terça-feira, 27 de julho de 2010

Da palmada à tortura e a outros tipos de violência

Colunistas| 26/07/2010

DEBATE ABERTO

Da palmada à tortura e a outros tipos de violência

Nem todos os que foram brutalizados na infância se transformam em pessoas violentas e perigosas. O resultado pode ser outro. O castigo físico imposto às crianças, além de provocar possíveis danos físicos, acarretam danos psicológicos, levando, por exemplo, ao aparecimento de adultos inseguros e incapazes de construírem suas próprias vidas.

Luís Carlos Lopes

Não casualmente, o atual projeto de lei do Executivo que penaliza pais que batem em seus filhos gerou amplas controvérsias. As reações vieram de toda parte, principalmente das famílias conservadoras de todo gênero e classe social que acreditam, ainda, na lógica da violência como estratégia de educar seus rebentos. A maioria destas vêm usando de mil e um subterfúgios para legitimar a velha prática brasileira de maltratar seus filhos em nome da ‘boa educação’.

Está-se longe da ótica da delicadeza, cantada em prosa e verso, pelos poetas populares da mais recente modernidade do país, desenvolvida a partir da década de 1960. Este modo de ver o problema jamais alcançou a todos e, hoje, parece ter submergido, como um artefato considerado ultrapassado pelos adeptos da barbárie de sempre. A idéia de usar a palavra e o entendimento mútuo, no lugar da força, no processo educacional familiar, vem perdendo espaço frente ao forte conservadorismo social do tempo presente.

Os que reclamam que a violência verbal foi excluída estão parcialmente certos. Contudo, os que assim se postam, também estão em uma posição desfavorável, por várias razões. Isto porque, comumente, a violência verbal é a porta de entrada na ação direta, onde os fortes torturam os fracos. É difícil separar uma coisa da outra. O constrangimento que começa no verbo acaba de algum modo chegando a algum dano físico, por mais que ele seja escamoteado ou negado.

Estão certos os poucos que lembram que o problema não pode ser resolvido integralmente pelo edifício jurídico nacional. Existe uma forte diferença entre a letra da lei e a prática da mesma. O diploma legal pode ser rejeitado pelo tecido social ou aplicado pelo Estado de modo equivocado. Tudo isto é verdade. Tem-se o exemplo da lei Maria da Penha que não tem impedido crimes rumorosos, cometidos contra as mulheres brasileiras. Todavia, um dos seus méritos foi o de fixar o clamor dos que não acham nada natural e aceitável a violência contra o segundo sexo. Outro, mais importante, foi o de dar às mulheres vítimas da violência androcêntrica um mecanismo de defesa, mesmo que imperfeito e incompleto.

A existência de leis que penalizem os crimes de ódio social é sempre algo a ser comemorado. Tem-se, no Brasil, uma das mais radicais leis antiracistas do mundo. Alguns poderão dizer com razão, que elas não eliminaram o racismo do cenário nacional. Todavia, constata-se que no plano público o racismo está acuado. As leis, quando são progressistas, têm um forte impacto, mesmo que a sociedade seja reativa e tente impedir que elas sejam lembradas e aplicadas. Não é por acaso que os regimes autoritários são igualmente os que desenvolvem mecanismos legais ultraconservadores, para destruir direitos democráticos e impor a lógica do poder.

Presentemente, os racistas têm enorme dificuldade de se manifestar fora do âmbito privado. Em um exemplo, não se encontram mais nos jornais os anúncios de emprego que pediam pessoas de ‘boa aparência’, isto é, brancas. As forças vivas antiracistas brasileiras podem se apoiar nas leis para exigir direitos e mudanças. O mesmo expediente, aplicado à questão do direito das crianças a não-violência, consistiria em um instrumento a mais na luta pela modernização das relações entre pais e filhos. Na mesma direção, espera-se para breve, a lei sobre a alienação parental.

O Brasil é tributário de um passado escravista colonial. Nele, a tortura do escravo ‘organizava’ a vida social. A família senhorial não dava direitos humanos expressivos às mulheres e aos filhos. Os jesuítas, primeiros organizadores de nossos sistemas educacionais, defendiam a idéia de que com ‘sangue a letra entra’, isto é, a educação de crianças e adolescentes deveria ser acompanhada pela palmatória e muitas outras sevícias. A tortura na sala de aula foi sendo progressivamente abandonada e fortemente criticada pelos modernos educadores do país, a partir da década de 1930. Infelizmente, volta e meia, o país é confrontado com a existência contemporânea de traços deste passado.

A instituição familiar no Brasil é relativamente nova e se embriagou nas tradições sociais, religiosas e políticas da formação histórica nacional. Bater nos filhos foi visto, durante muito tempo, como algo normal, desde que o assassinato não se consumasse. Não é difícil explicar a reação dos que defendem este tipo odioso de educação. Normalmente, foram vítimas dela e na idade adulta a reproduzem com beligerância. Têm como certo que é isto o que forma homens e mulheres de verdade. Acham que os filhos são uma espécie de propriedade e que ninguém deve dar palpite no modo usado por eles para educá-los.

Nem todos os que foram brutalizados na infância se transformam em pessoas violentas e perigosas. O resultado pode ser outro. O castigo físico imposto às crianças, além de provocar possíveis danos físicos, acarretam danos psicológicos, levando, por exemplo, ao aparecimento de adultos inseguros e incapazes de construírem suas próprias vidas. Os violentos e os inseguros serão conduzidos a defender idéias conservadoras e a reproduzir a educação que tiveram. Este processo é possível de ser interrompido. Existem os que sofreram violências e as repudiam, criticando seus algozes.

Estudos relativamente recentes mostram a ligação bem nítida entre os problemas sociais e um tipo de educação violenta e castradora da humanidade de cada criança. Ao contrário de serem capazes de interpretar o mundo em que vivem, os reprimidos na infância podem se tornar incapazes de compreender a si próprios e ao entorno social. Isto não ocorre obrigatoriamente. Entretanto, o fato acontece freqüentemente. É fácil de se vê-lo nos casos dos adultos que defendem posições absurdas, porque se trata idéias e práticas que lhes trazem inúmeros prejuízos.



Luís Carlos Lopes é professor e escritor.


http://bcm2008.mktsender.net/registra_clique.php?id=H|23231026|46912|134182&url=http%3A%2F%2Fwww.cartamaior.com.br%2Ftemplates%2FcolunaMostrar.cfm%3Fcoluna_id%3D4719%26boletim_id%3D736%26componente_id%3D12299

quarta-feira, 21 de julho de 2010

"A FITA BRANCA"





quinta-feira, 11 de março de 2010

entrevista com Haneke


A FITA BRANCA É REFLEXO DE TODOS OS EXTREMISMOS*



Esbanjando vitórias com “A fita branca” (“Das weisse Band — Eine deutsche Kindergeschichte”), Michael Haneke nunca sorriu tanto. Aos 67 anos, o cineasta de nacionalidade austríaca, nascido em Munique, na Alemanha, parece imbatível na briga pelo Oscar de filme estrangeiro, fortalecido pelos aplausos da crítica e por 13 prêmios conquistados mundialmente. Inclua entre eles a Palma de Ouro no Festival de Cannes e o Globo de Ouro. O sucesso quebrou a notória sisudez do diretor, respeitado por “Funny games — Violência gratuita” (1997), “A professora de piano” (2001) e “Caché” (2005). Até Hollywood se curvou diante de seu novo longa-metragem, filmado em Leipzig e em Lübeck, ao custo de 12 milhões. Nele, Haneke revive episódios reais ocorridos em solo alemão, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, nos quais crianças e adolescentes cometem atos de violência, plantando a semente do que viria a se chamar nazismo.



Podemos assumir que os meninos e meninas de “A fita branca” encarnaram o sentimento de opressão que deu origem à filosofia nazista?


MICHAEL HANEKE: Busquei revelar as raízes do mal de maneira generalista. Tentei mostrar que a adesão de uma pessoa a uma ideologia pode ser consequência de um mal-estar particular. Podemos transpor o que é mostrado em “A fita branca” para qualquer outro contexto, seja político, tanto de direita quanto de esquerda, ou seja religioso. Os mecanismos são sempre os mesmos. Uma vez que uma pessoa constrói para si um princípio absoluto, ela, pouco a pouco, perde a sua humanidade, encaminhando-se para a prática do terror.

É por isso que, desde Cannes, seu filme vem sendo visto como uma alegoria sobre o fundamentalismo associado aos ataques de 11 de setembro de 2001 contra Nova York e mesmo à guerra do Iraque?

HANEKE: Tenho a sensação de que esse ambiente de princípios absolutos de que eu falava pode ser aplicado a uma sociedade muçulmana fundamentalista que produz terroristas e homens-bomba. Eu observo nelas os mesmos processos que norteiam os meninos do filme: humilhação, ideologias baseadas na noção de que a obediência pode extinguir os sofrimentos. “A fita branca” é um reflexo de todos os extremismos, sejam eles de direita ou de esquerda.

Qual seria a justificativa estética para o uso do preto e branco no filme?

HANEKE: Uma das invenções da fotografia é a constatação de que o preto e branco torna mais fácil e ágil o acesso ao passado, uma vez que ele cria uma fratura na observação do real. O preto e branco rompe com o realismo e isso é essencial para um filme que não se pretende naturalista.

Como o senhor orientou as pesquisas históricas dos eventos ocorridos no interior da Alemanha em 1913, representados no filme como delitos cometidos por crianças, entre elas os filhos de um pastor?

HANEKE: A Alemanha que encontramos às vésperas de 1914 não me parece ser um paraíso perdido, que viria a ser maculado pelo nazismo. A barbárie e a perda da humanidade já faziam parte daquele mundo. Mas o ano de 1913, especificamente, marca a primeira grande ruptura cultural no país (poucas décadas após a Unificação Alemã, onde diferentes estados germânicos se juntaram numa só nação, sob a égide do estadista prussiano Otto von Bismarck). Por isso, eu precisava resgatar aquele período. Ele era essencial para a motivação: flagrar a gênese do mal. Naquela época, um antigo regime, guiado por Deus e por práticas autoritárias, ainda funcionava. Mas começavam a voar os primeiros estilhaços dessa estrutura política.

Sobram estilhaços inclusive para o vilarejo rural onde se passa o filme, narrado por um professor interpretado pelo estreante Christian Friedel?

HANEKE: A pequena vila de “A fita branca” entra na tela como um modelo para a estrutura social da Alemanha de 1913, com todas as suas hierarquias. Tudo transcorre às escondidas, por trás das portas. O padrão intelectual daquela população não é dos mais elevados, mas ela experimenta uma perturbação inexplicável. Numa sequência decisiva do filme, seu narrador diz: “Tudo vai mudar”. Ali, ele exprime um desejo consciente de seus conterrâneos e das pessoas em geral. Ele não tem certeza do que vai mudar, nem do que precisa ser mudado, mas ele almeja uma transformação. Ele também não percebe que uma mudança sem orientação pode ser perigosa. Esse desejo é um reflexo do sofrimento. O sofrimento e a humilhação preparam o terreno para a perversão de ideias. E uma ideia pervertida se transforma em ideologia. E uma ideologia se justifica com um bode expiatório que possa ser imolado em seu nome.

No dia 27 de fevereiro, “A fita branca” pode ganhar o prêmio da American Society of Cinematographers, que reúne os fotógrafos de Hollywood. Nos EUA, as associações de críticos de Nova York e de Los Angeles, duas das mais influentes da imprensa cinematográfica, elegeram as imagens clicadas por Christian Berger, para o filme, como as mais bonitas do ano. Ele fotografa seus filmes desde “Benny’s video” (1992). Como o senhor avalia a contribuição de Berger para o longa?

