quarta-feira, 20 de junho de 2012

TEXTO COMPLEMENTAR SOBRE TEMA: FAMÍLIA

TEXTO COMPLEMENTAR

Olhares antropológicos sobre a família contemporânea

Claudia Fonseca
Antropóloga, UFRGS


É com muito prazer que venho integrar essa mesa interdisciplinar sobre novas tendências de pesquisa sobre a família. Através de uma consulta à bibliografia atual, proponho trazer aqui uma colaboração da Antropologia ao mesmo tempo que elaboro uma inquietação surgida de minhas próprias pesquisas. Trabalho normalmente em bairros da periferia urbana onde lanço mão do método etnográfico para pensar a especificidade de valores e práticas nesse contexto. Contudo, muitas vezes, ao destacar, entre os sujeitos de meu estudo, dinâmicas familiares que divergem do modelo conjugal (típico do meu contexto), tenho a impressão de reforçar, antes do que combater, estereótipos do senso comum. Qualquer desvio de padrões hegemônicos é frequentemente visto pela plateia como sintoma de inferioridade, desorganização social, ou atraso. Na melhor das hipóteses, dinâmicas alternativas em grupos populares seriam vistas como uma adaptação funcional à pobreza – “estratégias de sobrevivência”. Embora essa última noção aponte para aspectos importantes da realidade, arrisca ser usada de forma simplista, reduzindo tudo que é específico a uma questão econômica – como se “pobres” tivessem estratégia de sobrevivência em vez de cultura. Nesse artigo, procuro aproveitar a literatura atual sobre relações familiares para esboçar um modelo analítico que combate perspectivas reducionistas deste tipo.
Agrupo as pesquisas que nos interessam em duas grandes linhas: por um lado, a que enfoca o indivíduo enquanto valor fundamental da modernidade e que tem provocado uma resignificação da própria noção de família, e, por outro, a que resgata a dinâmica social das relações familiares, ressaltando a importância das redes extensas de parentesco .
Sugiro que, entre essas diferentes linhas de análise, é possível encontrar conceitos que possam ser aplicados a um grande leque de circunstâncias sem engessar a realidade em modelos pré-estabelecidos.


O declínio dos modelos hegemônicos nas análises científicas

De início, devemos lembrar que, frente à incrível diversidade de formas familiares constatadas hoje, muitos pesquisadores questionam o sentido de falar em “a família”. Certamente a imagem de família com a qual pessoas de minha geração foram criadas já foi amplamente desmistificada. Aquela família nuclear - com um casal heterossexual, unido pelo casamento e criando todos seus filhos biológicos – parece cada vez menos pertinente, tanto em termos estatísticos quanto em termos normativos. Consideremos o exemplo dos países do hemisfério norte onde mudanças recentes foram bem documentadas. De 1965 para cá, a taxa de casamento, assim como a taxa de fecundidade, caiu por trinta a quarenta por cento. Para muitos jovens, parece que o casamento legal tornou-se uma formalidade antes do que uma obrigação moral, de forma que, em diversos países, entre um terço e um quarto dos nascimentos são “ilegítimos” (ver Tabela 1). O divórcio deu um salto, triplicando e até, em certos países, quadruplicando nesse mesmo período (ver Tabela 2). Esse quadro faz com que não é surpreendente encontrar, como nos Estados Unidos, uma taxa muito grande de crianças vivendo com apenas um dos seus pais biológicos, ou, como na França, um contingente desproporcional de pessoas vivendo sozinhas. Em termos estatísticos, a unidade doméstica calcada na família nuclear não se manifesta com a mesma frequência que cinquenta anos atrás e, em termos normativos, não exerce mais a hegemonia de outrora .

