováveis de energia;
- Eficiência na utilização de recursos naturais;
- Práticas e processos que visam à inclusão social e erradicação da pobreza;
- Investimento e valorização da agricultura verde;
- Tratamento adequado do lixo com sistemas eficientes de reciclagem;
- Qualidade e eficiência nos sistemas de mobilidade urbana.



www.suapesquisa.com/ecologiasaude/economia_verde.htm



O que é desenvolvimento sustentável e economia verde


Os termos “desenvolvimento sustentável” e “economia verde” serão amplamente discutidos na Rio+20.


Na Rio+20 haverá amplos debates sobre desenvolvimento sustentável e economia verde
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, se realizará entre os dias 13 e 22 de junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro. São objetivos dessa conferência: a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável através da avalição do progresso feito nos últimos anos, e das lacunas na implementação das decisões tomadas nos principais encontros sobre Desenvolvimento Sustentável, e a discussão de assuntos novos e emergentes.
De acordo com a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Rio+20 terá dois temas principais: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável.
Como vimos, os termos “desenvolvimento sustentável” e “economia verde” serão amplamente discutidos durante a Rio+20, mas você sabe o que esses termos querem dizer?
Definimos como desenvolvimento sustentável o tipo de desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações. É um tipo de desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro, e que dá à geração atual a possibilidade de se desenvolver sem agredir o meio ambiente, dando às gerações futuras a chance de existir e viver bem de acordo com as suas necessidades. O desenvolvimento sustentável somente será alcançado quando houver planejamento e a consciência de que os recursos naturais são finitos, ou seja, que esses recursos acabam.
Já o termo economia verde permite inúmeras interpretações e o seu conceito ainda não é consensual. A ideia central desse termo é que o conjunto de processos produtivos da sociedade e as transações deles decorrentes contribuam cada vez mais para o desenvolvimento sustentável, tanto nos aspectos sociais quanto ambientais. A economia verde propõe que, além das tecnologias produtivas e sociais, sejam criados meios pelos quais fatores essenciais ligados à sustentabilidade socioambiental, hoje ignorada nas decisões econômicas, passem a ser considerados. No Brasil e em outros países, por exemplo, trabalha-se a “economia verde inclusiva” na forma de programas para promover a conservação ou recuperação ambiental, apoio a segmentos da população cuja renda se origina da reciclagem de resíduos sólidos, entre outros programas.
Na Rio+20 haverá um espaço montado para apresentar aos visitantes as principais iniciativas dos Governos sobre o desenvolvimento sustentável. Essa grande área, localizada em frente ao Riocentro e chamada de Parque dos Atletas, abrigará exposições de países estrangeiros, de organizações internacionais e do Governo brasileiro, com destaque para o Pavilhão Brasil, onde serão apresentados programas e projetos para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Por Paula Louredo
Graduada em Biologia

http://www.brasilescola.com/biologia/o-que-desenvolvimento-sustentavel-economia-verde.htm



O conceito obscuro de economia verde


Enviado por Luis Nassif, qua, 27/06/2012 - 12:47

Por Vinicius Carioca

De Ciência Hoje Online

A cor do crescimento econômico

por Henrique Kugler

Ninguém sabe, ninguém viu. A Rio+20 acabou e um dos conceitos-chave da conferência, o de economia verde, permaneceu obscuro, em meio a críticas e definições teóricas.

“O conceito de economia verde ainda é uma ideia utópica, quase uma abstração.” Foi o que disse o engenheiro agrônomo Gonçalo Guimarães, da Universidade Federal do Rio de janeiro, em evento paralelo à Rio+20 realizado pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/ UFRJ).

Para o economista Joan Martinez Alier, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), o uso da expressão é apenas estratégia de marketing. Segundo ele, formulações teóricas verdes vêm sendo discutidas há décadas – e, até o momento, o que observamos é apenas a intensificação dos problemas socioambientais ao redor do globo. “Desenvolvimento sustentável, economia verde, chame como quiser. Nada disso funciona na prática”, opinou o economista. “E, cedo ou tarde, as Nações Unidas vão precisar de um novo relações públicas para renovar o slogan.”

Anantha Duraiappah, economista do Programa de Dimensões Humanas das Mudanças Ambientais Globais, de Bonn (Alemanha), tende a concordar. “Economia verde é o termo da moda”, disse em sua palestra durante o fórum do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês), outro evento paralelo à Rio+20.

Mas Duraiappah, que é uma das principais cabeças por trás do novíssimo Índice de Riqueza Inclusiva, avançou na discussão ao afirmar que, sim, é possível adotar, na prática, medidas relevantes para evoluirmos rumo a um novo equilíbrio entre sociedade e natureza. “Tecnicamente isso já é possível”. Porém, ressalvou o economista malásio, “vivemos uma inércia político-institucional que impede qualquer mudança profunda”.

O economista inglês Tim Jackson, da Universidade de Surrey (Inglaterra), critica a noção de economia verde, porque ela tenderia a repetir a lógica do crescimento como objetivo prioritário. “É a psicologia humana que está na essência dos dilemas econômicos atuais”, afirmou.

Ele ressaltou que a lógica da economia contemporânea é o louvor ao individualismo e ao consumismo. “Mas será que nós, humanos, devemos ser reduzidos a seres racionais hipnotizados pelo consumo?”, questionou. “Evolução civilizatória não é a acumulação de riqueza, e sim a convivência harmônica entre os indivíduos.”


Cartaz com a frase ‘Nós rejeitamos a economia verde’ exibido no Riocentro, onde aconteceram as discussões da Rio+20. (foto: Henrique Kugler)
Comentando o cenário geral em que o debate se insere, o engenheiro Sidney Lianza, da UFRJ, foi bastante enfático. “O capitalismo produziu um ciclo de lógicas econômicas e sociais descaradamente insustentáveis; agora se pensa em pegar um balde de tinta e pintar tudo de verde”, criticou. “Mas não adianta pintar de verde, amarelo ou azul as contradições sociais que vivenciamos.”

Economia domesticada

Apesar das muitas críticas – algumas mais brandas, outras mais ácidas –, há quem esteja trabalhando a todo vapor para que o termo ‘economia verde’ deixe de ser uma distante ilusão e passe a integrar as rotinas produtivas da sociedade. Pelo menos no plano teórico, a coisa anda em bom ritmo.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) já elaborou sua definição formal, ainda que etérea, de economia verde. Nenhuma grande surpresa: “uma economia de baixo carbono, eficiente no uso dos recursos naturais e capaz de promover inclusão social”.

Outra organização dedicada ao tema é a Aliança da Economia Verde, provavelmente a maior entidade mundial dedicada ao desenvolvimento de políticas baseadas nesse conceito. O grupo é formado por atores tão diversos quanto o Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês), a Philips, a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial do Trabalho, entre várias outras instituições.

Stanton: “Na prática, não sabemos o que é economia verde; mas sabemos o que não é”

Em síntese, a organização entende o conceito como, simplesmente, uma economia “capaz de gerar qualidade de vida para todos nós, dentro dos limites ecológicos do planeta”, conforme explicitou o manifesto que o grupo distribuiu pelos pavilhões do Riocentro, onde aconteceram as discussões da Rio+20.

Mas há uma grande distância entre teoria e prática, como ressaltou a economista Liz Stanton, do Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). “Na prática, não sabemos o que é economia verde; mas sabemos o que não é.” Ela lembrou que, não raras vezes, produtos e serviços são vendidos como parte de projetos ambientalmente sustentáveis ou coerentes com a nova doutrina verde quando, na verdade, não se enquadram na definição do Pnuma.

Seja lá o que for economia verde, talvez a discussão, mesmo que vaga, já tenha atingido uma meta importante: colocar em pauta um assunto urgente.

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line



http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-conceito-obscuro-de-economia-verde



Economia verde e mercantilização do Meio Ambiente
A incorporação do conceito de economia verde no documento final da Rio+ 20 reflete o estágio atual da correlação de forças a nível internacional. Há setores fortemente interessados em que a dimensão do meio ambiente continue nessa trajetória crescente de mercantilização, com abertura de novos espaços de negócios em nome da salvação do planeta.
Paulo Kliass

A História da humanidade está marcada por um processo contínuo e crescente de desenvolvimento das forças produtivas e de avanço do ser humano sobre o espaço natural. E isso se deu desde os primeiros registros de organização social, ainda sob a forma de coletores ou caçadores até o quadro atual de atividades que colocam em risco a sobrevivência do planeta e da própria espécie.

Dessa foram se sucedendo os saltos propiciados pela evolução das sucessivas formações sociais e pelo desenvolvimento técnico-científico. Fixação territorial das comunidades e início das atividades de agricultura e pastoreio, marcando o início dessa exploração e conquista do homem sobre a natureza. Domínio de técnicas para geração de energia a partir de recursos naturais (fogo). Consolidação de grupos sociais vivendo em espaços urbanos, afastados dos processos associados à produção de alimentos. Descobertas de novas formas de geração de energia (hidráulica), inovações para aumento da produtividade agrícola e início do processo de transformação produtiva sob a forma artesanal. Utilização em escala crescente dos bens da natureza para consolidar as bases estruturais da sociedade, como os minerais e a madeira para construir ferramentas, bens de uso, meios de transporte, residências, palácios, monumentos, estradas e outros.