HANEKE: Na concepção visual de “A fita branca”, Christian e eu trabalhamos muito sobre a noção de contrastes de cor, buscando as especificidades do preto e do branco isoladamente. Costumo dar muito trabalho aos fotógrafos, inventando o máximo que posso no set, não apenas nos enquadramentos da câmera, mas também na iluminação. Já tenho suficiente experiência no cinema para saber se uma lâmpada vai produzir o efeito que eu pretendo alcançar ou não. Quando Christian comemorou seu 60 aniversário, ele conseguiu publicar como livro os diários de filmagens de “A professora de piano” e de “Caché”. Ele reclamava muito de mim nesses dois trabalhos, mas temos uma afinação muito boa. Ninguém fotografa cinco filmes de um diretor se não se der bem com ele.

* Entrevista para o jornal O Globo.



http://lisandronogueira.blogspot.com/2010/03/entrevista-com-haneke.html



Mauricio Stycer - iG, o mundo é de quem faz24/10/2009 - 12:52

As raízes do mal: Haneke explica “A Fita Branca”


O austríaco Michael Haneke é um dos mais importantes cineastas em atividade. Seus filmes costumam provocar perplexidade e mal-estar, por abordarem a violência, física ou psicológica, inclusive contra crianças, de forma muito direta, sem rodeios. Seus filmes mais famosos são “A Professora de Piano”, com Isabelle Hupert, e “Caché”, com Juliette Binoche, ambos exibidos no circuito comercial brasileiro. Também dirigiu “Violência Gratuita” e “Código Desconhecido”.

Com o assustador, mas imperdível, “A Fita Branca”, que venceu o Festival de Cannes este ano, Haneke volta a provocar incômodo. Filmado em preto-e-branco, conta a história de uma comunidade rural na Alemanha, entre 1913 e 1914, onde estranhos e violentos incidentes começam a ocorrer.

Somos apresentados a um conjunto de personagens fortes: o barão dono das terras e seus empregados submissos, o médico autoritário, a parteira e seu filho com problemas mentais, o pastor protestante rigoroso, o professor tímido, um enxame de crianças reprimidas e entediadas.

Impossível não sair do cinema pensando que Haneke procurou, com “A Fita Branca”, explicar as origens das raízes culturais da geração que abraçou o nazismo, 20 anos depois dos fatos que narra no filme. Mas essa é uma leitura rasa, diz o próprio cineasta, numa excelente entrevista a Anthony Lane, na revista “New Yorker” (5 de outubro de 2009, infelizmente não disponível online).

Transcrevo a seguir, numa tradução livre, a longa resposta que Haneke dá à tentativa de rotular seu filme como uma parábola sobre o nazismo:

“Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. E isso ajuda àqueles que não têm possibilidade alguma de se defender de seguir essa ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. E este não é um problema só do fascismo da direita. Também vale para o fascismo da esquerda e para o fascismo religioso. Você poderia fazer o mesmo filme – de uma forma totalmente diferente, é claro – sobre os islâmicos de hoje. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.”

Este é Michael Haneke.


http://colunistas.ig.com.br/mauriciostycer/2009/10/24/as-raizes-do-mal-haneke-explica-%E2%80%9Ca-fita-branca%E2%80%9D/



Crítica do filme “A Fita Branca”, de Michael Haneke (2009)

Postado por Bruno Leal em 19 outubro 2009 às 14:30

.A Incompreensão Requentada

Novo filme do diretor Michael Haneke marca por sua exuberante fotografia em preto e branco, mas argumento sobre questão histórica é ulrapassado


Por Bruno Leal

O novo filme do diretor austríaco Michael Haneke foi uma das sessões mais disputadas da última edição do Festival de Cinema do Rio de Janeiro. E o lugar na platéia justifica-se, a começar pela ousadia do projeto: “Das weiβe Band” (“A Fita Branca”) tenta explicar a origem histórica do nazismo e do holocausto. Para isso, Haneke volta a um discreto vilarejo na Alemanha às vésperas da Primeira Guerra Mundial, cuja paz rotineira é perturbada por uma série de crimes misteriosos. A cena de abertura coincide com o primeiro desses crimes. O médico do vilarejo está voltando para casa, montado em seu cavalo, quando um arame esticado entre duas cercas o derruba. Semanas depois, acontecem novos crimes: um celeiro inteiro é incendiado e o filho do barão local é seqüestrado e torturado. Em pouco tempo, o medo a desconfiança se apoderam do lugar.

O que Haneke oferece ao espectador é uma verdadeira anatomia moral e psicológica dos moradores do vilarejo alemão. Em "A Fita Branca", o diretor consegue um efeito parecido com outro filme seu, "Caché" (2005): enquanto o público se preocupa em desvendar os crimes, o filme passa por um deslocamento, indo do espaço público para o espaço privado, sempre com muita sensibilidade. Dentro das quatro paredes de diferentes famílias, tomamos conhecimento de uma estrutura patriarcal altamente autoritária, marcada pelo signo da punição e da disciplina. Em uma cena, por exemplo, vamos um pai bolinar a própria filha durante a madrugada. Enquanto isso, outro pai, o pastor da cidade, amarra as mãos do filho adolescente na cama para impedir que ele se masturbe (um pecado mortal). Por isso, não surpreende que o professor do vilarejo chegue à bizarra conclusão de que são aquelas crianças, em sua maioria submetida a uma educação fortemente repressora, as responsáveis pelos misteriosos crimes.

A tese de Haneke é que esta estrutura autoritária da sociedade alemã, sobretudo a patriarcal, gerou fortes sentimentos de indiferença, crueldade e desprezo entre a geração de jovens do início do século XX, a mesma geração que anos mais tarde abraçaria a causa do nazismo, tendo em Hitler muito mais do que um governante, mas um verdadeiro pai (sabemos, por exemplo, que o próprio Hitler tivera vários problemas com o seu pai durante a infância e adolescência). Logo no início do filme, o próprio narrador em off avisa: “os eventos que se passaram ali, naquele vilarejo, no início do século, são de extrema importância para se compreender os eventos dramáticos que aconteceriam na Alemanha, décadas depois”.

Essas relações de cunho causal aparecem em diversas marcas simbólicas ao longo do filme. A mais evidente é a tal fita branca do título, que o pastor força seus filhos a usarem. As crianças deveriam usar a fita para que pudessem sempre lembrar a sua condição de pecadores, uma antevisão da estrela de David usada pelos judeus durante parte do Terceiro Reich como elemento de uma estratégia de distinção social. Outra marca que merece destaque é o desprezo com que uma criança com deficiência mental (filho do médico) é tratada pelas demais crianças e adultos do vilarejo, ao ponto de ter seus olhos furados pelos autores dos demais crimes. O uso deste acontecimento, no filme, não tem nada de fortuito. Sabe-se que a Alemanha assassinou milhões de alemães deficientes mentais, sob a defesa de extirpar os “incapazes socialmente”. Esses crimes são considerados por diversos historiadores, inclusive, como um preâmbulo macabro para o que aconteceria com os judeus pouco tempo depois. Por fim, o mesmo tipo de alusão pode ser percebida quando um pai grita e espanca violentamente o filho (uma das cenas mais fortes do filme) ao saber que ele havia roubado a flauta do filho do barão. É praticamente impossível não reconhecer naquela cena o mesmo ímpeto de violência praticado pelos SS em campos de concentração.

Tudo isso é contado através da incrível técnica narrativa de Michael Haneke. A qualidade técnica é inegável. O filme é todo filmado em preto e branco impecável. O uso das câmeras é fascinante, não somente por conta da função do close-up para registrar as nuances dos personagens, mas também para seguir o ator em sua movimentação pelo cenário. Durante as filmagens à noite, o uso das penumbras e do som estalado provoca arrepios. Em nenhum momento, há falas exageradas nas bocas dos personagens. Não soubéssemos da magia do cinema, poderíamos dizer que as filmagens ocorreram sem que os filmados soubessem de absolutamente nada, tamanha é a naturalidade das atuações. Um filme tecnicamente impecável, um exemplo de como as imagens podem nos transportar para um universo totalmente diferente.



No entanto, apesar de todas as qualidades descritas anteriormente, o filme é uma tremenda tragédia. E o que explica esta tragédia é o argumento do filme de Haneke. Ao explicar o nazismo e o holocausto pela via do germanismo, em particular por sua estrutura patriarcal castradora, “A Fita Branca” é um enorme passo atrás na compreensão desses fenômenos.

Primeiramente, é preciso dizer que esta tese não é nova. O que Haneke faz é endossar uma idéia do intelectual alemão Theodor Adorno, o mesmo autor dos principais estudos sociológicos da “Indústria Cultural” (“A Personalidade Autoritária”, 1950). Baseado em pesquisas feitas com norte-americanos que viviam, em sua maioria, na costa leste dos Estados Unidos na década de 1950, Adorno e sua equipe estavam certos que havia uma relação íntima entre opiniões antissemitas pronunciadas, um etnocentrismo acentuado e opiniões de direita no plano político, com o fascismo potencial e com características autoritárias. Segundo o alemão, relações de severidade excessiva de um dos pais, em geral o pai, em relação ao filho (algo para Adorno muito típico entre as famílias alemães do início do século XX), fortalece uma série de sentimentos ambivalentes, como aqueles que variam do temor do castigo a transformação da hostilidade reprimida em sadismo em relação às pessoas que a vítima considera como o “outro grupo”. Um caso de transferência de repressão, uma relação de amor e ódio em relação ao pai autoritário (no filme de Haneke, essa transferência fica clara quando as crianças passam a violentar outras crianças, diferentes delas). No caso da Alemanha, esse ódio, nos anos trinta e quarenta, foi transferido para a imagem do judeu, convertido em corpo estranho dentro da sociedade ariana germânica.

A explicação de Adorno para o nazismo e para o holocausto, requentada mais de cinqüenta anos depois por Haneke, é extremamente problemática. Em primeiro lugar, a tese é frágil porque tenta levar para o plano coletivo (das massas) conceitos e justificativas que são usados pela psicologia e, sobretudo, pela psicanálise, no âmbito individual. Ao fazer isso, ela não só trata erroneamente a massa como um indivíduo unificado (psicologização excessiva da história), mas também ignora fatos políticos e econômicos do período histórico do qual se refere. Em segundo lugar, olhar para o passado alemão buscando uma origem retroativa do nazismo é extremamente conveniente. O problema está sempre lá, visível, encubado, pronto para se transformar naquilo que já conhecemos de antemão. Mas isso é apenas um mascaramento do universo marco. Segundo uma série de historiadores, dentre os quais se destaca o francês Michael R. Marrus, a Alemanha estava longe de ser o país mais antissemita da Europa na primeira metade do século XX. Se naquela época pudéssemos apostar em um país onde o holocausto iria acontecer, certamente França e Rússia seriam os mais cotados, tamanho era o grau de preconceito e perseguição sofriada pelos judeus (os famosos pogroms). Em terceiro lugar, do ponto de vista da pesquisa histórica, a história do autoritarismo alemão, do qual a estrutura familiar é o maior exemplo, é uma aposta no escuro. Como é possível explicar a morte de seis milhões de pessoas tendo em vista a justificativa de transferência psicológica? E mais: o que leva a crer (e como medir) que na Alemanha o autoritarismo patriarcal era mais intenso do que em outros países europeus? Não existe nenhuma evidência particular e incontestável que ligue uma coisa a outra. Muito mais correto, pelo contrário, parece ser compreender o antissemitismo como um sentimento existente em vários graus. Até mesmo para o Terceiro Reich, o assassinato em massa nem sempre foi algo planejado, mas ditado por uma série de circunstâncias históricas, ocorridas a partir, principalmente, de 1941.