A família vem, portanto, se revelando como algo bem mais complicado do que imaginávamos. E, tendo reconhecido essa complexidade, temos dificuldade em aceitar as receitas teóricas clássicas que nos ofereciam modelos simplificados. Assim, o modelo patriarcal, elaborado por Gilberto Freyre no início dos anos trinta, no âmbito da “casa grande” nordestina deixou de ser visto como matriz da família brasileira tradicional. Sabemos hoje que a sociedade colonial não se reduzia a apenas duas camadas (senhores e escravos) e que, conforme as circunstâncias históricas de cada região, as formas familiares são múltiplas. Existia, por exemplo, uma enorme população de brancos e “pardos” pobres em que a unidade doméstica média era pequena, freqüentemente chefiada por uma mulher sozinha, e contendo diversos agregados (Samara 1983, Correa 1982, Volpi este volume.). Em outras palavras, para a compreensão da complexa realidade que enfrentamos no Brasil contemporâneo, a noção da “família patriarcal” extensa, tal como foi descrita por Freyre, é vista como sendo de relevância limitada.

Outro grande teórico que, durante três décadas, parecia nos dar todas as respostas é Talcott Parsons. Lá onde Freyre nos explicava “o tradicional”, Parsons (1955) esclarecia tudo que queríamos saber sobre a família “moderna”. As análises dele, baseadas na observação de famílias de camadas médias americanas na década de 50, serviram para impor, na consciência de toda uma geração de pesquisadores, a família nuclear e conjugal como sine qua non da modernidade. Ao destacarem a “normalidade” no sentido estatístico desse modelo, as análises deslizavam facilmente para julgamentos morais. Essa família – de um casal monogâmico e todos seus filhos menores - parecia brotar diretamente da natureza humana, sendo vista como necessária para o desenvolvimento sadio de todo e qualquer pessoa.

Ora, mais uma vez, a proliferação de pesquisas antropológicas nas últimas décadas do século vinte mostrou que existe, no seio da modernidade, uma enorme diversidade de dinâmicas familiares. Comportamentos que divergem do modelo dito moderno se encontram não somente nos continentes exóticos (África e Ásia) e nas regiões “subdesenvolvidas”, mas dentro dos países vistos como protótipos da modernidade – na Europa e nos Estados Unidos. O mito da "grande convergência", que as práticas familiares, imensamente diversas, da época pre-moderna fossem coincidir em torno de um único modelo nuclear e conjugal, foi explodido (Segalen 1995). Apesar de verificarem tendências contemporâneas muito difundidas - o aumento da expectativa de vida, por exemplo, que vem modificar a relação entre gerações adultas da família, e o aumento do divórcio - pesquisadores concordam hoje que não existe padrão universal de evolução familiar.

Encontrámo-nos portanto sem as nossas antigas crenças consoladoras sobre a evolução da família- sem mito de origem (sobre o "tradicional" de antigamente), e sem crença num destino fixo (sobre um único modelo homogêneo da modernidade). Onde que tudo isso deixa os pesquisadores? Diante da constatação da diversidade empírica, e do declínio de modelos analíticos clássicos, como que analistas estariam definindo “a família"?

Há pesquisadores que tomam a própria falta de modelo como traço característico da família chamada "pós-moderna". J. Stacey, por exemplo, a partir de seu estudo de mulheres das camadas médias baixas morando num subúrbio de Los Angeles, chega à conclusão que é impossível caracterizar a família contemporânea por um conjunto coerente de termos descritivos:

A família pós-moderna não é um novo modelo de vida familiar equivalente ao da família moderna, não é o novo estágio de uma progressão ordenada da história da família, mas, sim, o estágio nesta história onde a crença numa progressão lógica de estágios se desmancha. Rompendo com a teleologia das narrativas modernizantes que retratam uma história evolucionária da família, e incorporando tanto elementos experimentais como nostálgicos, “a” família pós-moderna avança e recua para dentro de um futuro incerto (1992: 94).

Acontece que, apesar dessa indefinição, as relações familiares, de uma forma ou outra, parecem continuar ocupando um lugar de destaque na maneira em que a maioria de nós vemos e vivemos o mundo. Falar de família é evocar um conjunto de valores que dota os indivíduos de uma identidade e a vida de um sentido. Além dessa função simbólica, a noção de família - ligada à organização da vida cotidiana - ainda desempenha um papel pragmático na formulação de políticas públicas. Precisamos, portanto, de uma linguagem para falar desse conjunto de valores e práticas familiares sem cair no erro do passado – de imaginar um modelo homogêneo, coerente, hegemônico. Procuramos, por conseguintes, instrumentos para pensar as diferentes formas familiares numa perspectiva comparativa – perspectiva essa que recusa hierarquias etnocêntricas (famílias “avançadas” versus famílias “atrasadas”, etc.) e, ao mesmo tempo, resgata a especificidade de cada configuração.