O salto industrial e o aprofundamento da degradação
Uma mudança de qualidade nesse processo foi a inovação tecnológica que veio a propiciar a evolução da manufatura e o advento da produção em escala industrial. O desenvolvimento científico revolucionou setores fundamentais como saúde e transportes, possibilitando a redução da mortalidade, o aumento populacional e o deslocamento de bens e pessoas nas regiões e entre continentes. As descobertas relativas às fontes de energia de combustível fóssil (carvão e petróleo) impulsionaram a conquista do homem sobre a natureza, exatamente no momento em que o modo capitalista de produção se afirmava como hegemônico em escala internacional. Produção e consumo em massa se assentavam sobre o modelo colonialista em expansão, onde os países europeus imprimiam a marca da super exploração dos recursos humanos e naturais dos demais continentes.

Com exceção das populações tradicionais que conviviam em harmonia com a natureza e isoladas do ímpeto do chamado “progresso”, o avanço do modelo capitalista de espoliação do espaço natural não encontrava barreiras. Por outro lado, as próprias experiências socialistas do século XX não buscaram alternativas que não estivessem baseadas no extrativismo e no produtivismo exacerbados. Tudo se passava como se o processo civilizatório fosse sinônimo de avanço irracional da sociedade humana sobre o espaço natural.

Os resultados mais recentes desse processo milenar estão mais do que conhecidos. O fato, porém, é que apenas ao longo das últimas décadas os riscos de sobrevivência do planeta começaram a se tornar mais evidentes e aceitos. Poluição generalizada e devastadora, aquecimento global, elevação do nível dos oceanos, desastres nucleares, efeitos perversos do uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes, incapacidade de dar conta de resíduos e lixo, conseqüências negativas e desconhecidas a respeito do uso de transgênicos, aprofundamento da falta de água: eis apenas alguns dos dramas que a sociedade deveria enfrentar seriamente nos tempos atuais. Esses fenômenos causados pela ação direta do homem aliam-se à dinâmica própria de alteração dos ecossistemas e as conseqüências tornam-se ainda mais imprevisíveis.

Desenvolvimento sustentável “versus” economia verde
Porém, parece claro que a questão ambiental não é uma questão isolada. Ela não pode estar dissociada da questão econômica e da questão social. A degradação da Terra ocorre justamente pelos interesses envolvidos no atual modelo de exploração econômica, onde a busca do lucro a curto prazo e a exploração da força de trabalho são partes integrantes do mesmo processo. As características da desigualdade e da concentração, tão típicas do capitalismo, se fazem presentes no que se refere à distribuição dos recursos naturais. A Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente de 1992 consagrou o conceito de “modelo sustentável”. E essa idéia força vinha sempre associada com a necessidade de enfocar o tema da sustentabilidade em seus 3 eixos interdependentes: a) ambiental; b) econômico; c) social.

Não é intenção deste artigo sugerir um balanço dos resultados obtidos com a Rio + 20. Mas, de toda forma, parece consensual a avaliação de que muito pouco foi realizado pelos governos, pelos organismos multilaterais e pelas grandes corporações multinacionais a respeito do tema ao longo dessas duas décadas. Como foram vinte anos dominados pelo discurso neoliberal e pela crença na supremacia absoluta nas forças do mercado para buscar as soluções ditas “mais eficientes”, muito pouco foi efetivado em termos de regulação, fiscalização e controle das atividades comprometedoras do equilíbrio do planeta – seja em escala global, nacional ou local.

Como a Conferência oficial deste ano ainda se pautou pela inércia da influência política e ideológica dos anos de chumbo do liberalismo irracional, as questões do mercado e da iniciativa privada terminaram por ganhar mais espaço nos debates e na até mesmo na Declaração Final. Aliás, essa foi uma das reclamações apresentadas pelas organizações envolvidas com a realização da Cúpula dos Povos, evento paralelo ao oficial da diplomacia e dos governos, organizado por um sem número de entidades envolvidas com o tema pelo mundo afora.

Uma das novidades do documento final da Rio + 20, “O futuro que queremos”, é a presença do conceito de “economia verde”. Apesar de pouco esclarecedor e merecedor de uma multiplicidade de definições, o fato é que ele abre espaço para as tentativas de consolidar a mercantilização do meio ambiente – fenômeno já em marcha há décadas. No entanto, antes de avançar por aqui, é importante deixar registrado que, ao longo das 59 páginas do texto da ONU, a expressão “economia verde” sempre aparece acompanhada da expressão “no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”. Ou seja, há quem avalie que o termo ainda não se expressaria como um caminho exclusivamente de mercado para a crise ambiental.

Os instrumentos da mercantilização

Porém, a Declaração Final não é muito mais do que isso: apenas uma declaração de intenções. A realidade das dinâmicas econômica, política e social operam em uma velocidade bem superior à das negociações diplomáticas. E, aliás, isso é até natural e compreensível. Portanto, aproveitando-se dessa distância, o conceito de “economia verde” já está há um bom tempo sendo utilizado pelos governos, implementado pelas grandes empresas e divulgado pelos meios de comunicação como a grande panacéia para todos os males que o capitalismo tem provocado sobre o ecossistema. Só que a problemática é bem mais complicada do que aparenta.

Assim, em sua tendência a universalizar as relações mercantis, o atual sistema econômico passou a incorporar a dimensão do “meio-ambiente” também como instrumento de acumulação e dinamização do mercado. Os primeiros esboços concentraram-se na área de emissão de gases do efeito estufa (GEE). A partir das determinações previstas no Protocolo de Kyoto, lançado em 1997, começaram a surgir os “créditos de carbono”, que vieram a se constituir em instrumentos de negociação no próprio mercado financeiro. Com isso, as empresas que conseguissem reduzir seu volume de emissão de GEE teriam direito a emitir esses títulos de crédito de carbono, que passaram a ser precificados e negociados no mercado. De acordo com os padrões estabelecidos atualmente, um crédito de carbono equivale à redução de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2).

O objetivo implícito é que ele seria um mecanismo de estimular a substituição de processos produtivos “sujos” por novos processos “limpos”. O termo genérico desse tipo de ação ficou conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e contaria com algum tipo de regulação e fiscalização por parte da ONU, de maneira a evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser objeto de fraude e descontrole. O crescimento do volume de títulos emitidos e a generalização de sua negociação criaram um verdadeiro mercado, com todo tipo de produto financeiro associado. O crédito de carbono tem uma cotação nas Bolsas de Mercadorias, tendências de alta, expectativas de queda, operações de mercado futuro e por aí vai. Como todos os títulos similares, está bastante sujeito a muita especulação.

Mais recentemente, outros instrumentos financeiros passaram a ser incorporados à prática dos grandes grupos multinacionais, mas ainda não são objeto de regulação e controle institucional. Trata-se do procedimento de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual as corporações e seus empreendimentos de larga escala buscam obter ganhos econômicos a partir de iniciativas que possam diminuir o ritmo de destruição ambiental, como a redução de áreas de floresta ou comprometimento de áreas envolvidas com extração mineral. E aqui novamente o mercado financeiro pode atuar como facilitador dos negócios e da alavancagem de projetos, pois tudo se consolida em emissões de títulos que passam a ter um valor e são negociados nos mercados mobiliários por todos os cantos do planeta. E como quase tudo no mercado opera com base na especulação, o que dizer de operações sem nenhum lastro no setor real da economia?

Busca de alternativas à solução de mercado

Além disso, vale ressaltar que outros elementos da natureza já estão submetidos ao regime de mercantilização ou correm o risco de virem a passar pelo mesmo processo. É o caso da terra e do solo para atividades agropecuárias, extrativas e as demais no espaço urbano. A água, em sua condição de bem essencial para a vida, começa a dar os sinais de escassez preocupante em escala global e não apenas nas regiões historicamente afetadas pela seca. Os mares e oceanos pelo potencial energético, de alimentação e de pesquisa, além da questão estratégica de ser utilizado como meio de transporte. Os ares e a atmosfera por sua característica fundamental do oxigênio, além de outras como água, ventos e chuvas.

Portanto, a incorporação do conceito de economia verde no documento final da Rio+ 20 reflete o estágio atual da correlação de forças a nível internacional. Há setores fortemente interessados em que a dimensão do meio-ambiente continue nessa trajetória crescente de mercantilização, com abertura de novos espaços de negócios em nome da salvação do planeta. Porém, é preciso que se denuncie a incapacidade das forças de mercado em darem conta dessa árdua tarefa, inclusive porque sua preocupação maior é com o lucro imediato e não com a viabilidade no longo prazo.

A solução passa por buscas de uma abordagem integradora da sustentabilidade, incorporando suas dimensões econômica, social e ambiental. Afinal, não se pode exigir de países do interior do continente africano o mesmo “sacrifício” que se propõem a efetuar as populações dos países escandinavos. Uns ainda sobrevivem em péssimas condições, passam fome, apresentam elevadas taxas de mortalidade, não têm acesso às mínimas facilidades do padrão de vida do mundo dito desenvolvido. Outros se permitem até mesmo falar em estagnação econômica, pois atingiram um padrão social típico do Estado do bem estar.