A tese de Adorno, defendida de forma apaixonante por Haneke, foi duramente criticada e derrubada por dois trabalhos brilhantes no século XX. O primeiro desses trabalhos foi publicado em 1961, pelo maior especialista do holocausto: Raul Hilberg, com a sua obra monumental “The Destruction of the European Jews”. Hilberg chamava a atenção para o caráter industrial do Holocausto, para a natureza fria e burocrática dos crimes cometidos nos campos de concentração, tratados como um negócio qualquer do Estado, que pela primeira vez aplicava todo o conhecimento e técnicas industriais na destruição de todo um grupo social. Ou seja, não é o elemento germânico que está em jogo, mas sim a noção de mundo industrial.

O segundo grande trabalho ao qual me refiro, intitula-se “Modernidade e Holocausto”, escrito pelo cultuado sociólogo Zygmunt Bauman. O livro foi publicado em 1989 e não fortuitamente conquistou os mais importantes prêmios literários do mundo naquele ano. O livro de Bauman é uma espécie de revitalização das idéias de Hilberg, hoje aceita por praticamente todos os historiadores e sociólogos que se dedicam ao estudo do nazismo. Bauman rejeita todas as teses que germanizam e particularizam o Holocausto. Em suas palavras, “o Holocausto nasceu e foi executado na nossa sociedade moderna e racional, em nosso alto estágio de civilização e no auge do desenvolvimento cultural humano, e por essa razão é um problema dessa sociedade, dessa civilização e cultura”.

Nesse sentido, tratar do holocausto como uma questão de patologia psicológica e marcadamente alemã seria ignorar a incômoda verdade de que o holocausto é o símbolo do fracasso da modernidade. O holocausto é uma questão planetária e germanizá-lo pode ser uma cegueira perigosa. Bauman conclui acertadamente que os defensores da germanização do holocausto acreditam que uma vez estabelecida a responsabilidade moral e material da Alemanha, dos alemães e dos nazistas, a procura das causas está concluída. Em outras palavras, suas causas foram confinadas num espaço e num tempo limitados, para nossa sorte, o passado. Não raro, o nazismo foi durante um bom tempo classificado como uma “doença alemã”, um “desvio da civilização”, um “momento de cegueira”, quando, na verdade, trata-se de uma questão ligada a gênese do mundo moderno. O holocausto aconteceu na Alemanha dos anos quarenta, mas poderia ocorrer na França dos anos trinta. Poderia acontecer hoje, muito mais próximos do que podemos supor. E é isso o que apavora: não vivemos um mundo diferente daquele que produziu o holocausto. Para Bauman, a tese de Haneke não resulta apenas no conforto moral da auto-absolvição, mas também em um tempo de desarmamento moral e político. “Tudo aconteceu ‘lá’ – em outra época, em outro país Quanto mais culpáveis forem ‘eles’, mais seguros estaremos ‘nós’, e menos teremos que fazer para defender essa segurança. Uma vez que a atribuição de culpa for considerada equivalente à identificação das causas, a inocência e sanidade do modo de vida que tanto nos orgulhamos não precisam ser colocadas em dúvidas”.

Quem deseja conhecer este confronto de idéias, “Modernidade e Holocausto” trata-se de uma obra bastante minuciosa. Desmonta os mitos do filme de Haneke um a um. Sua abordagem identifica todos os pontos modernos e burocráticos da indústria da morte nazista, relacionando-os ao modos operandi da modernidade. Méritos para Bauman, que em um certo momento de sua argumentação, expõe como as duas coisas estão totalmente imbricadas: do gás usados nas câmaras da morte aos caminhos das linhas férreas que levavam os condenados para os campos. Elementos consagrados da indústria metalurgia e química do século XX. E tudo isso planejado de acordo com os preceitos básicos e modernos, típicos dos manuais consagrados de administração, até hoje usados.

Assim, se “A Fita Branca” pode ser primoroso do ponto de vista técnico-cinematográfico, do ponto de vista do argumento do roteiro, cuja vida é dada pela direção persuasiva e brilhante de Haneke, trata-se de uma tragédia completa. Para o diretor austríaco (vale lembrar que a Áustria recebeu com flores a anexação na Alemanha de Hitler) o nazismo é representado como um “problema de alemães”. E se a opinião pública compra essa idéia, ainda bem arraigada na mente de certos produtores de sentido sobre o passado, seria a comprovação de que não aprendemos ainda a maior lição deixada pelo holocausto.



http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/critica-do-filme-a-fita-branca

PALMADAS E SURRAS EDUCATIVAS

TEXTO 1






http://blogdodrmarcosobreira.blogspot.com/2010/07/esta-explicado.html



TEXTO 2


O fim das surras pedagógicas

Enviado por luisnassif, qui, 15/07/2010 - 14:30


Urariano Mota
Por Marise

Recife (PE) - O presidente Lula assinou hoje um projeto de lei revolucionário: as palmadas e surras tidas como educativas, aplicadas há séculos pelos pais aos filhos, poderão ser punidas agora com advertências, encaminhamentos a programas de proteção à família e orientação especializada. E não só os país, os amorosos e exemplares pais, coitados. Os professores e cuidadores (dos quais ninguém cuida) também ficam proibidos de beliscar, empurrar ou mesmo bater em menores de idade.

Até então, a Lei 8.069, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, condenava os maus-tratos contra a criança e o adolescente, mas não definia se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Com o projeto assinado, o artigo 18 passa a definir "castigo corporal" como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente".

Em um país de cotidiana prática de tortura nas delegacias policiais, cometidas sempre contra os delinqüentes de fato ou em potência, a saber, negros e pobres; em um país cuja maior escola, para todo o povo, foi e tem sido a herança da escravidão, que naturalizou a dor contra pessoas como se fossem bestas; em um país que mal saiu de uma ditadura que matou, destruiu e mutilou brasileiros sob o aleijão ideológico de que apagavam terroristas, o projeto assinado pelo presidente é um salto para a civilização.

Pelos comentários que agora correm em toda a web, sabemos bem quem se opõe ao projeto de lei: vêm sempre de indivíduos de extrema-direita ou conservadores de todo gênero. Alguns podem ser tomados como representantes do pensamento de nossa educação pela porrada. Dentre os mais legíveis, excluídos os insultos sórdidos à pessoa do presidente, colho:

“... não aceito interferência do Estado dentro da minha casa, na condução da educação dos meus filhos... Os pais ficam nessa de dialogar e as crianças tomarão conta da casa. Não respeitando mais os pais, não respeitarão nenhum adulto... Não vai ter juiz, desembargador ou presidente, que vai me dizer como educar meus filhos. ...Na minha opinião o ECA veio para estragar ainda mais a ordem em nosso pais, porque amparados por esse estatuto temos centenas de menores com 16, 17 anos praticando crimes e ficando impunes. Na minha opinião a lei mais forte é o direito dos pais de educarem seus filhos”.

Observem que a média de nossos bárbaros ainda nem assimilou o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que para eles é só eca, porcaria, nojo, nada mais. No entanto, creiam, o projeto de Lula segue uma tendência mundial. Ele cumpre uma recomendação do Comitê da Convenção sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, para que os países passem a ter legislação própria referente ao tema. A Suécia nos antecipou em 1979. Depois vieram Áustria, Dinamarca, Noruega e Alemanha. Atualmente 25 países têm legislação para proibir essa prática. Na América do Sul, até então, apenas o Uruguai e a Venezuela possuíam lei semelhante. Agora, vem o Brasil. É tempo, há tempo não somos mais o fim do mundo.

O presidente Lula, do alto de sua cultura extraordinária (sinto que explicar isso exigiria um outro artigo), homem educado na vida política e sindical, traz agora para todos os brasileiros os avanços do resto do mundo. Eu, que fui criado sob o lema paterno de “bato num filho como quem bate num homem”, e que sob tão alto princípio recebi as lições educativas de surras de borracha, mangueira de jardim e socos, bem conheço o alcance do projeto assinado pelo presidente. Salve. Assuntos de desrespeito à pessoa, de brutalidade contra jovens, não são assuntos de foro íntimo, da vida privada, a se resolverem entre quatro paredes. Violência educativa não pode nem deve continuar a ser assunto restrito aos pais e doces educadores.

Com esse projeto, parece que chegou a hora de as crianças brasileiras receberem o mesmo afeto e cuidado que as mulheres e senhores classe média dispensam a seus cachorrinhos. Tão fofos, eles, os cachorrinhos.

http://www.diretodaredacao.com/

TEXTO 3



O fim da palmada educativa

Enviado por luisnassif, seg, 19/07/2010 - 21:09

Do Portal de Luís Nassif

Do Blog de Cláudio Andrade

PAIS E FILHOS

O autor do texto, Cláudio Andrade, discute até onde vai o limite do Estado em punir o castigo físico - a "palmada educativa" - sobre crianças. Mais importante que a probição do castigo corporal, é prestar atenção na formação dos futuros pais. Muitos se vêem na prematura condição de pais após uma transa passageira durante a adolescência, exemplifica o autor. "A inexperiência desses pais, o inconformismo com a chegada precoce da fase adulta e os fatores relacionados à saúde pública, como o vício em drogas lícitas e ilícitas, tornam a criação de uma criança, um fardo, dotado de riscos constantes."

O fim da punição física não vai melhorar a educação infantil, defende Andrade. "Fui uma criança levada e sempre apanhei, mesmo assim, o meu amor pelos meus pais nunca diminuiu. As lembranças que possuo de minha infância não são dos tapas de correção, que levei, e sim, dos ensinamentos para não roubar, devolver o que não era meu, beijar a mão de minha avó e pedir, ao contrário de pegar." Segue abaixo o texto:



A mensagem do Presidente Lula acrescenta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), entre outros, o Artigo 17-A que concede as crianças e adolescentes o direito de serem cuidados e educados pelos pais ou responsáveis sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante. O texto define como tratamento cruel ou degradante qualquer tipo de conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente.

Vale ressaltar de início que a relação entre pais e filhos nunca foi fácil, afinal a incumbência de formar um ser humano não é simples. Pais quase perfeitos podem gerar filhos imperfeitos, ao passo que pais problemáticos podem formar infantes psicologicamente sadios.

A formação oriunda do lar continua sendo o alicerce para o enfrentamento do 'mundo cão'. Todavia, cada criança reage de forma particular às ordens de comando. Para uns, basta um olhar e para outros, olhares, gritos e algumas palmadas, muito bem dadas.

O efeito nefasto surge quando a imoderabilidade suplanta à correção. Não existe um pai sequer no mundo, que não tenha perdido a calma com um filho. Notem: perdido a calma e não a cabeça.

Um pai precisa estar preparado para a função a si conferida por Deus. Esse preparo passa pela maturidade, formação ética e moral, estabilidade financeira e uma boa formação religiosa.

Um filho não pede para vir ao mundo, entretanto, se chega, esperado ou não, deve ser correspondido no que tange ao seu direito sagrado de sobreviver, adquirir personalidade, crescer com valores e posicionar-se enquanto ser social, com direitos e obrigações.

Infelizmente, muitos pais não estão preparados para tamanha responsabilidade. Um sexo entre namorados, por exemplo, não possui a intenção de gerar uma prole, mas acontece, todas as horas, nos sofás, nos carros, nas praias e claro, nos motéis.

Diante disso, num 'estalar de dedos', um jovem de dezoito anos cruza a linha imaginária entre a adolescência e a fase adulta. Essa mecânica constrõe, de forma inesperada, um lar com três crianças. Os pais e o bebê.

Quais as chances dessa união familiar dar certo? Mínimas, não acham?