O nível gritante de desigualdade sócio-econômica exige que os diferentes sejam tratados de forma diferenciada. Assim, a trilha para se alcançar uma humanidade mais justa e homogênea em termos de qualidade de vida não deve repetir a mesma trajetória equivocada, em particular a do padrão dos últimos 50 anos. No entanto, transformar o meio ambiente em mercadoria e operar apenas por meio de referência de preços artificialmente construídos tampouco se apresenta como solução para os graves problemas de nosso tempo.




Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.


http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5669



Boaventura critica a economia verde, e Paul Singer exalta a economia solidária



“É uma perversão total transformar a natureza em mercado. Economia verde é suprir o capitalismo com mais capitalismo”, disse Boaventura de Sousa Santos, em debate na Cúpula dos Povos. “A economia solidária vai ser a economia de transição, ela vai nos ajudar a fazer o trânsito entre a produção e o consumo”, afirmou. Para Paul Singer, “é o melhor modelo desenvolvido até agora”.
Isabel Harari

Rio de Janeiro - Cerca de 200 pessoas se aglomeram em cadeiras de plástico, no chão de terra batida e até em uma árvore próxima. A tenda 14 da Cúpula dos Povos foi se enchendo e o calor tornou-se insuportável. Por volta do meio dia, Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e professor da universidade de Coimbra, e Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária, sentaram-se à mesa junto a outros dois integrantes do Ripess (Rede Internacional de Promoção da Economia Social e Solidária) da América Latina e Caribe. “Os militantes e revolucionários estão se encontrando, com seus ideais, angústias e medos”, disse Singer, apontando para a plateia.

A economia solidária como proposta de resistência ao modelo vigente foi o fio condutor desse debate que aconteceu na Cúpula dos Povos. “É preciso transformar o sistema político brasileiro”, declarou Boaventura. Esse modo de gerir a economia, continuou, é baseado na gestão dos empreendimentos pelos próprios trabalhadores, que os administram por meio da auto-gestão, em uma forma de democracia direta. “Trabalha-se com a ação humana”, explica o professor.

Para Boaventura, o capitalismo consiste em uma economia anti-solidária, anti-verde e anti-humanitária. O papel da sociedade civil é pífio,“apêndice do capitalismo”, enquanto a hegemonia dos bancos, do agronegócio e das grandes corporações é evidente. Toma como exemplo as verbas destinadas à pesquisa: 95% são destinadas ao agronegócio e apenas 5% são cedidas aos estudos sobre agricultura familiar. “É um mundo absurdo, onde metade morre por obesidade e a outra por inanição”, declarou.

A chamada “economia verde”, tema debatido à exaustão nos eventos oficiais da Rio+20 e tratado como a solução para os problemas climáticos e econômicos, foi colocada em questão por Boaventura. “É uma perversão total transformar a natureza em mercado. Economia verde é suprir o capitalismo com mais capitalismo”. E ele faz um alerta aos países com base industrial, como o Brasil, que estariam a reprimarizar suas economias, ou seja, exportando mais produtos agrícolas do que industriais. “Esses países estão exportando sua natureza, suas riquezas. Quando os recursos naturais acabarem, essas nações estarão muito mais pobres do que antes”, diz.

A economia capitalista afasta o processo de produção do produto final. “Olho para o meu celular e vejo que há trabalho escravo, há sangue para que isso esteja no meu bolso. Mas nós, no ímpeto do consumo, esquecemos que por trás do aparelho há um duro processo de produção”, exemplifica Boaventura. “A economia solidária vai ser a economia de transição, ela vai nos ajudar a fazer o trânsito entre a produção e o consumo”, afirmou.

“Um novo modo de gerir a economia através da integração das pessoas”, disse Singer, sobre a economia solidária, à Carta Maior. “É o melhor modelo desenvolvido até agora”, continua o economista. Para ele, já está ocorrendo a mundialização da economia solidária por meio de reuniões do Ripess e ações que englobam diversos países. Recentemente, ocorreu no Rio de Janeiro a “Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Reunião Mundial sobre Economia Solidária”, que contou com participantes da América Latina, Filipinas, Malásia e Canadá, entre outros.

Sobre a Rio+20, Boaventura alerta sobre a fragilidade do documento oficial preparado – consequência, em sua avaliação, da retirada dos pontos de divergência que dificultariam o consenso entre a cúpula governamental, tornando-o genérico e ineficiente. “Não é de se espantar que não haja nenhum compromisso obrigatório que vá levantar idéias, sobre o Protocolo de Quioto, por exemplo, para um outro nível de comprometimento. Não tenho grandes esperanças em relação à reunião intergovernamental. Há uma grande distância entre as políticas do governo e dos movimentos sociais”, disse o português.

A Cúpula dos Povos, para Singer, é “um momento de troca de idéias, de sonhar um mundo mais igual, mais democrático, mais livre, de tornar tudo isso realidade”. Sobre a diversidade de movimentos, ele declara que essa diferença precisa e deve ser respeitada e cultivada. Para Singer, a diversidade é de suma importância para unir na ação aquilo que há em comum. “Há um fermento na sociedade de grande mobilização social”, acrescenta, por fim, Boaventura.

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Sidney Lianza, da UFRJ, defende paradigma da Economia Solidária e ataca Economia Verde


Para um dos coordenadores do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a "economia verde não é mais que o mesmo, só que pintado". Segundo ele, não há como falar sobre sustentabilidade quando temos um capitalismo com modelo de crescente consumismo, obsolescência de produtos de consumo e transporte centrado no automóvel individual. "Não adianta pintar isso tudo de verde. Eu prefiro falar em economia solidária", afirmou.
Caio Sarack

Rio de Janeiro - Em entrevista à Carta Maior, o professor e coordenador de Extensão do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Sidney Lianza, falou sobre Economia Verde, um dos principais conceitos discutidos na Rio+20, e a função da universidade no debate político e social do desenvolvimento sustentável.

O professor vê o espaço proposto pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, mais conhecido como Coppe, para a Rio+20, como algo relevante, mas critica a setorialização do debate nas instituições, uma vez que ele deveria ser feito diretamente com a sociedade. Para Lianza, a economia é arena da política e, por isso, deve ser pública. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Carta Maior - Como o senhor vê o debate sobre o tema da sustentabilidade na Coppe e na academia?
Sidney Lianza - A universidade não tem expressado pensamento crítico sobre a tragédia socioambiental. Ter esse espaço para se colocar desta forma é interessante. No entanto, o problema tem sido a divisão do debate, você tem unidades que prestam serviços, parcerias com o governo por licenças ambientais, com comunidades que tenham problemas com projetos públicos, mas não um pensamento crítico aberto e feito com a sociedade. A universidade tem esse papel que é fundamental e é uma de suas funções primordiais. Olhe aqui (apontando para o panfleto do evento, onde ficam os patrocinadores): General Eletronics, Braskem, Santander... Não podemos esquecer disto, não podemos esconder isto. Temos que pensar sobre isto.

CM - O que o senhor pensa sobre a Economia Verde?
SL - A economia verde é um oxímoro. A economia verde não é mais que o mesmo, só que pintado. Não tem como falar sobre sustentabilidade quando temos um capitalismo com modelo de crescente consumismo, com obsolescência de produtos de consumo e transporte centrado no automóvel individual. Não adianta pintar isso tudo de verde. Eu prefiro falar em economia solidária.

CM - O senhor acha que “economia” e “social” são conceitos paradoxais?
SL - Para quem pensa a economia como gestão de escassez, como dizia o sociólogo Karl Polanyi, sim.

CM - Como o senhor vê esse encontro de campos aparentemente distantes, da tecnologia e da justiça social?
SL - Acho que eu mudaria um pouco o tema desta conferência da Coppe, não chamaria de “Tecnologia e Inovação para uma economia verde e a erradicação da pobreza”, eu adicionaria a palavra social depois de “inovação”. A erradicação da pobreza demanda tecnologia e inovação social para uma economia solidária com justiça ambiental. A economia solidária é fazer com que a sociedade participe das decisões, é reabilitar a economia como política e não como mercado. Trazer capilaridade nas decisões sobre a economia, porque ela é uma coisa pública.

CM - Pode nos dizer mais sobre isto?
SL - A gente vive a privatização da natureza e dos bens comuns. Tem uma professora italiana, Giovanna Ricoveri, que escreveu um livro chamado “Bens Comuns vs. Mercadoria”, lá ela traz desde os romanos o conceito de bem público até hoje. Temos nós que conceituar este termo hoje. A tecnologia da informação, por exemplo, é importantíssima, todos deveriam ter o acesso a ela. Na segurança alimentar, o mercado influencia na produção direta de alimentos, e espaços que poderiam produzir muito mais são pagos para produzir em menor quantidade. Na energia, o programa Luz para Todos é um exemplo de que é crucial para o bem-estar da sociedade que ela tenha acesso como bem comum. O desafio a ser enfrentado é reconhecer estes bens comuns, conceituá-los e lutar por eles.



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Carta de princípios da Economia Solidária


1.Origem e cenário atual

A Economia Solidária ressurge hoje como resgate da luta histórica dos(as) trabalhadores(as), como defesa contra a exploração do trabalho humano e como alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos seres humanos entre si e destes com a natureza.

Nos primórdios do capitalismo, as relações de trabalho assalariado - principal forma de organização do trabalho nesse sistema - levaram a um tal grau de exploração do trabalho humano que os(as) trabalhadores(as) organizaram-se em sindicatos e em empreendimentos cooperativados. Os sindicatos como forma de defesa e conquista de direitos dos/as assalariados/as e os empreendimentos cooperativados, de auto-gestão, como forma de trabalho alternativa à exploração assalariada.