A inexperiência desses pais, o inconformismo com a chegada precoce da fase adulta e os fatores relacionados à saúde pública, como o vício em drogas lícitas e ilícitas, tornam a criação de uma criança, um fardo, dotado de riscos constantes.

Punir, mediante dispositos legais, a correção imoderada, por si só, não muda nada. Não sou a favor do controle estatal na questão da natalidade, mas é responsabilidade do Estado prover, mediante os tributos pagos por nós, as condições ideais para a formação de nossas crianças, não importando quantos existam em um só seio familiar.

Para que um menor não seja fruto do meio, ele não pode ser vítima do lar. Fui uma criança levada e sempre apanhei, mesmo assim, o meu amor pelos meus pais nunca diminuiu. As lembranças que possuo de minha infância não são dos tapas de correção, que levei, e sim, dos ensinamentos para não roubar, devolver o que não era meu, beijar a mão de minha avó e pedir, ao contrário de pegar.

O Estado não deveria acobertar os problemas sociais gritantes de nosso país, repassando para os pais, possíveis sanções no exercício da paternidade. Para os 'mosntros', a lei já prevê a destituição de poder familiar, dentre outras ações de cunho cível e criminal.

Continuarei exercendo o meu poder familiar da mesma forma que recebi. Se hoje sou um ser humano mais digno, dou graças aos meus pais e, porque não, aos necessários corretivos por eles aplicados?



http://blogln.ning.com/forum/topics/pais-e-filhos?commentId=2189391%3AComment%3A361059




TEXTO 4


Mais um projeto de lei

Postado por Alexandra Moreira de Mello em 16 julho 2010 às 1:00



.Foi encaminhado esta semana para o Legislativo, um projeto de lei que proíbe os pais de darem castigos corporais, como palmadas e beliscões. As penas para os infratores serão as mesmas já previstas no ECA: advertência, encaminhamento a programas de proteção à família, orientação psicológica, e até mesmo perda de guarda. Será necessário o testemunho de terceiros que façam a denúncia ao Conselho Tutelar. Segundo uma das articuladoras do movimento que levou a proposta ao governo, o projeto tem como objetivo acabar com a cultura da palmada.
No texto, castigo corporal é definido como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente". No dicionário, palmada é "pancada com a palma". Pancada, por sua vez, é "agressão física por meio de socos, tapas, etc". Mas e a "palmada" na palma da mão da criança? O famoso tapinha na mão. E a palmada no bumbum, ou melhor, na fralda? Aquelas, que nem exigiram tanta "força física" assim e nem resultaram em "dor ou lesão". Os antigos costumavam falar que serviam pra tirar pó. Serão também enquadradas nos castigos corporais sujeitos a penas? São o quê afinal? Pancadas? Palmadas? Tapas? Agressões físicas? Castigos? "Tratamento cruel e degradante"?
Não estou de forma alguma defendendo estas ações. Sempre achei que devem ser evitadas de todas as maneiras. Nunca fui uma defensora das palmadas. Ao contrário. Estou apenas tentando entender o alcance da lei e a sua aplicabilidade. Eu acharia mais interessante um projeto de lei que, por exemplo, obrigasse as escolas a tratarem, com profundidade, temas como estes, ao invés de usarem tanto tempo das reuniões com organização de festinhas ou questões puramente burocráticas. A informação pode levar os pais a mudanças de atitude com muito mais eficácia do que a imposição por meio de leis como esta.
Além disso, se o objetivo do projeto é evitar que as crianças sofram violência física e psicológica, muitas outras leis teriam que ser criadas para proteger as crianças dos adultos. Conheço pais que não autorizam o filho a fazer aula de teatro na escola porque teatro é coisa de "bicha". Conheço outros que proíbem o filho de brincar com o vizinho, com o argumento de que não é boa companhia. O Motivo? Pertencer à família de uma religião que "atrai o demônio". Sim. Sou contra a palmada, mas também, contra este tipo de constrangimento e discriminação. Neste caso, a violência atinge não só o filho, mas também outras pessoas.
Precisamos antes discutir o que é privado e o que é público. Quando é que o privado deve passar a ser público e quando é que deve manter-se privado. Caso contrário, já já um projeto de lei vai exigir a instalação de câmeras também dentro das nossas casas. Vamos sim discutir a violência doméstica. Acho até que trazer este tema para o debate é o lado bom de um projeto assim. Mas não vamos tratar o problema como algo que se resolve com a imposição de uma lei. E nem nos esquecer que os pais continuam sendo os maiores protetores de seus filhos. Violência é colocar uma lei como esta no meio deles. Galinha não mata pinto. Com raríssimas exceções.


http://www.luisnassif.com/profiles/blogs/mais-um-projeto-de-lei



TEXTO 5



EDITORIAL - [ 16/07 ]

Palmadas ‘pedagógicas’

Notícia publicada na edição de 16/07/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.



Crianças problemáticas apanham mais e mais até que se torna evidente a ausência de fronteiras entre o “tapa pedagógico” e o espancamento. O medo e a dor só fazem piorar suas dificuldades


O “tapinha”, o beliscão e outros recursos supostamente “pedagógicos” usados na educação dos filhos foram colocados no centro de um grande debate nacional com a apresentação, na quarta-feira (14), de projeto de lei do governo federal que proíbe os castigos físicos e tratamento cruel ou degradante a crianças e adolescentes.


Se o projeto for aprovado pelo Congresso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei federal nº 8.069/1990) receberá novos artigos, que o tornarão mais específico na proibição total de castigos corporais (definidos pelo texto como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em qualquer grau de dor e/ou lesão”) ou de tratamento cruel ou degradante (segundo a proposta, “conduta que, entre outras, diminua, humilhe, ameace gravemente ou ridicularize”).


Os pais, professores e cuidadores em geral que recorrerem a agressões físicas e maus-tratos estarão sujeitos a medidas corretivas, que podem ir de advertência a encaminhamento para tratamento psicológico ou programas de orientação. Nos casos extremos, deverá ser aplicado o artigo 130 do ECA, que permite à autoridade judiciária determinar o afastamento do agressor da moradia comum.


O projeto prevê ainda a realização de campanhas educativas, inclusão de conteúdos relativos aos direitos humanos e prevenção à violência nos currículos escolares e incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos, entre outras diretrizes que deverão ser perseguidas pelos governos da União, Estados e Municípios juntamente com entidades não-governamentais.


Apesar da evidente boa intenção, o projeto vem sendo criticado como uma ingerência excessiva do Estado na vida familiar. Não falta quem identifique, na vedação às punições físicas, um risco à formação das crianças, que se sentiriam impunes e cresceriam pensando que “podem tudo”. Algumas reações podem ser conferidas no portal www.cruzeirodosul.inf.br, sob a reportagem “Governo quer proibir pais de dar palmada em criança” (13/7). “É por isso que os meninos de hoje não respeitam ninguém”, diz um leitor. “É bom que o governo providencie muitas celas nos presídios brasileiros, porque se a criança não puder ser punida pelos seus pais, quem vai fazer isso é o Estado”, sentencia outra leitora.


A levar-se em conta esse tipo de argumento, é arraigada nos brasileiros a crença de que a educação só pode ser eficaz quando movida a palmadas. Homens e mulheres honestos que levaram tapas dos pais tendem a acreditar que são o que são porque foram educados dessa maneira. Na verdade, eles se tornaram bons adultos porque foram amados, porque tiveram bons exemplos, porque receberam atenção, porque alguém lhes ensinou o que era certo e o que era errado desde muito cedo. Muito provavelmente, seus pais teriam obtido os mesmos resultados usando de alguma forma não-violenta de castigo, como tirar os brinquedos da criança por algum tempo, por exemplo.


Por outro lado, é importante lembrar que crianças que apanham - mas que não recebem, concomitantemente, carinho e atenção dos pais - têm uma tendência maior a apresentar problemas, por vezes gravíssimos, na juventude e vida adulta. Crianças problemáticas apanham mais e mais até que se torna evidente a ausência de fronteiras entre o “tapa pedagógico” e o espancamento. O medo e a dor só fazem piorar suas dificuldades. Logo, o problema não é a falta de palmadas, mas sim de amor.


Compreender esses fatos implica uma mudança cultural profunda, que não se consegue apenas com a lei - mas que deve ser perseguida sempre e, de preferência, com amparo legal. Ainda que não tivesse outro mérito, só pelo fato de levantar essa discussão no seio da sociedade, o projeto de lei já teria valido.

Esta matéria foi acessada 362 vez(es).



http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=49&id=323664



TEXTO 6


15/07/2010 às 22:52 | ATUALIZADA EM: 15/07/2010 às 23:23

Lei que proíbe pancadas divide opiniões

Hieros Vasconcelos l A TARDE

Fernando Vivas/Agência A TARDE

Edmundo Krogger, conselheiro dos direitos da infância: "Não acreditamos que dor possa ser educativa"“Em filho meu, quem bate sou eu”. As ‘palmadinhas’ que os pais costumam dar nos filhos acreditando que vão educá-los estão prestes a se tornar ilegais. Está em tramitação projeto de lei no Congresso Nacional proibindo castigos físicos às crianças e adolescentes. “Não acreditamos que a dor possa ser educativa. O carinho, sim, mas nunca a pancada, por mais leve que ela seja”, afirma o integrante do Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Ceca), Edmundo Kroger. No mundo, 26 países já adotaram a medida, entre eles, Uruguai, Venezuela, Peru e Costa Rica.

O projeto foi elaborado por instituições e pessoas físicas que formam a Rede Não Bata, Eduque. Na quarta-feira, 15, foi enviado ao Legislativo pelo governo federal, com assinaturas favoráveis de três ministros. O castigo corporal, para eles, é visto como uma “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente”.

Edmundo afirma que o castigo ocorre porque os pais desconhecem as consequências dele. “Não sabem que é ruim, prejudicial, que deixa marcas e traumatiza. O mais importante não é a lei, mas a abertura da discussão”, diz.

Proposta - Segundo a integrante do Projeto Proteger Eleonora Ramos, a ideia não é prender os pais das crianças que utilizam o castigo físico como forma de educação, e sim penalizá-los com advertências e encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica.

Conforme Eleonora, é preciso mais proteção para garantir uma boa convivência familiar e um ambiente saudável. “É uma prática antiga que não reconhece a criança como cidadão. É como se ele fosse meio cidadão, mas ele tem, assim como os adultos, o direito de ter sua integridade física preservada. Bater em adulto também não é ilegal?”, argumenta.

Polêmica - A proibição causou polêmica entre pais. “Em filho pequeno, não adianta só falar, porque não entende. Tem que dar uma palmadinha na mão para ele saber que não pode pegar na tomada, por exemplo”, afirma a vendedora Diejane Nascimento de Santana, mãe de duas crianças. O aposentado Valter Ramos dos Santos, 68 anos, diz que as palmadas não são nada demais para educar os filhos.


http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=4740960



TEXTO 7


Palmadas - Efeitos do Castigo Físico



Nos meninos e nas meninas:

• Diminui a auto-estima, gerando a sensação de que eles valem menos;
• Ensina a serem vítimas. Algumas pessoas acreditam que o sofrimento torna as pessoas mais fortes, que as prepara para a vida. Nos dias de hoje, sabemos que não só não faz as pessoas mais fortes, como também as converte em pessoas com dificuldades de sentirem-se capazes de resolver seus próprios problemas;
• Interfere no processo de aprendizagem e no desenvolvimento de sua inteligência, de seus sentidos e de suas emoções;
• Gera sentimentos de solidão, tristeza e abandono;
• Faz com que eles observem a sociedade de uma forma negativa e as pessoas como seres ameaçadores, causando dificuldade de integração social;
• Cria um muro que impede a comunicação entre os pais e filhos e prejudica os vínculos emocionais que existem entre eles;
• Cultiva sentimentos de raiva e desejo de fugir de casa;
• Ensina que a violência é um modo adequado para resolver os problemas;
• Dificulta a cooperação com as figuras de autoridade;
• Deixa a criança mais exposta a vários acidentes;
• Em relação aos meninos, como são mais castigados fisicamente do que as meninas para se tornarem “homens” faz com que eles sejam mais agressivos e os deixa mais vulneráveis a utilizar drogas (incluindo o álcool) no futuro;
• Em relação às meninas, a tendência é internalizar sua dor que vai acabar se manifestando emocionalmente por meio de depressão, insegurança, culpa e submissão.


Nos pais e mães:

• Produz ansiedade e culpa, inclusive nos pais que consideram esse tipo de castigo correto;
• O uso do castigo físico aumenta a probabilidade dos pais mostrarem comportamentos violentos em outras situações com maior freqüência e intensidade;
• Impede sua comunicação com os filhos e dificulta as relações familiares no presente e no futuro.


Na sociedade:

• A relação entre ter sido vítima de violência física na infância ou ter testemunhado este tipo de violência em sua família, faz com que exista a tendência de que seja reproduzida na fase adulta;
• Incentiva as novas gerações a usarem a violência como forma de resolver um conflito;
• Faz com que se acredite que existem dois grupos de cidadãos: as crianças e os adultos. Os adultos mandam e podem agredir; as crianças obedecem e apanham;
• Promove modelos familiares onde existem os que agridem e os que são agredidos. Nesses casos, os envolvidos têm dificuldade de entender a importância de uma relação de igualdade entre as pessoas, um dos pontos fundamentais da sociedade democrática;
• Dificulta a proteção à infância. Ao tolerar essa prática, a sociedade não se legitima como um espaço protetor para meninos e meninas;
• Torna os cidadãos submissos porque, em seus primeiros anos de vida, aprenderam que ser vítima é uma condição natural dos indivíduos que fazem parte daquela sociedade.


Fontes:
Educa, no Pegues. Campaña para la sensibilizació n contra el castigo físico en la familia. Madrid: Save the Children, Comité Español de UNICEF, CEAPA y CONCAPA, 2002;
Pesquisa Homens, violência de gênero e saúde sexual e reprodutiva: um estudo sobre homens no Rio de Janeiro/Brasil. Instituto PROMUNDO e Instituto NOOS, 2003.


http://psicologiaeadocao.blogspot.com/2010/06/palmadas-efeitos-do-castigo-fisico.html

PODER DO ESTADO E DIREITOS DO CIDADÃO: OS LIMITES DA LIBERDADE

TEXTO 1


Artigos
Quarta, 21 de Julho de 2010 00h15
MARINA VANESSA GOMES CAEIRO: ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP sob Nº 221.435, PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS.


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A nova Lei do Divórcio

» Marina Vanessa Gomes Caeiro


Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.



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Fora publicada nesta última quarta-feira, 14 de julho de 2010, no Diário Oficial do Congresso Nacional, a alteração na lei constitucional de família no que tange a matéria do Divórcio.

De proêmio, para agilizar o processo de divórcio consensual já está em vigor a nova lei de Divórcio.

Nessa seara de pensamento, casais que queiram se divorciar já encontram-se liberados do cumprimento prévio da separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos munidos de duas testemunhas, como previa expressamente o artigo 226, parágrafo 6º da Constituição Federal de 1988.

O texto de sua redação original rezava, in verbis: “§ 6º: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”.

A Emenda Constitucional, em análise, suprimiu a expressão “na forma da lei”, constante na parte final do dispositivo constitucional.

As regras positivadas já encontram em plena vigência, irradiando seus efeitos supremos aos casais que concordarem indubitavelmente com a instituição jurídica do divórcio e desde que não possuam filhos menores de idade.

A lei vigente em fulcro, do divórcio no ordenamento jurídico pátrio, apresenta dois requisitos basilares e fundamentais, quais sejam: a) extingue a separação judicial; e b) extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial.

Atentemos sobre ambos aspectos separadamente, para uma absoluta compreensão do tema inédito e inovador, ora proposto.

Pedra angular que nos norteia em relação ao divórcio, há que se falar e sacramentar o rompimento do próprio vínculo matrimonial na sua mais pura concepção analítica, permitindo-se, de plano, novo casamento.

Com o advento da Emenda Constitucional sub judice, as pessoas judicialmente separadas, por meio de sentença proferida por juiz devidamente competente e investido de suas funções jurisdicionais ou ainda, por escritura pública lavrada em Cartório, não se tornam imediatamente divorciadas, exigindo-se-lhes o pleito perante um juízo competente para a decretação do divórcio já que não haveria mais a necessidade de cômputo de qualquer lapso temporal. Respeitando-se, desse modo, o tão consagrado e almejado ato jurídico perfeito (art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil).

Neste diapasão, dita-se ainda que, as pessoas já separadas judicialmente sob o efeito do trânsito em julgado, quando da entrada em vigor da Emenda Constitucional sub judice, não terão convertidas de plano sua situação jurídica em divórcio. Em paralelo, afirma-se que aquelas cujo processo de separação esteja em curso, terão a oportunidade de adaptarem o seu pedido ao novo sistema constitucional inaugurado pela nova Lei do Divórcio.

Sintetizando, importante dizer que com a promulgação da nova Emenda Constitucional, mostra-se suficiente do ponto de vista probatório, instruir o pedido de divórcio tão somente com a certidão de casamento dos nubentes; não havendo mais que se falar, em lapso temporal acerca separação fática do casal, porém sendo indispensável a presença de testemunhas para sacramentar o ato.

Assimetricamente, passa-se a vigora plenamente em nossa legislação constitucional pátria, o Princípio da Ruptura do Afeto como primordial sustentáculo para o instituto jurídico da nova Lei do Divórcio.

Neste diapasão indaga-se, se é plausível não existir um lapso temporal mínimo de reflexão para que os cônjuges amadureçam o pedido de extinção perpétua do vínculo matrimonial?

Nessa mesma esteira de pensamento, pergunta-se, ainda, se seria plausível a solução da Emenda Constitucional, ora em fulcro, no sentido de considerar o divórcio como o simples exercício de um direito potestativo e não-condicionado?

O sustentáculo de fundamentação de tal tema emblemático, se pensado prematuramente, concluir-se-à pelo descompasso da Emenda Constitucional em análise, uma vez que não se afiguraria justo admitir-se o divórcio sem que se fixasse um período mínimo de separação de fato, dentro do qual o casal pudesse refletir serenamente acerca da decisão de ruptura do tão sagrado vínculo matrimonial.

Mas, neste ponto, inevitável seria a elucidação sobre questão reflexa: seria dever do Estado estabelecer um prazo de reflexão para os nubentes em Estado iminente Divórcio? Seria de competência da autoridade Estatal invadir a tal ponto a esfera volitiva das partes, em flagrante violação ao Princípio da Intervenção Mínima do Direito Constitucional de Família?

Diante do exposto, assevera-se correto o norte oferecido pela Emenda Constitucional em estudo, pois, como dito, a decisão de divórcio insere-se em uma seara personalíssima, de penetração vedada por parte do Estado Democrático de Direito, ao qual não cabe determinar nenhuma esfera de lapso temporal acerca de qualquer tipo de reflexão do casal em processo de desapego.

Exponencialmente relevante constar, o esforço aqui demonstrado, no sentido de passar em revista alguns aspectos fundamentais da suso mencionada Emenda Constitucional do Divórcio, a qual denomina-se, Lei do Divórcio, onde fundamentalmente, guia-se pela provável supressão do instituto da separação judicial pátrio, tornando-se sem razão de ser a existência legal do prazo concernente a separação de fato para a concessão do divórcio.

Outrossim, nessa mesma seara de pensamento, o instituto jurídico do divórcio converter-se-á na única medida de extinção do vínculo matrimonial, banindo-se inexoravelmente a dualidade tipológica em divórcio direto e indireto, dado o esvaziamento prático do instituto em voga.

Consectário lógico do pensamento acima referido, outra conclusão não se mostra, que não a existência única do divórcio, afigurando-se como um direito potestativo e não-condicionado que possui por fim precípuo a extinção do vínculo matrimonial.

Diante de todo o exposto, temos que a nova Emenda Constitucional abarca, uma perspectiva socioafetiva e eudemonista do Direito Constitucional de Família, para permitir que os integrantes de uma relação frustrada possam partir para outros projetos de vida galgando em busca da tão almejada felicidade.

Conclui-se que, não constitui finalidade precípua do Estado Democrático de Direito, criar óbices indesejados ou procedimentos burocráticos na eterna busca da felicidade a que se predispõe todo ser humano em sua jornada terrena.

Por fim, destarte, clama-se pelo não intervencionismo do Estado, em questões personalíssimas atinentes ao matrimônio de per si. Deve-se evidentemente, deixar que as relações envoltas pelo afeto, sejam solucionadas pelas pessoas envolvidas e jamais por leis de cunho eminentemente Estatal.


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AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO


LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON





http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.27626



TEXTO 2


Divórcio Direto no Brasil: Direito de escolha e
responsabilidade


Extraído de: Instituto Brasileiro de Direito de Família - 08 de Julho de 2010


Em breve, o divórcio direto pode vir a ser uma realidade no Brasil. Instituído na legislação brasileira em 1997, o divórcio era permitido, mas com restrições. Era preciso cumprir um mês de seperação judicial ou dois anos de separação de fato para que fosse concedido.

Lei que agiliza o divórcio é aprovada em último turno...

Divórcio direto no Brasil

Artigo - Divórcio Responsável - Por Rodrigo da Cu...

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Caso seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 28/99), sugerida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) em tramitação do Senado, será atualizado o artigo 226 da Constituição da Republica Federativa do Brasil, suprimindo tais exigências.

Alem de redução de tempo e custo - e de maior autonomia para os interessados - o divórcio direto traz como benefício adicional a redução de conflitos e litígios das partes nos tribunais. Como avanço social e político, a redução interferência do Estado na vida privada, e o encolhimento da Igreja em assuntos de Estado. É o que nos propõe o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM.

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Por que defender o divórcio direto no Brasil?

Primeiramente, pelas vantagens que oferece àqueles que desejam se divorciar, e que podem ser percebidas, na prática. Os interessados não precisam mais cumprir um ano de separação judicial ou dois de separação de fato. Ao se eliminar o requisito da separação judicial, os interessados podem ingressar com apenas uma ação, reduzindo custos, desonerando o judiciário, e desempedindo as pessoas, mais rapidamente, para constituírem novas famílias . Mas há ainda outros ganhos, subjetivos, políticos e sociais, que devem ser considerados.

Quais seriam os ganhos sociais?


A redução da interferência do Estado na vida privada é uma grande conquista da sociedade brasileira. Não cabe ao Estado, neste caso, sob a forma de uma legislação contaminada por valores morais e religiosos, determinar às pessoas, adultas, quanto tempo devem demorar para se divorciar. Era uma pressão para a manutenção de um antigo modelo familiar, superado, inclusive, pela própria Constituição brasileira, que já prevê outros modelos familiares, como as uniões estáveis (sem a formalidade do matrimônio) e as famílias monoparentais, constituídas por um dos genitores e seus filhos. Alem disso, outras leis, como a da guarda compartilhada, já admitia como realidade o fenômeno das famílias recompostas ou reconstituídas. Ou seja, aquelas formadas por pessoas vindas de outros relacionamentos, que estabelecem um novo núcleo familiar - com ou sem filhos de um ou dos dois genitores, ou de filhos em comum.