As lutas, nesses dois campos, sempre foram complementares; entretanto a ampliação do trabalho assalariado no mundo levou a que essa forma de relação capitalista se tornasse hegemônica, transformando tudo, inclusive o trabalho humano, em mercadoria.

As demais formas (comunitárias, artesanais, individuais, familiares, cooperativadas, etc.) passaram a ser tratadas como "resquícios atrasados" que tenderiam a ser absorvidas e transformadas cada vez mais em relações capitalistas.

A atual crise do trabalho assalariado, desnuda de vez a promessa do capitalismo de transformar a tudo e a todos/as em mercadorias a serem ofertadas e consumidas num mercado equalizado pela "competitividade". Milhões de trabalhadores/as são excluídos dos seus empregos, amplia-se cada vez o trabalho precário, sem garantias de direitos. Assim, as formas de trabalho chamadas de "atrasadas" que deveriam ser reduzidas, se ampliam ao absover todo esse contingente de excluídos.

Hoje, no Brasil, mais de 50% dos trabalhadores/as, estão sobrevivendo de trabalho à margem do setor capitalista hegemônico, o das relações assalariadas e "protegidas". Aquilo que era para ser absorvido pelo capitalismo, passa a ser tão grande que representa um desafio cuja superação só pode ser enfrentada por um movimento que conjugue todas essas formas e que desenvolva um projeto alternativo de economia solidária.

Neste cenário, sob diversos títulos - economia solidária, economia social, socioeconomia solidária, humanoeconomia, economia popular e solidária, economia de proximidade, economia de comunhão etc, têm emergido práticas de relações econômicas e sociais que, de imediato, propiciam a sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de milhões de pessoas em diferentes partes do mundo.

Mas seu horizonte vai mais além. São práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular.

As experiências, que se alimentam de fontes tão diversas como as práticas de reciprocidade dos povos indígenas de diversos continentes e os princípios do cooperativismo gerado em Rochdale, Inglaterra, em meados do século XIX, aperfeiçoados e recriados nos diferentes contextos socioculturais, ganharam múltiplas formas e maneiras de expressar-se.

2. Convergências - O que é a Economia Solidária

Princípios gerais

Apesar dessa diversidade de origem e de dinâmica cultural, são pontos de convergência:

1.a valorização social do trabalho humano,
2.a satisfação plena das necessidades de todos como eixo da criatividade tecnológica e da atividade econômica,
3.o reconhecimento do lugar fundamental da mulher e do feminino numa economia fundada na solidariedade,
4.a busca de uma relação de intercâmbio respeitoso com a natureza, e
5.os valores da cooperação e da solidariedade.

A Economia Solidária constitui o fundamento de uma globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os cidadãos da Terra seguindo um caminho intergeracional de desenvolvimento sustentável na qualidade de sua vida.

1.O valor central da economia solidária é o trabalho, o saber e a criatividade humanos e não o capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas.
2.A Economia Solidária representa práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular.
3.A Economia Solidária busca a unidade entre produção e reprodução, evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a produtividade mas exclui crescentes setores de trabalhadores do acesso aos seus benefícios.
4.A Economia Solidária busca outra qualidade de vida e de consumo, e isto requer a solidariedade entre os cidadãos do centro e os da periferia do sistema mundial.
5.Para a Economia Solidária, a eficiência não pode limitar-se aos benefícios materiais de um empreendimento, mas se define também como eficiência social, em função da qualidade de vida e da felicidade de seus membros e, ao mesmo tempo, de todo o ecossistema.
6.A Economia Solidária é um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois apresenta alternativa viável para a geração de trabalho e renda e para a satisfação direta das necessidades de todos, provando que é possível organizar a produção e a reprodução da sociedade de modo a eliminar as desigualdades materiais e difundir os valores da solidariedade humana.

Princípios específicos

Por um sistema de finanças solidárias

1.Para a Economia Solidária o valor central é o direito das comunidades e nações à soberania de suas próprias finanças. São alguns dos elementos fomentadores de uma política autogestionária de financiamento do investimento do nível local ao nacional:
2.A nível local, micro, territorial: os bancos cooperativos, os bancos éticos, as cooperativas de crédito, as instituições de microcrédito solidário e os empreendimentos mutuários, todos com o objetivo de financiar seus membros e não concentrar lucros através dos altos juros, são componentes importantes do sistema socioeconômico solidário, favorecendo o acesso popular ao crédito baseados nas suas próprias poupanças.
3.A nível nacional, macro, estrutural: a descentralização responsável das moedas circulantes nacionais e o estímulo ao comércio justo e solidário utilizando moedas comunitárias; o conseqüente empoderamento financeiro das comunidades; o controle e a regulação dos fluxos financeiros para que cumpram seu papel de meio e não de finalidade da atividade econômica; a imposição de limites às taxas de juros e aos lucros extraordinários de base monopólica, o controle público da taxa de câmbio e a emissão responsável de moeda nacional para evitar toda atividade especulativa e defender a soberania do povo sobre seu próprio mercado.


Pelo desenvolvimento de Cadeias Produtivas Solidárias

A Economia Solidária permite articular solidariamente os diversos elos de cada cadeia produtiva, em redes de agentes que se apóiam e se complementam:

1.Articulando o consumo solidário com a produção, a comercialização e as finanças, de modo orgânico e dinâmico e do nível local até o global, a economia solidária amplia as oportunidades de trabalho e intercâmbio para cada agente sem afastar a atividade econômica do seu fim primeiro, que é responder às necessidades produtivas e reprodutivas da sociedade e dos próprios agentes econômicos.
2.Consciente de fazer parte de um sistema orgânico e abrangente, cada agente econômico busca contribuir para o progresso próprio e do conjunto, valorizando as vantagens cooperativas e a eficiência sistêmica que resultam em melhor qualidade de vida e trabalho para cada um e para todos.
3.A partilha da decisão com representantes da comunidade sobre a eficiência social e os usos dos excedentes, permite que se faça investimentos nas condições gerais de vida de todos e na criação de outras empresas solidárias, outorgando um caráter dinâmico à reprodução social.
4.A Economia Solidária propõe a atividade econômica e social enraizada no seu contexto mais imediato, e tem a territorialidade e o desenvolvimento local como marcos de referência, mantendo vínculos de fortalecimento com redes da cadeia produtiva (produçáo, comercialização e consumo) espalhadas por diversos países, com base em princípios éticos, solidários e sustentáveis.
5.A economia solidária promove o desenvolvimento de redes de comércio a preços justos, procurando que os benefícios do desenvolvimento produtivo sejam repartidos mais eqüitativamente entre grupos e países.
6.A economia solidária, nas suas diversas formas, é um projeto de desenvolvimento destinado a promover as pessoas e coletividades sociais a sujeito dos meios, recursos e ferramentas de produzir e distribuir as riquezas, visando a suficiência em resposta às necessidades de todos e o desenvolvimento genuinamente sustentável.


Pela construção de uma Política da Economia Solidária num Estado Democrático


1.A Economia Solidária é também um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade, a justiça econômica, social, cultural e ambiental e a democracia participativa.
2.A Economia Solidária estimula a formação de alianças estratégicas entre organizações populares para o exercício pleno e ativo dos direitos e responsabilidades da cidadania, exercendo sua soberania por meio da democracia e da gestão participativa.
3.A Economia Solidária exige o respeito à autonomia dos empreendimentos e organizações dos trabalhadores, sem a tutela de Estados centralizadores e longe das práticas cooperativas burocratizadas, que suprimem a participação direta dos cidadãos trabalhadores.
4.A economia solidária, em primeiro lugar, exige a responsabilidade dos Estados nacionais pela defesa dos direitos universais dos trabalhadores, que as políticas neoliberais pretendem eliminar.
5.Preconiza um Estado democraticamente forte, empoderado a partir da própria sociedade e colocado ao serviço dela, transparente e fidedigno, capaz de orquestrar a diversidade que a constitui e de zelar pela justiça social e pela realização dos direitos e das responsabilidades cidadãs de cada um e de todos.
6.O valor central é a soberania nacional num contexto de interação respeitosa com a soberania de outras nações. O Estado democraticamente forte é capaz de promover, mediante do diálogo com a Sociedade, políticas públicas que fortalecem a democracia participativa, a democratização dos fundos públicos e dos benefícios do desenvolvimento.
7.Assim, a Economia Solidária pode constituir-se em setor econômico da sociedade, distinto da economia capitalista e da economia estatal, fortalecendo o Estado democrático com a irrupção de novo ator social autônomo e capaz de avançar novas regras de direitos e de regulação da sociedade em seu benefício.