O divórcio direto não contribuiria para a falência das famílias brasileiras, justamente em um momento em que a sociedade apresenta uma série de sintomas de desestruturação familiar - incluindo a violência de jovens?

Devem se tranqüilizar aqueles que temem que este foi um passo a mais para destruir e desorganizar as famílias. A família é indestrutível. Ela foi, é, e continuará sendo o núcleo básico e essencial da formação e estruturação dos sujeitos, e, consequentemente, do Estado. O divórcio não é o fim da família. Ele apenas transforma a família nuclear em binuclear, ou seja, permite a formação de novas famílias mais livres e mais felizes.

Mas o divórcio direto não pode ser um estímulo para as separações, na medida em que fica cada vez mais fácil romper os vínculos matrimoniais?

Ninguém escolhe o casamento ou a separação em virtude de leis. Já havia a possibilidade do divórcio no Brasil, embora com restrições que apenas dificultavam e encareciam os procedimentos. Além disso, o que importa não é a manutenção de vínculos, muitas vezes beligerantes, mas, sim a possibilidade de constituição de famílias que permitam uma vida em harmonia. O critério, segundo estabelece o Estatuto das Crianças e dos Adolescentes (ECA)é o melhor interesse das crianças e adolescentes, que devem ser atendidos em suas necessidades materiais e afetivas. Importante ressaltar que ninguém está isento dessas responsabilidades só porque se separa, se divorcia ou constitui novas famílias. A autoridade parental é uma responsabilidade dos pais ou guardiões, atribuída pela constituição brasileira.

Os filhos não são os primeiros a sofrer com o divórcio?

Essa mudança traz consigo a superação de antigas concepções, como a que predominava em relação às conseqüências do divórcio para os filhos. Isto é, filhos de pais divorciados não são necessariamente problemáticos. Na verdade, problemáticos são os filhos de pais que litigam. Essa Lei põe fim aos argumentos que sustentam a briga pela causa da dissolução do casamento

Mas como o divórcio direto pode contribuir para a redução das brigas entre os cônjuges, especialmente no ato da dissolucão do casamento?

A facilitação do divórcio desestimulará os conflitos, os eternos e tenebrosos litígios judiciais, na medida em que não haverá mais necessidade de se discutir a culpa pelo fim de casamento, um dos maiores sinais de atraso do ordenamento jurídico brasileiro. Em segundo lugar, implicará mais responsabilidade das pessoas pelas suas escolhas afetivas, na medida em que não haverá mais o controle do Estado sobre o tempo de duração da intimidade, do desejo e do amor entre um casal.

Como o senhor avalia a votação, pelo Legislativo? Há certo amadurecimento da sociedade quanto à necessidade de os pares afetivos assumirem suas responsabilidades, sem a intervenção do Estado?

A aprovação da Emenda Constitucional alterando as regras básicas para o divórcio significa uma revolução paradigmática para o Direito de Família brasileiro. Em 1977, quando foi introduzido o divórcio no Brasil, houve uma vitória do princípio da liberdade sobre o princípio da indissolubilidade do casamento. Após mais de três décadas, a mudança constitucional proposta pelo IBDFAM através de dois projetos de Lei - que, por questões de tramitação, apresentam o mesmo teor - significa a vitória do princípio da responsabilidade. Com a facilitação do divórcio, as pessoas deixarão de ser tuteladas pelo Estado, que impõe prazos e regras, e terão uma responsabilidade maior com a manutenção, ou não, do vínculo do seu casamento. Isto está diretamente ligado à tendência mais contemporânea do Direito Civil, que é a autonomia privada, ou seja, o princípio da menor intervenção do Estado na vida privada das pessoas.

A redução da intervenção do Estado na vida privada seria um sinal de que os indivíduos querem assumir a responsabilidade por suas escolhas?

Uma das grandes questões do Direito de Família na atualidade é exatamente esta: qual é o limite da intervenção do Estado na vida privada das pessoas? Mas não é apenas no campo do Direito de Família que esta questão está posta. Ela é uma das grandes questões do Direito Civil. A autonomia privada é uma tendência nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e está ligada não apenas à responsabilidade e responsabilização dos sujeitos, mas também à democracia e cidadania.

Até que ponto o Judiciário pode contribuir para que os indivíduos ocupem a posição de sujeito e assumam as suas responsabilidades?

Uma nova ética para os operadores do Direito é não se permitirem ser instrumentos de "gozo" com as demandas judiciais. Refiro-me a um termo psicanalítico que, resumidamente falando, significa estacionar em um ponto de prazer, ainda que pela via do sofrimento. Não estaremos ajudando, ou contribuindo para a felicidade de nossos clientes, se incentivarmos, ou sustentarmos o litígio a qualquer custo. Os restos do amor que são levados ao judiciário, geralmente, significam uma perpetuação da relação através da briga. É preciso cortar este jogo perverso que alimenta a degradação do outro. O judiciário, de certa forma, sempre sustentou este "gozo com o sofrimento", na medida em que acredita, e procura um culpado pelo fim dos relacionamentos, por exemplo. É preciso substituir o discurso da culpa, que é paralisante do sujeito, pelo discurso da responsabilidade, que ajuda a construir e dar autonomia às pessoas, para que elas possam ser sujeitos da própria vida. O outro não pode ser culpado pela minha infelicidade. Se o outro me fez infeliz é porque fui eu mesmo quem permitiu.

De que modo os operadores de Direito devem se preparar para abandonar o conceito (moral) de culpa para adotarem o princípio (ético) da responsabilidade?

O judiciário é o lugar onde as partes depositam os seus restos, os restos do amor. A incapacidade de resolver os próprios conflitos transfere para um terceiro esta responsabilidade. Mas o litígio significa, muitas vezes, uma forma de não se separarem, já que as partes ficam ali unidas pelo ódio, que, aliás, une muito mais do que o amor. O processo judicial é a materialização da realidade subjetiva das partes ali envolvidas, que transferem para um "Grande-Outro" (o juiz) a responsabilidade de dizer quem tem razão. Neste sentido, a sentença judicial tem a importante função de dizer "pare de gozar". Esses longos e tenebrosos processos judiciais poderiam ser evitados se as pessoas se responsabilizassem mais pelas suas escolhas e atentassem mais pela subjetividade que atravessa toda a trama dos processos litigiosos. Atualmente, uma ótima e necessária técnica de dirimir conflitos tem sido a mediação, que está afinada com o discurso da responsabilidade, uma vez que o que ela tenta fazer é implicar os sujeitos com as suas próprias questões. A mediação, inclusive, deveria ser usada não apenas paralelamente ao judiciário, mas principalmente na "ante-sala" do judiciário, não apenas como eficaz técnica de ajudar a dirimir conflitos, mas principalmente como uma alternativa ao caótico assoberbado poder judiciário.

Autor: Ascom IBDFAM



http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2273672/divorcio-direto-no-brasil-direito-de-escolha-e-responsabilidade



TEXTO 3



FAMÍLIA, DIREITOS HUMANOS, PSICANÁLISE E INCLUSÃO SOCIAL

Sumário:

1. Introdução: a família pela ótica dos direitos humanos
2. As novas concepções da família e a interdisciplinariedade: psicanálise e direito
3. A família como estrutura: revisitando o artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos
4. Dois grandes desafios: limites de intervenção do estado na vida privada e a subjetividade na objetividade jurídica
5. Concluindo: toda demanda é uma demanda de amor
6. Bibliografia.


1 INTRODUÇÃO: A FAMÍLIA PELA ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS

A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo. Certamente essas mudanças têm suas raízes históricas atreladas à Revolução Industrial, com a redivisão sexual do trabalho, e à Revolução Francesa, com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um “declínio do patriarcalismo” e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as constituições democráticas. Em outras palavras, todos os países que pretendem ter uma Constituição democrática têm, necessariamente, que trazer em seus princípios a dignidade da pessoa humana, sustentáculo dos Direitos Humanos, afinal declarados e reconhecidos pela Assembléia da Organização das Nações Unidas - ONU, em 1948.

Os Direitos Humanos são indissociáveis da democracia e, conseqüentemente, da cidadania, palavra de ordem da contemporaneidade, que é hoje um imperativo categórico, à semelhança do imperativo categórico ético de Kant.

O Direito de Família é o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão disso, e também pelo sentido ideológico e histórico de exclusões, é que se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cujas bases e ingredientes estão, também, diretamente relacionados à noção de cidadania.

Cidadania significa não-exclusão. É, portanto, a inserção das várias representações sociais da família, da valorização do Sujeito de Direito em seu sentido mais profundo e ético. É a inclusão e a consideração das diferenças como imperativo da democracia.

O Direito, ideologicamente, vai incluindo ou excluindo pessoas do laço social. Não podemos permitir que a história das exclusões se repita, ou resista. Por exemplo, no Brasil, até 1888, os negros não eram Sujeitos de Direito; as mulheres, até 1932, não podiam votar e só foram consideradas juridicamente capazes em 1962; os filhos havidos fora do casamento, além de receberem o selo oficial de ilegítimos, não podiam ser reconhecidos na ordem jurídica; famílias sem a formalidade do casamento civil não eram legitimadas/reconhecidas pelo Estado.

A história do Direito de Família no Brasil, e em quase todos os ordenamentos jurídicos, é marcada por vários registros de exclusão. Não podemos dar as costas à História, sob pena de continuarmos perpetuando injustiças.

Essa reflexão significa, em sua essência, a invocação dos artigos 16 e 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Artigo 16:

I – os homens e mulheres de maioridade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

II – O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

III – A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 25:

II – A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.”

2 AS NOVAS CONCEPÇÕES DA FAMÍLIA E A INTERDISCIPLINARIEDADE: PSICANÁLISE E DIREITO

A família foi, é e continuará sendo o núcleo básico de qualquer sociedade. Sem família não é possível nenhum tipo de organização social ou jurídica. É na família que tudo principia. É a família que nos estrutura como sujeitos e encontramos algum amparo para o nosso desamparo estrutural. A tão propalada “crise” da família nada mais é que o resultado de um processo histórico de alteração das formas de sua constituição. Quando o artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos preceitua que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade”, ele não está excluindo as diversas outras possibilidades de constituição de família, além daquela formada pelo matrimônio.

No final da segunda metade do século XX, quando foi feita a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os ideais de liberdade já estavam bem consolidados, pelo menos para o mundo ocidental. Aliás, justamente esses foram ideais que autorizaram e trouxeram a necessidade de se fazer tal Declaração. No contexto desses ideais de liberdade, está inserida a liberdade das pessoas escolherem outras formas de constituição de família para além daquelas formadas tradicionalmente. A partir de então, os Estados Nacionais passaram a reconhecer várias formas de constituição de família. No Brasil, isto se deu oficialmente em 1988, com a nova Constituição da República: família constituída pelo casamento, pelo concubinato não-adulterino e as famílias monoparentais, ou seja, por qualquer dos pais que viva com seus descendentes. Antes dessa data, outros países já haviam reconhecido a “família plural”, assim como, até hoje há aqueles que só reconhecem a família constituída pelo casamento/matrimônio. Entretanto, diante desses ideais de liberdade trazidos pela concepção dos Direitos Humanos, pode-se afirmar que há uma tendência em todos os países do mundo de se “legitimar” e reconhecer as várias representações sociais da família.

Associada aos ideais de liberdade dos sujeitos, em todos os seus sentidos, está a necessidade de buscarmos um conceito de família que esteja acima de conceitos morais, muitas vezes estigmatizantes. Assim, devemos buscar um conceito de família que possa ser pensado e entendido em qualquer tempo ou espaço, já que família foi, é, e sempre será a célula básica da sociedade.

O Direito talvez não baste para ajudar-nos a encontrar a resposta. Devemos, então, buscar ajuda em outros campos do conhecimento, como na Antropologia e Psicanálise, para aprofundarmos a questão.

Na Antropologia, a partir de Claude Levi Strauss, com seu estruturalismo. Na Psicanálise, “inventada” por Freud e em sua forma mais evoluída por Jacques Lacan, poderemos trazer para o Direito uma noção mais profunda de família. Isto se torna particularmente importante em um Congresso Internacional como este, onde há operadores do Direito do mundo inteiro, o que significa dizer que há pessoas dos mais variados ordenamentos jurídicos, influências de todas as culturas e religiões, do Ocidente ao Oriente, de países ricos e pobres. Apesar de toda essa variedade e diversidade de cultura, religião e credos, valores morais, seria possível encontrar um elemento comum a todos nós, ou seja, seria possível estabelecer um CONCEITO UNIVERSAL DE FAMÍLIA? A Psicanálise lacaniana vem nos dizer que sim.

3 A FAMÍLIA COMO ESTRUTURA: REVISITANDO O ARTIGO 16 DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS

A partir de Lacan e Levi Strauss, podemos dizer que FAMÍLIA É UMA ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA EM QUE CADA MEMBRO OCUPA UM LUGAR, UMA FUNÇÃO. Lugar de pai, lugar de mãe, lugar de filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. Tanto é assim, uma questão de “lugar”, que um indivíduo pode ocupar o lugar de pai ou mãe, sem que seja o pai ou a mãe biológicos. Exatamente por ser uma questão de lugar, de função exercida, que existe o milenar instituto da adoção. Da mesma forma, o pai ou a mãe biológicos podem ter dificuldade em ocuparem este lugar de pai ou de mãe, tão necessários e essenciais à nossa estruturação psíquica e formação como seres humanos e Sujeitos de Direitos.

É essa ESTRUTURAÇÃO FAMILIAR que existe antes, e acima do Direito, que nos interessa trazer para o campo jurídico. E é sobre ela que o Direito vem, através dos tempos, e em todos os ordenamentos jurídicos, regulando e legislando, sempre com o intuito de ajudar a mantê-la para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão (sem esta estruturação familiar, na qual há um lugar definido para cada membro, o indivíduo seria psicótico) e trabalhar na construção de si mesmo, ou seja, na estruturação do ser-sujeito e das relações interpessoais e sociais, que possibilitam a existência dos ordenamentos jurídicos.

Nossa velha e constante indagação persiste: o que é que garante a existência de uma família? Certamente não é o vínculo jurídico e nem mesmo laços biológicos de filiação são garantidores. Essas relações não são necessariamente naturais. Elas são da ordem da cultura, e não da natureza. Se assim fosse não seria possível o milenar instituto da adoção, por exemplo. Devemos, então, a partir da compreensão, e da constatação, de que é possível estabelecer um conceito universal para família, revisitar o inciso III do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, já que família não é natural, mas essencialmente cultural.

4 DOIS GRANDES DESAFIOS: LIMITES DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA VIDA PRIVADA E A SUBJETIVIDADE NA OBJETIVIDADE JURÍDICA

Ultrapassado esse grande desafio do atual Direito de Família, que é a definição e o conceito de família, deparamo-nos, ainda dentro desses ideais de liberdade e respeito à dignidade da pessoa humana, com duas grandes questões do Direito de Família pós- Declaração dos Direitos Humanos.

A primeira é saber qual o limite de intervenção do Estado na vida privada do sujeito-cidadão. No momento em que a tendência do Estado é afastar-se cada vez mais da vida privada do cidadão é de se perguntar se o Estado poderia impor que existe um culpado pelo fim do casamento, como ainda acontece em vários países, inclusive no Brasil. É de se indagar também se o Estado não estaria intervindo em excesso na vida privada do cidadão ao estabelecer textos normativos regulamentando o concubinato, e promovendo ações de investigação de paternidade como tem sido feito no Brasil e em vários outros países.

Segunda. Não se pode mais desconsiderar que na objetividade dos atos e fatos jurídicos permeia uma subjetividade. Por que os sujeitos pagam ou não pensão alimentícia, reconhecem ou não a paternidade, casam-se e separam-se e levam os restos do amor para o Judiciário? E o amor, quem diria, foi parar na Justiça!

Freud, ao revelar ao mundo a existência do INCONSCIENTE, fundou a Psicanálise que, além disso, trouxe-nos à consciência a compreensão da estrutura e funcionamento do nosso aparelho psíquico. Ele revelou, também, ao mundo que a sexualidade é algo muito mais profundo e que não se reduz à genitalidade. Sexualidade é uma dimensão presente na totalidade da existência humana. A energia libidinal é o que dá vida à vida. Faz-nos trabalhar, produzir, criar e descansar; amar e sofrer; ter alegria, prazer e angústia. É o DESEJO, que começa com a vida, termina com a morte e sustenta-nos por toda a vida. Começou a vida, instalou-se o desejo. Acabou o desejo, acabou a vida. É ele que mantém vivo o “arco da promessa”.

Assim, pode-se dizer que o “sujeito-de-direito” é também um “sujeito-de-desejo” e, portanto, um sujeito-desejante. É este sujeito-desejante que pratica atos jurídicos, faz e desfaz negócios.

Se somos sujeitos de desejo, é importante indagar o que é o desejo. A fisiologia do desejo é estar sempre desejando um algo mais. Desejo é falta. É assim nossa estrutura psíquica. Somos sujeitos da falta. Está sempre faltando algo para nos completar, embora, às vezes nos iludimos com o nosso ideal de completude. Somos mesmo de falta e algo em nós sempre faltará. Daí a definição de Lacan: “Desejo é desejo de desejo”.

Compreender o funcionamento da estrutura psíquica é compreender também a estrutura do litígio conjugal, em que o processo judicial se torna, muitas vezes, uma verdadeira história de degradação do outro. É a mistura e a confusão da subjetividade na objetividade, que fazem os sujeitos ali envolvidos estarem sempre com a sensação de que estão perdendo algo. Na verdade, naquele eterno e degradante litígio é uma tentativa de tamponarem, às vezes, inevitável perda da separação.

5 CONCLUINDO: TODA DEMANDA É UMA DEMANDA DE AMOR

O pensamento contemporâneo tomou um outro rumo a partir do discurso psicanalítico.As noções de inconsciente, desejo, e libido instalaram um outro discurso sobre a sexualidade, que não está necessariamente ligada à genitalidade, mas muito mais ao AFETO. Essa sexualidade está também vinculada a uma moral sexual dita civilizatória, segundo Freud. Por isso podemos dizer que todas as questões com as quais lidamos no Direito de Família, direta ou indiretamente, passam pelo crivo de um viés da moral sexual vigente. Por exemplo: quando se está investigando uma paternidade, mesmo com a possibilidade de prova via exames de DNA, discute-se a conduta da moral sexual da mãe; quando se está litigando em um processo de separação, na maioria das vezes o cerne é saber quem traiu, quem foi infiel; as discussões sobre anulação de casamento estão associadas à homossexualidade, frigidez, impotência etc; as destituições de pátrio poder, na maioria das vezes, dão-se em razão de um abuso sexual.

Em nome dessa moral sexual, dita civilizatória, é que muitos já foram excluídos do “laço social” e da legitimação e do reconhecimento do Estado, como os filhos havidos fora do casamento, famílias ilegítimas por não terem recebido o selo da oficialidade do casamento etc, etc. Até quando os ordenamentos jurídicos continuarão excluindo as formas de relações diferentes daquelas tradicionalmente instituídas? Em nome de qual moral os ordenamentos jurídicos se autorizam ainda a excluir, por exemplo, as relações homoafetivas? Não estaria na hora de reconhecer, em nome da dignidade da pessoa humana, base de sustentação dos Direitos Humanos, a liberdade de as pessoas estabelecerem suas relações e estarem, seja qual for sua forma de expressão do amor, incluídas no laço social?

Em síntese, e para terminar, as bases principiológicas dos Direitos Humanos pressupõem-se como sustentáculo da liberdade do sujeito. Entretanto, não é possível pensar em liberdade se as pessoas não puderem ser sujeitos da própria vida e do próprio destino e desejo. A verdadeira liberdade é aquela em que os Sujeitos-de-Direito não estejam assujeitados aos ordenamentos jurídicos excludentes das diferentes e diversas formas de constituição de famílias, ou nos ordenamentos jurídicos que sobrepõem a forma à essência e ainda não consideram o afeto como norteador e condutor da organização jurídica sobre a família. A verdadeira liberdade e ideal de Justiça estão naqueles ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que compreenda a essência da vida: dar e receber amor.

6 BIBLIOGRAFIA

FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade - Relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. In: Obras Psicológicas Completas. Trad. Orizon Carneiro. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v. XII.

HATTENHAUER, Hans. Conceptos fundamentales del derecho civil - Introducción-dogmatica. Barcelona: Ariel, 1987.

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 20. Trad. M.D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

Complexos familiares. Trad. Marco Antônio Coutinho Jorge e Potiguara Mendes da Silveira Júnior. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

LEGENDRE, Pierre. L'amour du Censuer - Essai sur l'ordre dogmatique. Paris: Édition du Seiul, 1974.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A sexualidade vista pelos tribunais. – 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

PETRAZYCKI, Leon. Law and Morality. Tentieth Century Legal Philosophy series, v. VII, Cambridge (Mass), 1955.

STRAUSS, Claude Levi. Estruturas elementares do parentesco. Trad. Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1982.

VILLELA, João Baptista. “A desbiologização da paternidade”. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, ano XXVII, n. 21, 1979.

As novas relações da família. In: Anais da XV Conferência Nacional da OAB em Foz do Iguaçu. São Paulo: JBA Comunicações, 1995.

VINDELOV, Vibeke. Family Lawin Denmark. In Family, Law and social policy - OÑATI - Valério Pocar and Paola Ronfani, 1991.

*Publicdo em The International Survey of Family Law, 2002 (Braszilian Family Law in the Twenty-First Century and Psychoanalyis e na Revista Brasileira de Direito de Família, número 16, 2003.

*Palestra proferida em 3/8/2002, na 11th World Conference the International Society of Family Law, numa viagem de navio, de Copenhagen para Oslo.

*Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado em Direito de Família em Belo Horizonte/MG. Professor na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Brasil. Mestre em Direito Civil. Autor dos livros: “Concubinato e União Estável”; “Direito de Família: uma abordagem psicanalítica”; “A sexualidade vista pelos Tribunais”. Organizador das obras: “Direito de Família Contemporâneo”, “Direito de Família e o Novo Código Civil”, todos pela Editora Del Rey. E-mail: rcp@rodrigodacunha.adv.br


http://www.rodrigodacunha.com.br/artigos_pub05.html


TEXTO 4

TENTATIVA DE INTERFERÊNCIA DO ESTADO NA VIDA FAMILIAR.

POR: MARCO PASSOS


Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PL 2654/2003), de autoria da parlamentar Maria do Rosario PT/RS, que proíbe os pais de aplicar castigos físicos moderados em seus filhos, inclusive prevendo punições e até cadeia. Não se está falando de punição para abusos (pois sobre abusos já há legislação própria de proteção à criança e ao adolescente). Um simples puxão de orelha ou palmada poderá ser considerado crime, se essa lei vier a entrar em vigor. E o bonde está andando, o projeto já passou na Comissão de Constituição e Justiça.