3. A Economia Solidária não é:


1.A economia solidária não está orientada para mitigar os problemas sociais gerados pela globalização neoliberal.
2.A Economia solidária rejeita as velhas práticas da competição e da maximização da lucratividade individual.
3.A economia solidária rejeita a proposta de mercantilização das pessoas e da natureza às custas da espoliação do meio ambiente terrestre, contaminando e esgotando os recursos naturais no Norte em troca de zonas de reserva no Sul.
4.A economia solidária confronta-se contra a crença de que o mercado é capaz de auto-regular-se para o bem de todos, e que a competição é o melhor modo de relação entre os atores sociais.
5.A economia solidária confronta-se contra a lógica do mercado capitalista que induz à crença de que as necessidades humanas só podem ser satisfeitas sob a forma de mercadorias e que elas são oportunidades de lucro privado e de acumulação de capital.
6.A economia solidária é uma alternativa ao mundo de desemprego crescente, em que a grande maioria dos trabalhadores não controla nem participa da gestão dos meios e recursos para produzir riquezas e que um número sempre maior de trabalhadores e famílias perde o acesso à remuneração e fica excluído do mercado capitalista.
7.A economia solidária nega a competição nos marcos do mercado capitalista que lança trabalhador contra trabalhador, empresa contra empresa, país contra país, numa guerra sem tréguas em que todos são inimigos de todos e ganha quem for mais forte, mais rico e, freqüentemente, mais trapaceiro e corruptor ou corrupto.
8.A economia solidária busca reverter a lógica da espiral capitalista em que o número dos que ganham acesso à riqueza material é cada vez mais reduzido, enquanto aumenta rapidamente o número dos que só conseguem compartilhar a miséria e a desesperança.
9.A economia solidária contesta tanto o conceito de riqueza como os indicadores de sua avaliação que se reduzem ao valor produtivo e mercantil, sem levar em conta outros valores como o ambiental, social e cultural de uma atividade econômica.
10.A Economia solidária não se confunde com o chamado Terceiro Setor que substitui o Estado nas suas obrigações sociais e inibe a emancipação dos trabalhadores enquanto sujeitos protagonistas de direitos. A Economia Solidária afirma, a emergência de novo ator social de trabalhadores como sujeito histórico.



junho de 2003, III Plenária Nacional da Economia Solidária

http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=63&Itemid=60

terça-feira, 21 de agosto de 2012

TRABALHO ESCRAVO

Trabalho e liberdade

O trabalho escravo atinge principalmente índios, negros, mulheres pobres e crianças


Marcelo Barros


CADA ANO, no dia 23 de agosto, a ONU celebra o dia internacional da lembrança do tráfico de escravos e de sua abolição. Durante toda a semana, acontecerão eventos e conferências sobre o assunto em vários países, principalmente naqueles mais marcados por essa terrível chaga da história que foi a escravidão negra. No entanto, até pelo título das comemorações da ONU, alguém pode pensar que se trata apenas de uma lembrança longínqua e uma memória do passado. Infelizmente não é essa a verdade.
Quando os escravos foram libertados, não receberam nenhuma indenização, nem ajuda para viver. Foram jogados nas ruas e favelas. Seus descendentes até hoje sofrem consequências dessa injustiça. Além disso, o racismo continua vigente em muitos países do mundo. A escravidão mudou apenas de forma. Embora ilegal, o tráfico de seres humanos permanece fonte de riqueza para máfias internacionais, especializadas em prostituição forçada e em migrantes clandestinos que lhes rendem dinheiro. Os escravagistas do século 21 não operam mais em navios negreiros e sim em jatos de última geração.
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os lucros provenientes do tráfico humano são de 32 bilhões de dólares por ano. No mundo de hoje, 12.3 milhões de pessoas já passaram por alguma forma de trabalho forçado ou de servidão. Destas,9.8 milhões foram exploradas por agentes privados, incluindo mais de 2.4 milhões em trabalho forçado resultante do tráfico humano. Os dados mais elevados encontram-se na Ásia, com cerca de 9.4 milhões, seguidos de aproximadamente 1.3 milhões na América Latina e nas Caraíbas, e de pelo menos 360.000 nos países industrializados e considerados do “primeiro mundo”. Perto de 56 % das pessoas vítimas de trabalho forçado são mulheres e jovens menores de idade.
Quanto à escravidão no campo, em países como a República Dominicana, o Paraguai e mesmo o Brasil, a cada dia, aparecem denúncias de novos casos, descobertos e constatados. Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra, em 2011, se registraram no Brasil 249 casos de trabalho escravo em fazendas e empresas rurais, com 4348 pobres trabalhadores que viviam como escravos. Desses, foram resgatados e libertados pela fiscalização federal 2505 pessoas. E as outras? A maioria desses casos aconteceu no Pará, em Goiás, em Minas Gerais e Maranhão. Algumas fazendas são distantes de tudo e perdidas no nada das terras ocupadas no Oeste, mas outras estão bem próximas da chamada civilização. De acordo com esses dados, muitas indústrias de ferro e aço empregam mão de obra escrava, assim como há uma relação estreita entre o desmatamento da Amazônia e o emprego de trabalho forçado. E isso para falar somente do campo.
Em pleno centro de São Paulo, indústrias de fundo de quintal e empresas de tecelagem empregam bolivianos em situação ilegal e obrigados a morar no lugar de trabalho, com horários extenuantes e sem salários fixos. Trabalham para pagar dívidas que crescem ininterruptamente e exigem mais trabalho.
Há cinco anos, o governo federal e alguns organismos da sociedade civil elaboraram um pacto nacional para a erradicação do trabalho escravo. Essas medidas têm ajudado, mas a má erva precisa ser extirpada na semente e nas raízes. A raiz da escravidão é o sistema social que perpetua a desigualdade social e considera o dinheiro mais importante do que a vida. O trabalho escravo atinge principalmente índios, negros, mulheres pobres e crianças. Ele atenta contra a dignidade das vítimas, mas também de toda a sociedade que convive com uma barbaridade dessas.
O trabalho escravo ainda persiste porque os que o praticam encontram pessoas com tal fragilidade social que se tornam mais vulneráveis a isso. Cada um/uma de nós é responsável por criar uma cultura, na qual esse tipo de crime se torne impossível. Principalmente, quem está ligado a alguma tradição espiritual deve assumir esse compromisso pela justiça como testemunho de sua fé em um Espírito que é amor e ternura solidária. Há muitos anos, um poeta escreveu: “Quem trabalha pelo pão de cada dia, faz avançar no mundo o projeto divino. Quem varre a rua e recolhe o lixo está preparando o reino de Deus”.

Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo.


http://www.brasildefato.com.br/sites/default/files/BDF_494.pdf

(de 16 a 22 de agosto de 2012)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Para pensar: Porque num país onde o conceito de “raça não existe” e tem o racismo como crime inafiançável, ainda persiste as desigualdades raciais?

Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural, trata-se, ao contrário de, um conceito que se denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção especifica de natureza, como algo endoterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social [...] ( GUIMARÃES, 1999 apud GOMES, 2005, p. 48).

VEJA O VÍDEO "The Unequal Opportunity Race", disponível em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vX_Vzl-r8NY&fb_source=message

Desigualdades Raciais: Perspectivas teóricas

1.º -Preconceito de classe sem preconceito racial

“ Não existe castas baseadas na raça; existem somente classes. Isto não quer dizer que não exista algo que se possa chamar propriamente de “preconceito”, mas sim que o preconceito é de classe e não de raça”. Donald Pierson (1945)


2ª Realidade e especificidade do preconceito racial

"[...] Qualquer indivíduo de cor poderá citar exemplos sucessivos, [...] os quais mostram como a situação de fato não coincide com a situação idealizada, enfim, como a sociedade nacional restringe a mobilidade social de negros e mulatos e lhes reserva humilhações e dissabores de que os brancos, em igualdade de condições, estão isentos" . Oracy Nogueira (1998)


3ª Medindo os efeitos do preconceito racial

"Os Brancos são mais eficientes em converter experiência e escolaridade em retornos monetários enquanto que os não–negros sofrem desvantagens crescentes ao tentarem subir a escada social. De qualquer forma, nossos resultados indicam que as hipóteses tradicionais encontradas na literatura brasileira devem ser rejeitadas como implausíveis e permitem questionar seriamente a idéia de uma democracia racial brasileira, um mito que tem provado ter sua extraordinária resiliência". Nelson do Valle Silva ( 1978)

Políticas de ações afirmativas:

* Combate ao racismo institucional

* Ações afirmativas e acesso ao ensino superior

* Ações valorativas e o combate às desigualdades no ensino Fundamental e médio


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JACCOUD, L. O combate ao racismo e à desigualdade: o desafio das políticas públicas de promoção da igualdade racial. In: THEODORO,M. (org) As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos de abolição. Brasília: IPEIA, 2008, p.135- 170.

OSÓRIO, R.G. Desigualdade racial e mobilidade social no Brasil: um balanço das teorias. In: THEODORO,M. (org) As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos de abolição. Brasília: IPEIA, 2008, p.69-100

PAIXÃO, M. A dialética do bom aluno: relações raciais e o sistema educacional brasileiro. Rio de Janeiro. FGV,2008. 104p.