É mais um tentativa de construir um Estado que limita a ação do indivíduo, com ingerências na vida familiar. Algo inteiramente inaceitável. Mas não é a primeira tentativa de tentar criar controles estatais além de suas prerrogativas: Primeiro tentaram controlar a imprensa, não deu certo; depois foi o desarmamento, mas houve o repúdio nas urnas. E agora mais essa, como que invadindo nossas casas e ditando como devemos ou não educar nossos filhos, como se eles os sustentassem com comida, roupa, moradia, escola e saúde de boa qualidade.

Essa mania esquerdista por Estados totalitários e fortes, em detrimento das liberdades individuais, encontra ânimo em governos autoritários como da Venezuela, Coréia do Norte, Cuba e lá vai. Parece coisa do Livro 1984 de George Orwell, o Estado na figura do Grande Irmão.

Não estamos aqui a defender castigos físicos, muito menos abusos na criação dos filhos. Mas há limites para a interferência do Estado na vida privada.


Postado por MARCO ANTONIO às 14:45


http://paniconapolitica.blogspot.com/2006/01/tentativa-de-interferncia-do-estado-na.html

segunda-feira, 19 de julho de 2010

COPA DO MUNDO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Colunistas| 18/06/2010 |


DEBATE ABERTO

Mídia e Copa: o mundo reduzido ao futebol
Um amigo chama minha atenção para a cobertura “enviesada” que a grande mídia está fazendo, nestes dias de Copa do Mundo, do gigantesco vazamento de óleo provocado pela empresa “inglesa” Bristish Petroleum, no golfo do México.

Venício Lima

Não existe melhor exemplo para expressar aquilo que o professor canadense Marshall McLuhan (1911-1980) denominou “aldeia global”, há mais de quatro décadas. A tecnologia tornou possível que as imagens da Copa do Mundo de Futebol estejam disponíveis em todo o planeta, ao vivo, simultaneamente.

Haverá outro evento midiático capaz de interessar e mobilizar tanta gente? No Brasil, quando está envolvida a “seleção canarinho”, já dizia com propriedade Nelson Rodrigues: é a pátria que está de chuteiras.
São trinta dias corridos, cerimônias de abertura e encerramento, 64 jogos ao vivo (124 horas), treinos, entrevistas, reportagens especiais, etc. etc. Duas redes abertas – a Globo e a Band –, os canais de esporte da TV paga e as demais emissoras (que não estão transmitindo os jogos), com programação especial. Só a Globo tem 300 pessoas na Copa: 220 profissionais que foram do Brasil e mais 80 terceirizados contratados na África do Sul. E, por óbvio, não é só a televisão, nem o rádio. Jornais e revistas também “entram no clima” da Copa.

Ademais, é neste dias que a predominância da lógica comercial da grande mídia se revela em sua dimensão plena. Além da “Jabulani” que rola, há muito dinheiro em jogo. E claro, o mundo da grande mídia parece reduzido ao futebol.

A British Petroleum
Um amigo chama minha atenção para a cobertura “enviesada” que a grande mídia está fazendo, nestes dias de Copa do Mundo, do gigantesco vazamento de óleo provocado pela empresa “inglesa” Bristish Petroleum, no golfo do México. Segundo ele, este pode ter sido o maior desastre ecológico do mundo. Todo o golfo poderá ter sua fauna e flora marinha comprometida de forma irreversível. E, no entanto, a grande mídia, não dá ao desastre a dimensão que ele deveria ter.

Primeiro, na maioria das vezes, a grande mídia se refere à British Petroleum apenas como “BP”. Estaria em andamento uma estratégia de RP para, escamotear de qual país é a empresa responsável pelo desastre ecológico?

Segundo, onde está o Greenpeace? Onde estão O Globo, a Rede Globo, a Folha, o Estadão, a CBN e seus “analistas políticos”, os "econômicos", os "apresentadores", as "ONGs", ambientalistas, verdes, igrejas, atores hollywoodianos? Onde estão todos que se manifestaram ruidosamente por ocasião do leilão da hidrelétrica de Belo Monte?

Terceiro, a grande mídia faz o jogo da Casa Branca, anunciando que o presidente Barack Obama “quer saber em quem ele tem que dar um chute no traseiro”, como se um acidente que é devastador para a humanidade pudesse ser resolvido dessa forma.

E por último, há comentaristas que tentam até mesmo trazer a questão para o Brasil insinuando que o desastre no Golfo do México “deve alertar os brasileiros para a exploração e prospecção da Petrobrás no pré-sal”.

Interesse público
Por óbvio, os problemas da cobertura do desastre ecológico provocado pela British Petroleum no golfo do México não ocorrem apenas em períodos quando a agenda midiática está inteiramente submetida à lógica comercial de eventos da proporção de uma Copa do Mundo. Nestes períodos eles apenas se acentuam.

Por isso – e apesar de todo o envolvimento histórico cultural que os brasileiros temos com o esporte bretão – nunca é demais lembrar que, mesmo em época de Copa, o interesse público vai muito além do entretenimento e o mundo não se reduz ao futebol.




Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.





http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4677&alterarHomeAtual=1

quarta-feira, 14 de julho de 2010

MUDANÇA CLIMÁTICA

Meio Ambiente| 12/07/2010 |


Problemas na investigação sobre a mudança climática

Atravessamos já a primeira década do século XXI e todas as previsões sobre a mudança climática se cumpriram. Mas aqueles que fazem montanhas de dinheiro vendendo combustíveis fósseis negam-se a reconhecer os danos já causados e, quando reconhecem, dedicam uma pequena parte de seus imensos lucros para o desenvolvimento de energias alternativas. Uma das coisas que fazem é tentar desmoralizar investigadores sérios que estudam a evolução do clima. O artigo é de Antonio Ruiz de Elvira, pesquisador do Fórum Europeu do Clima.

Antonio Ruiz de Elvira - Sin Permiso

Atravessamos já a primeira década do século XXI e todas as previsões sobre a mudança climática se cumpriram. Mas aqueles que fazem montanhas de dinheiro vendendo combustíveis fósseis negam-se a reconhecer os danos já causados e, quando reconhecem, dedicam uma pequena parte de seus imensos lucros para o desenvolvimento de energias alternativas (1). Negam-se a tal ponto (gerando, enquanto isso, catástrofes seqüenciais) que conseguiram destroçar a reunião de Copenhague, na qual deveriam ter sido aprovadas medidas para dar prosseguimento ao Protocolo de Kyoto. Uma das coisas que fizeram foi procurar desprestigiar um dos melhores investigadores sobre a evolução do clima, naquilo que se denominou “climagate”: o uso de informações retiradas do contexto para desmoralizar uma pessoa, como se, de uma conversa telefônica, se extraíssem as palavras “assassinei”, “eu”, “ontem”, “menina”, para construir a frase “Eu assassinei uma menina ontem à noite”, quando o que a pessoa disse foi “Inteirei-me ontem que assassinaram uma menina. E eu digo...”

Os dados manejados por Phil Jones e sua equipe da Universidade de East Anglia não foram manipulados (isso pode ser comprovado por quem tiver vontade e tempo,pois os dados são públicos. Eu fiz isso) e seu tratamento estatístico é perfeitamente correto. A ciência tem como garantia a possibilidade de que qualquer um pode repetir o que foi feito por outros, para comprovar os resultados anunciados. Estimulo os leitores a que se armem de paciência e façam isso, antes de aceitar afirmações errôneas.

A investigação sobre a mudança climática segue seu ritmo. Provavelmente, os modelos globais alcançaram a precisão máxima de que são capazes, enquanto se mantém fiéis às simplificações de partida, sobretudo ao que se conhece como aproximação hidrostática, que substitui a integração direta da velocidade vertical por seu cálculo a partir das duas velocidades horizontais. A aproximação é falsa e invalida qualquer resultado dos modelos que pretenda ter precisão espacial. Para obter essa precisão é preciso utilizar uma técnica que se denomina aumento de escala mediante estatística, mas ao rechaçar os que praticam o que é realmente esta última ciência, os resultados não são confiáveis. Sabemos com certeza que o mundo está aquecendo, que os pólos esquentam umas três vezes mais depressa que o resto do planeta. Sobre isso não cabe nenhuma dúvida. Mas os modelos utilizados são incapazes de fazer previsões confiáveis sobre o que vai acontecer em cada zona do globo de menos de 50 quilômetros quadrados.

Aqui temos dois problemas quase insuperáveis. Um é que o importante são as magnitudes pequenas, como a velocidade vertical do ar. Da mesma foram que os modelos econômicos desprezam, por insignificante, a magnitude “energia” em seus cálculos, quando ela é a variável de controle, os modelos climáticos desprezam a velocidade vertical, que também é a variável de controle.

Na teoria do controle, são sempre pequenas ações que controlam grande fluxos: a energia para mover uma comporta que regula a saída da água de um pântano é desprezível frente à energia da água que sai. Mas é a comporta que regula o fluxo de água. O segundo problema é que a ciência do clima é já uma disciplina madura. Isso quer dizer que as idéias inovadoras dos jovens (ou as minhas, ainda que não seja jovem) são rechaçadas pelos que controlam as publicações, pelos editores que basearam seu prestígio em idéias tradicionais e não podem, agora, aceitar outras.

Outro problema atual na investigação sobre o clima é apresentado pelos aerossóis, as partículas de tamanhos desde 100 nanômetros a algumas micras, que circulam pela atmosfera e servem de núcleos de condensação do vapor d’água para formar nuvens. O principal gás que apanha a radiação infravermelha emitida pela superfície terrestre é o vapor d’água, que se condensa formando nuvens. Dependendo de as nuvens serem altas ou baixas, seu efeito sobre a energia incidente em forma de luz (sua capacidade de reflexão ou albedo) e seu efeito sobre sua absorção de radiação eletromagnética infravermelha são muito diferentes. Não sabemos ainda como se comportam os aerossóis no que diz respeito à formação de nuvens. É um campo de investigação de ponta hoje e esperamos que se façam avanços importantes ao longo dos próximos dez anos. As variações sobre as previsões do aquecimento que dependem da existência de aerossóis representam um entorno de 0,3° C, o que é muito importante hoje, e muito menos importante dentro de dez ou vinte anos.

Finalmente, gostaria de dizer algumas palavras sobre o que significa “mudança” na investigação sobre “mudança climática”. A comunidade científica e a comunidade humana em geral não entendem o que é mudança. Costuma-se pensar que podemos extrapolar o que temos hoje em relação ao futuro. Isso é evolução, mas não mudança. Se, em 1880, se quisesse extrapolar (e isso foi feito e se faz até hoje na ciência da teoria econômica) a situação de então até o ano 2000, teriam se desenhado melhores carruagens a cavalos, melhores trens baseados no vapor d’água e melhores lampiões utilizando o petróleo. Mudança significa algo novo, que não podemos obter a partir das séries temporais passadas. Podemos utilizar estas como controle dos modelos matemáticos, mas as situações novas só podem ser estudadas mediante a aplicação das leis da física (neste caso, do clima). O clima é um sistema complexo não linear capaz de saltar de um regime a outro, como por exemplo, de uma glaciação a uma deglaciação, ou de um par de faixas nas trajetórias dos temporais a seis faixas. Mudança significa saltar de um regime a outro, e isso não podemos encontrar mediante a análise de séries temporais passadas, mas sim mediante a aplicação da teoria. Mas não sabemos fazer isso enquanto alguém exige que fiquemos apenas dando mais voltas na mesma manivela. Em geral, já sabemos muito, mas há muitíssimo ainda por saber, sobretudo a respeito dos detalhes.

Nota:

(1) http://www.domain-b.com/companies/companies_e/Exxon_Mobil/20080529_exxon_mobil.html

(*) Antonio Ruiz de Elvira é catedrático de Física Aplicada na Universidade de Alcalá e membro do Forum Europeu do Clima.

Tradução: Katarina Peixoto




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