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVAS

Um ideal de democracia
Yvonne Maggie

O Brasil, como todos nós sabemos, é um país desigual e injusto, onde os mais desafortunados têm, desgraçadamente, muito menos oportunidades do que os mais aquinhoados pela riqueza e pela herança educacional.
Sobretudo a partir dos anos 1990, alguns setores do governo brasileiro e grupos organizados em Ongs, ansiosos por um atalho que conduzisse a maior justiça, propuseram a criação de leis raciais que nos levassem mais rápido ao fim das desigualdades. Tal atalho foi construído sobre o argumento de que o racismo é um dos fatores mais importantes na produção das desigualdades da nossa sociedade.
Quero, nos limites desta comunicação, afirmar que a proposta de instituir leis raciais não tem o objetivo de combater desigualdades.
Quem pagará a conta de uma política pública de alto risco como esta?
A proposta que se apresenta hoje, a política de cotas raciais, colocará o peso e a responsabilidade das mudanças nos ombros dos já tão sofridos e tão despossuídos em nossa sociedade. Tenho observado ao longo dos últimos anos as escolas públicas do Rio de Janeiro onde estão os mais pobres estudantes do estado. Estas escolas formam a maior parte da pequena parcela de jovens brasileiros que termina o ensino médio e são, portanto, candidatos às cotas raciais e estão repletas de crianças e jovens de todas as cores, majoritariamente pretas e pardas conforme a definição do IBGE.
Nelas existe entre os estudantes um sentimento de igualdade forjado no dia a dia da vida escolar e um desprezo em definir as pessoas a partir da cor da sua pele. Ao longo da minha pesquisa nessas escolas do Rio de Janeiro, perguntei aos jovens estudantes se na escolha de seus namorados ou amigos levavam em conta a cor. A maioria esmagadora respondeu que isso era irrelevante. A observação de campo ao longo dos últimos cinco anos do cotidiano dessas escolas mostra, além disso, que os estudantes, como a maioria dos brasileiros, preferem não levar em consideração a cor na hora de escolher amigos ou parceiros. São estudantes misturados na cor, fruto do que já foi detectado ao longo dos últimos censos, o aumento dos casamentos mistos em relação ao total de casamentos.
Pensando nessas escolas e seus estudantes, pergunto: Qual o sentido de se escolher uma política que defina “raça” como critério de distribuição de justiça e definição de cidadania? As leis raciais serão criadas para serem seguidas pela população jovem e pobre das escolas públicas. No entanto, um olhar atento para estas classes onde estudam jovens e crianças de camadas sociais baixas torna evidente que uma política que proporcionasse maiores oportunidades de acesso ao nível universitário aos pobres, produziria efeito mais radical no sentido de colorir o cenário claro e rico das salas de aula das universidades públicas. E com uma grande vantagem: os estudantes não seriam obrigados a se definir e a serem definidos pela cor da sua pele.
A realidade dos princípios
Em um país onde a maioria do povo se vê misturada, como combater as desigualdades com base em uma interpretação do Brasil dividido em “negros” e “brancos”? O primeiro passo já foi dado com a criação da lei que instituiu o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira em todas as escolas públicas e privadas do ensino básico do País. Quem seria contra ensinar a história dos “negros” no Brasil e a história da África? Quem se oporia a contar a história da cultura afro-brasileira? A iniciativa de introduzir esta disciplina é em si importante, porém está envolta em uma trama maquiavélica. Regulamentada pelas Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana orienta os professores sobre como ensinar as relações étnico-raciais e infundir nos estudantes o que é chamado de “orgulho étnico”. Trata-se de ensinar aos brasileiros que eles não são cidadãos iguais, mas diversos e merecedores de direitos diferenciados segundo a sua “raça”, que algumas vezes é mencionada abertamente, outras eufemisticamente com a categoria “etnia”.
Este instrumento legal exarado pelo Ministério da Educação vai contra todo e qualquer senso de razoabilidade. Conclamo os senhores ministros a se deterem por alguns minutos na leitura desse chamamento ao “orgulho étnico” e a explícitas ameaças de revanche pelo passado escravista. Certamente, os ministros ao lerem essas Diretrizes compreenderão o intuito de ser ensinado aos alunos aquilo que estes nunca deveriam aprender na escola: que há “raças” humanas e que os brasileiros se dividem em brancos opressores e “negros” oprimidos. Pretende-se ensiná-los a se definirem a partir da cor de sua pele e “esclarecer” os estudantes acerca do “equívoco quanto a uma identidade humana universal”, como está escrito no documento. As Diretrizes são o instrumento mais eficaz para criar classes divididas em jovens pobres brancos e “negros”, que deverão sentir-se pertencentes a “comunidades étnicas”. Depois de divididos, poderão então lutar entre si por cotas, não pelos direitos universais, mas por migalhas que sobraram do banquete que continuará sendo servido à elite.
Estas Diretrizes são, sem qualquer sombra de dúvida, a estrela-guia de um pequeno grupo de organizações não governamentais encastelado no poder, querendo impor ao Brasil políticas já experimentadas em outras partes do mundo e que trouxeram mais dor do que alívio. As Diretrizes vão nos tirar do rumo que fez o Brasil ser um dos raros países a não escolher o caminho de legislar por meio da “raça”. Não serão mais os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos servir de guia para os mais jovens.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal ao analisarem a constitucionalidade das leis raciais e das cotas na UnB terão de decidir agora o caminho a seguir. Há apenas dois: ou seguem os princípios expressos pelas Diretrizes acima citadas e decidem que o Brasil deve trilhar o caminho da separação dos cidadãos e dos jovens, legalmente, em “raças”, ou, ao contrário, seguem os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Brasileira que afirma a igualdade dos cidadãos.
O princípio de realidade
Infelizmente os proponentes das leis raciais querem o caminho traçado pelas Diretrizes mencionadas acima, embora este não seja o caminho demandado pelo povo brasileiro. E tem mais. Este mal, este ovo da serpente da separação dos estudantes em “raças”, se fará por tão pouco. Bastaria oferecer cotas para estudantes pobres porque eles são majoritariamente pretos e pardos, com a vantagem de não carimbar em suas testas a marca da cor e o estigma que certamente lhes será imposto. Dados elaborados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (Pnad) indicam que se fizermos esta escolha o número de pretos e pardos beneficiados será muito maior do que se escolhermos o caminho de separar os estudantes em brancos e “negros” legalmente. Se o foco da política for sobre os estudantes pobres, os mais beneficiados serão os “negros”, pois estes representam 56,1% do universo de estudantes pobres, o que supera sua participação percentual na população, em torno de 48%.
Fica evidente que o movimento pró-cotas raciais não está interessado em promover a justiça social e muito menos em diminuir as desigualdades. Seu objetivo é produzir identidades raciais bem delimitadas fazendo os brasileiros optarem pelo mesmo sistema dos países que adotaram leis raciais como os EUA, Ruanda e África do Sul. E não se iludam os que pensam que as leis raciais serão temporárias. Elas virão para ficar e irão se espalhar, como erva daninha, em todas as instituições, na mente e no coração dos brasileiros transformados em cidadãos diversos e legalmente definidos pela cor de sua pele.
Uma história retirada dos anais do esporte talvez sirva para explicar a mudança pretendida por estes grupos que lutam ferozmente pelas leis raciais e também o seu sentido.
Em 1959 o clube de futebol Portuguesa Santista excursionava pela África e iria se apresentar na África do Sul. No dia do jogo, quando o escrete santista estava pronto para entrar em campo, o dirigente do time adversário da África do Sul apareceu inesperadamente. Não era uma visita de cortesia, pois vinha informar que os jogadores “negros” não poderiam participar da partida porque assim determinavam as leis do país. Os membros do time brasileiro, em uníssono, disseram que ou jogavam todos ou nenhum, se recusando a participar do certame. Nesta hora o cônsul do Brasil interveio anunciando oficialmente a posição do Governo brasileiro que não admitia nem o racismo e nem o regime do apartheid. O presidente Juscelino Kubitscheck enviou telegrama ao Governo sul-africano manifestando-se contra o regime vigente naquele país. O time saiu do estádio e não houve jogo. Com esta atitude oficial o Brasil se tornou o primeiro país fora da África a protestar contra o regime do apartheid. Alguns dos jogadores entrevistados, recentemente, disseram com emoção que os brasileiros não aceitavam racismo nem no esporte nem fora dele e menos ainda a divisão dos cidadãos em “raças”.
Outra história do esporte, desta vez ocorrida na África do Sul com a vitória de Mandela nas eleições presidenciais, mostra a diferença entre aqueles jogadores santistas de 1959 e os sul-africanos após o fim do regime do apartheid. A famosa história do rugby contada em recente filme de Clint Eastwood, Invictus, mostra bem esta diferença! Nelson Mandela, sabiamente, usou a simbologia do esporte para unir os sul-africanos em torno do time de rugby que levava as cores da África do Sul sob o regime do apartheid. Aquele esporte e seus jogadores eram odiados pelos “negros” que foram as vítimas do regime que fez da África do Sul a escória do mundo. Que força representou a entrada de Nelson Mandela no estádio vestido com o uniforme e o boné verde e dourado do tradicional time de rugby transformado agora em escrete da África do Sul? Conclamando os jogadores e o povo a lutar pela África do Sul, nação arco-íris, e não mais viver a dor de uma nação dividida, naquela memorável Copa do Mundo do esporte, em Johanesburgo em 1995, o presidente fez muito contra as divisões étnicas no seu país, até hoje sangrando em consequência delas.
Os dois estadistas mencionados acima buscaram a união de cidadãos e combateram o afastamento deles em nome de identidades étnicas ou raciais. No entanto, como nenhuma política é perfeita, a África do Sul ainda sofre as consequências do regime criador de identidades étnicas e “raças” e o Brasil, nunca tendo apartado legalmente cidadãos em nome de identidades étnicas ou raciais, tem muito a fazer para aperfeiçoar o nosso ideal de não racismo. Porém o governo brasileiro, infelizmente, não está cumprindo sua obrigação e tenta impor uma lei que separa os cidadãos uns dos outros em nome da “raça”. O que hoje está sendo proposto é o caminho inverso feito pela África do Sul de Nelson Mandela. Nelson Mandela, depois de 27 anos na prisão, buscou a trilha da igualdade pela destruição de identidades raciais e étnicas forjadas legalmente ao longo de anos de dominação do regime do apartheid.
O Brasil, que conseguiu a façanha de não criar essas terríveis identidades étnicas insuperáveis não é o mesmo que quer agora criá-las para combater desigualdades. A justiça que os brasileiros desejam não se baseia na separação entre afrodescendentes e eurodescendentes. Os brasileiros não querem abandonar o ideal de uma nação arco-íris, que se expressa há tantos anos a ponto de sermos um país de 43% de autodeclarados pardos, ou seja, misturados, nem brancos e nem pretos, um gradiente de cor que aproxima em vez de separar.
Será mesmo sábio fazer o caminho inverso da África do Sul e criar primeiro um regime de separação legal para depois tentar reunificar os cidadãos? Não seria mais prudente reforçar nossa noção de igualdade e nosso ideal de democracia tão bem representados na tocante história dos jogadores do time da Portuguesa Santista na África do Sul?
Disse, nos limites desta minha comunicação, e reafirmo nas minhas palavras finais: os que hoje propõem um Brasil dividido em “raças” ou querem criar dois Brasis, estão no caminho errado. Estão errados porque propugnam, justamente, criar etnias onde havia uma nação de brasileiros e onde todos se pensavam como uma única raça humana, no dizer dos incontáveis pais que anualmente respondem ao censo escolar que os obriga a definir seus filhos segundo uma “raça”.

Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2010

DISCUSSÃO E TRAJETÓRIA DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA E RESERVA DE VAGAS NO ENSINO SUPERIOR

Intervenção do Professor Kabengele Munanga
Representando o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo
04 de março de 2010 – às 9h45min

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Excelentíssimo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski por me ter habilitado para representar nesta Audiência Pública, o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo.
Bem, eu ingressei no Programa de Pós-Graduação em ciências sociais da Universidade de São Paulo em 1975. Fui o primeiro negro a concluir o doutorado em antropologia social nessa universidade em 1977. Por mera coincidência, esse primeiro negro era oriundo do continente africano e não do próprio Brasil. Três anos depois, ingressei na carreira docente na mesma instituição, no atual Departamento de Antropologia onde fui o primeiro e o único negro professor, desde sua fundação. Daqui a três anos, estarei compulsoriamente me aposentando, sem ainda vislumbrar a possibilidade do segundo docente negro nesse Departamento.
Creio que esta é a história dos brasileiros afrodescendentes, não apenas nas universidades, mas também em outros setores da vida nacional que exigem formação superior para ocupar cargos e postos de comando e responsabilidade. Geralmente são ausentes ou invisíveis nesses postos e cargos. Quando se tem um, é sempre o primeiro e o único raramente o segundo e o terceiro. Encontrar três ou quatro juntos numa mesma instituição já é motivo de festa! Esse quadro é considerado como gritante quando comparado ao dos outros países que convivem ou conviveram com as práticas racistas como os Estados Unidos e a África do Sul. Os dados ao nosso conhecimento mostram que na véspera do fim do regime do apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma superior que o Brasil de hoje, incluindo o líder da luta antiapartheid, Nelson Mandela. Só este exemplo basta para mostrar que algo está errado no país da “democracia racial” que precisa ser corrigido.
Daí o sentido e a razão de ser das políticas de ação afirmativa ou de reservas de vagas nas universidades públicas nacionais cujo processo se desencadeou principalmente após a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo realizada na África do Sul, em 2001.
Nos últimos oito anos, a começar pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro (UERJ) e do Norte Fluminense (UENF) onde a política de cota foi implementada por meio de uma lei aprovada em 2001 na Assembléia Estadual do Rio de Janeiro, dezenas de universidades públicas federais e estaduais adotaram o sistema de cotas a partir da decisão de seus órgãos internos e conselhos universitários. Contrariando todas as previsões escatológicas daqueles que pensam que essa política provocaria um racismo ao contrário, conseqüentemente uma guerra racial devido à racialização de todos os aspectos da vida nacional, a experiência brasileira destes últimos anos mostra totalmente o contrário. Não houve distúrbios e linchamentos raciais em nenhum lugar como não apareceu nenhum movimento Ku Klux Klan à brasileira, prova de que as mudanças em processo estão sendo bem digeridas e compreendidas pelo povo brasileiro. Mais do que isso, as avaliações feitas até o momento comprovam que apenas nesses últimos oito anos da experiência das políticas de ação afirmativa, houve um índice de ingresso e de diplomados negros e indígenas no ensino superior jamais alcançado em todo o século passado.
O que se busca pela política de cotas para negros e indígenas, não é para ter direito às migalhas, mas sim para ter acesso ao topo em todos os setores de responsabilidade e de comando na vida nacional onde esses dois segmentos não são devidamente representados como manda a verdadeira democracia. A educação e formação profissional, técnica, universitária e intelectual de boa qualidade oferece a chave e a garantia da competitividade entre todos os brasileiros. Neste sentido, a política de cotas busca a inclusão daqueles brasileiros que por razões históricas e estruturais que têm a ver com nosso racismo à brasileira, encontram barreiras que a educação e formação superior podem em parte remover. Infelizmente, alguns invertem a lógica da proposta e veem na política de cotas a possibilidade de uma fratura da sociedade. Outros confessam que têm medo, mas medo de quê? De errar ou de acertar? Uma sociedade que quer mudar não deve ter medo de conflitos, pois não há mudança possível sem erros e sem conflitos, penso eu.
As tragédias de Ruanda devidas aos conflitos etnicopolíticos nada têm a ver com a implantação das políticas de ação afirmativa nas universidades brasileiras. É fabulação a insinuação de que o Brasil se tornaria um segundo Ruanda. Os conflitos no Ruanda, no Burundi e na atual República Democrática do Congo são consequências da política colonial belga que historicamente criou oposição entre etnias no espírito de dividir para dominar. Portanto, a relação entre Ruanda e o Brasil aludindo às políticas de ação afirmativa em benefício de afrodescendentes e indígenas é um álibi ideologicamente forçado para se opor às mudanças institucionais em matéria de recrutamento dos alunos.

Alguns obstáculos propositalmente colocados sobre as chances de sucesso das políticas de cotas se fizeram entender desde o início do processo em 2002. Felizmente, foram, no decorrer do tempo e do processo, removidos um a um pela própria prática e experiência das cotas nas universidades que as adotaram. Dizia-se no início que era difícil definir quem é negro ou afrodescendente por causa da intensa miscigenação ocorrida no país desde o seu descobrimento. Falsa dificuldade, porque a própria existência da discriminação racial antinegro é prova de que não é impossível identificá-lo. Existem evidentemente casos limites que mereceriam uma atenção desdobrada para não se cometer erros, casos esses que dependem da auto identificação dos candidatos. A bem de verdade, não houve dúvidas sobre a identidade da maioria dos estudantes brasileiros que ingressaram na universidade através das cotas. Diz-se também, que essa política é importada, em vez de ser uma solução nacional, baseada na realidade brasileira. Ora, sabemos todos que na história da humanidade nenhum povo inventa a totalidade de suas soluções. Nesse sentido, parte importante de nossos modelos, seja no campo do pensamento, ciência, tecnologia, político, jurídico, etc., foi inspirada em ou importada de outros países onde obtiveram sucesso. A questão fundamental é saber reinterpretá-las e adaptá-las a nossas realidades antes de nos apropriarmos delas. Penso que não devemos sucumbir-nos ao sofismo diante de uma desigualdade racial tão gritante em matéria de educação entre brasileiros.
Dizia-se também que a política das cotas violaria o princípio do mérito segundo o qual na luta pela vida os melhores devem ganhar. Pois bem, os melhores são aqueles que possuem armas mais eficazes, que em nosso caso seriam alunos oriundos dos colégios particulares melhor abastecidos. Os outros, que socialmente não nasceram com essas possibilidades, que se conformem! Finalmente, alegou-se que a política das cotas iria prejudicar o princípio de excelência muito caro para as grandes universidades. Mas, felizmente, também as avaliações feitas sobre o desempenho dos alunos cotistas na maioria das universidades que aderiram ao sistema, não comprovou a catástrofe. Surpreendentemente, os resultados do rendimento acadêmico desses alunos foram iguais e até mesmo superiores. Nem tampouco baixou o nível de excelência dessas universidades.
Sobrou apenas uma acusação, que explica nossa presença nesta Magna Casa: a inconstitucionalidade da política de ação afirmativa para indígenas e afrodescendentes. Pois bem! Seria descabível e até mesmo um contrasenso da minha parte, pela minha formação como antropólogo, ter a ousadia e o atrevimento para defender a constitucionalidade da política das cotas numa casa composta pelos especialistas da Lei e das leis e diante de juristas altamente qualificados e conceituados para defender a constitucionalidade ou acusar a inconstitucionalidade das cotas com competência e propriedade. Como não me considero um franco atirador, prefiro ser aluno e repetir fielmente o que alguns juristas, inclusive nesta Casa, já disseram a respeito.
Escreve Sidney Madruga, Procurador da República, em seu livro “Discriminação Positiva: Ações Afirmativas na Realidade Brasileira”:

A distinção entre o princípio da isonomia formal e substancial ou material, sobressai ante o tema das ações afirmativas, as quais, como destaca Mônica de melo, buscam revigorar o princípio da igualdade a partir de sua ótica material, da efetiva igualdade entre todos (...) [p.32] A igualdade formal seria a igualdade perante a lei. Ante a lei todos somos iguais sem distinção [op.cit.]. A igualdade substancial, portanto, é a busca da igualdade de fato, da efetivação, da concretização dos postulados da igualdade perante a lei (igualdade formal) (...) [p.41] – Ainda assim, não se pode falar em desconexão, mas numa diferenciação entre a igualdade formal e substancial, p.42 A isonomia constitucional, registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Hédio Silva Jr, também abarca desigualações, a fim de promover o bem de todos. Vale dizer, o princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento, vedando apenas aquelas diferenciações arbitrárias. Vê-se, portanto, conforme atesta Maria Garcia, que a igualdade traz em seu bojo um conceito relativo e relacional. Relativo, pois não pode ser compreendido num sentido absoluto; isto é, a máxima “todos são iguais perante a lei” passa a ser entendida como a composição de duas afirmações distintas, a saber: o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente, na medida exata de sua diferença (...) [p. 49-50].
Assim, igualdade tanto é não discriminar, como discriminar em busca de uma maior igualização (discriminar positivamente) [p.50].

Na interpretação de muitos, essa concretude de direitos passa pela implementação de ações afirmativas, que vão além das barreiras a condutas antidiscriminatórias, em desfavor de grupamentos humanos discriminados. Note-se, ainda, que a discriminação positiva não tem apenas o escopo de prevenir a discriminação, na medida em que, como possui duplo caráter, qual seja o reparatório (corrigir injustiças praticadas no passado) e o distributivo (melhor repartir, no presente, a igualdade de oportunidades) direcionados, principalmente para áreas da educação, da saúde e do emprego. Os pronunciamentos de alguns ministros desta Casa são claríssimos e sem nenhuma ambigüidade sobre este assunto.
Para concluir, penso que existe um debate na sociedade que envolve pensamentos, filosofias, representações do mundo, ideologias e formações diferentes. Esse pluralismo é socialmente saudável, na medida em que pode contribuir para a conscientização de seus membros sobre seus problemas e auxiliar a quem de direito, na tomada de decisões esclarecidas. Este debate se resume a duas abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual existe uma natureza comum a todos os seres humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnia, cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato, concebido como democrático. De fato, esse humanismo abstrato se opõe ao reconhecimento público das diferenças entre brancos e não brancos, entre homens e mulheres, jovens, crianças e adultos. As melhores políticas públicas, capazes de resolver as mazelas e as desigualdades da sociedade brasileira, deveriam ser somente macrossociais ou universalistas. Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do Estado que introduza as diferenças para lutar contra as desigualdades, é considerada, nessa abordagem, como um reconhecimento oficial das raças e, conseqüentemente, como uma racialização do Brasil, cuja característica dominante fundante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as políticas de reconhecimento das diferenças poderiam incentivar os conflitos raciais que, segundo postula, nunca existiram. Nesse sentido, a política de cotas é uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz consolidada pelo mito de democracia racial.
A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o racismo como produção do imaginário destinado a funcionar como uma realidade a partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu corpo mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social. Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico, tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma legitimidade racional, essa realidade social da raça que continua a passar pelos corpos das pessoas não pode ser ignorada.
Grosso modo, eis as duas abordagens essenciais que nos dividem: intelectuais, estudiosos, midiáticos, ativistas e políticos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Ambas produzem lógicas e argumentos inteligíveis e coerentes, numa visão que eu considero maniqueísta. A melhor abordagem, do meu ponto de vista, seria aquela que combina a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. Para ser um cidadão do mundo, é preciso ser, antes de mais nada, um cidadão de algum lugar, observou Milton Santos num de seus textos. A cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e, conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana. A estratégia que obriga a tornar as diferenças salientes em todas as circunstâncias obriga a negar as semelhanças e impõe expectativas restringentes. No entanto, a discussão fica empobrecida quando se busca um posicionamento para saber se “essa desigualdade na igualdade” é bom ou ruim, pois a sociedade não funciona de maneira binária (ou isso ou aquilo) própria dos desajustados maniqueístas, mas sim na permanente tensão entre diferentes forças Visto deste ângulo, não creio que haja lei capaz de suprimir a mestiçagem ou de instituir a raça na sociedade brasileira, até porque não e isso que a lei busca. As ações afirmativas nos Estados Unidos e na Índia não foram para criar raças ou castas que já existiam antes naquelas sociedades. As leis que proibiram os intercursos sexuais entre brancos e negros nos Estados Unidos e na África do Sul em busca da pureza racial, não tiveram o êxito que delas se esperavam. A constituição da Índia de 1950 aboliu o sistema de castas naquele país, embora, passados 60 anos, ele continue a vigorar na prática, prova de que as leis sozinhas não resolvem todos os problemas de uma sociedade. As políticas de ação afirmativa foram implementadas nesses países para corrigir os efeitos negativos acumulados e presentes causados pelas discriminações e sobretudo pelo racismo institucional. Creio que isso é também a lógica dessa política no Brasil que defendemos.
Se a questão fundamental é como combinar a semelhança com a diferença para podermos viver harmoniosamente, sendo iguais e diferentes, por que não podemos também combinar as políticas universalistas com as políticas diferencialistas? Diante do abismo em matéria de educação superior, entre brancos e negros, brancos e índios, e levando-se em conta outros indicadores sócio-econômicos provenientes dos estudos estatísticos do IBGE e do IPEA, os demais índices do desenvolvimento humano provenientes dos estudos do PNUD, as políticas de ação afirmativa se impõem com urgência, sem que se abra mão das políticas macrossociais.
Não conheço nenhum defensor das cotas que se oponha à melhoria do ensino público. Pelo contrário, os que criticam as cotas e as políticas diferencialistas se opõem categoricamente a qualquer política de diferenciação por considerá-las a favor da racialização do Brasil. As leis para a regularização dos territórios e das terras das comunidades quilombolas, de acordo com o artigo 68 da Constituição, as leis 10639/03 e 11645/08 que tornam obrigatório o ensino da história da África, do negro no Brasil e dos povos indígenas; as políticas de saúde para doenças específicas da população negra como a anemia falciforme, etc., tudo isso é considerado como racialização do Brasil, e virou motivo de piada. Para alguns, a defesa da melhoria da escola pública é apenas um bom álibi para criticar as políticas focadas de ação afirmativa.
Creio, Senhor Ministro, que uma política que integre os cidadãos brasileiros, que por motivos históricos e estruturais vinculados à ideologia racista, não deveria ser considerada anticonstitucional, ou como uma política que divide a sociedade brasileira. Mas como não há unanimidade em matéria de interpretação das leis e da Carta magna da nação brasileira resta, para nós, as pessoas comuns, apenas a esperança de que os que de direito possam nos oferecer a sentença que desejamos.
Muito lhe agradeço, Senhor Ministro, pela oportunidade de defender, sem medo de errar, os interesses de um segmento importante da sociedade brasileira, que são também os interesses do Brasil.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Bauman e a "Modernidade Líquida"

NADA É FEITO PARA DURAR

O Altruísmo e o pensamento a longo prazo ainda tem lugar no Mundo Contemporâneo?

“Onde não há pensamento a longo prazo, dificilmente pode haver um senso de destino compartilhado, um sentimento de irmandade, um impulso de cerrar fileiras, ficar ombro a ombro ou marchar no mesmo passo.” (Z. Bauman. Vidas desperdiçadas – Texto 3, Fuvest 2011)

A modernidade imediata é "leve", "líquida", "fluida" e infinitamente mais dinâmica que a modernidade "sólida" que suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana.



MODERNIDADE “SÓLIDA”

Tem início com as transformações clássicas (séc. XVII em diante) e o advento de um conjunto estável de valores e modos de vida cultural e político.

X

MODERNIDADE LÍQUIDA

Tudo é volátil, as relações humanas não são mais tangíveis e a vida em conjunto, familiar, de casais, de grupos de amigos, de afinidades políticas e assim por diante, perde consistência e estabilidade.



Trecho de O Manifesto do Partido Comunista (1848) de K. Marx e F. Engels

A burguesia não pode existir sem revolucionar, constantemente, os instrumentos de produção e, desse modo, as relações de produção e, com elas, todas as rela­ções da sociedade. A conservação dos antigos modos de produção de forma inalterada era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as antigas class­es sociais ( ... ). A revolução constante da produção, os distúrbios ininterruptos de todas as condições sociais, as incertezas e agitações permanentes distinguiram a época burguesa de todas as anteriores. Todas as relações firmes, sólidas, com sua série de preconceitos e opiniões antigas e veneráveis, foram varridas, todas as novas tornaram-se antiquadas antes que pudessem se ossificar. Tudo que é sólido se desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e o homem é, finalmente, compelido a enfrentar de modo sensato suas condições reais de vida e suas relações com seus semelhantes.