O individual: um acento na ideia de ESCOLHA

Historiadores descrevem como, especialmente a partir da revolução industrial, o afeto começa a ser considerado como a base da vida familiar. Os filhos, encarados na época pré-moderna como mão de obra para a empresa familiar, segurança na velhice ou meio de perpetuação da linhagem, passam a possuir um valor, antes de tudo, afetivo. Da mesma forma, o amor romântico torna a caracterizar o matrimônio ideal, ditando a necessidade da “livre escolha” do cônjuge. Aqui, o valor central não é mais a linhagem ou o nome da família, a serem protegidos a qualquer custo (mediante o sacrifício, quando necessário, dos membros), mas, sim, a felicidade dos indivíduos (Ariès 1981, MacFarlane 1986).

Muitos pesquisadores veem as recentes mudanças nas dinâmicas familiares das camadas médias na Europa e na América de Norte como extensão desse ideário moderno. As citações de artigos em língua estrangeira foram traduzidas do original pela autora.
Sugerem que, a medida que as convenções morais de outrora iam cedendo a valores modernos, centrados na auto-realização e satisfação emocional, as relações conjugais – tanto no seu início quanto no seu final – tornaram-se abertas à negociação. Se a afeição é vista como elemento constituinte da relação de casal, a separação conjugal aparece não como uma ruptura problemática, mas antes como um acontecimento lógico naqueles casos onde o amor romântico definhou (Théry 1993). Sob esse ponto de vista, a família é vista como funcional na medida em que proporciona a cada um de seus membros as condições para seu desenvolvimento pessoal (ver Segalen 1995, Singly 2000).

Seguindo esta linha de raciocínio, deveremos notar que a atual ênfase na escolha e afeição não somente fez do término de certas relações familiares algo mais lógico, mas também permitiu a legitimação de formas familiares que até recentemente não eram aceitas. O relacionamento entre pais e filhos adotivos perdeu algo de sua aura infame, e a filiação adotiva que, historicamente, era estigmatizada por ser associada com o vergonhoso status de ilegitimidade, foi levantada por certos entusiastas como bandeira da “verdadeira família”. Na retórica destes, as crianças adotadas, enquanto filhos “escolhidos”, podem ser considerados como, de alguma maneira, mais valiosas do que aquelas que são simplesmente nascidas dos seus pais (Modell 1994). Da mesma forma, parceiros do mesmo sexo ganharam um espaço importante; se a afeição é a verdadeira base do relacionamento,
por que o casal seria limitado a um relacionamento heterossexual centrado em torno da reprodução biológica (Heilborn 1995)? A possibilidade de aceitação institucional destas várias opções foi demonstrada num recente anúncio publicado num jornal canadense pelos serviços estatais para a proteção da infância e adolescência à procura de famílias substitutas:



A criança da semana: procura-se país substitutos com diversas características

Nunca existe um número suficiente de famílias substitutas para fornecer lugares apropriados a todas as crianças mo sistema. Isso significa que as famílias substitutas que já existem estão sobrecarregadas e, infelizmente, as crianças são frequentemente deslocada de uma família para outra.
País substitutos atribuem um alto valor as crianças, compreendem suas necessidades , e ficam sensibilizadas pela fase triste e difícil que estão vivendo. Amam crianças e querem ajudá-las dando estabilidade e apoio.
Procura-se pais substitutos de todos os níveis sócio-econômicos e de todas as origens étnicas, raciais e culturais. Contemplam-se casais ou solteiros, heterossexuais ou homossexuais (com ou sem criança), trabalhando fora de casa ou não. Enviem já sua aplicação.
Para mais informações sobre este programa e suas exigências, telefone para Homes for Children(...) ou venham nos visitar (...)

The Gazette (Montreal, Quebec): abril, 2000


Certamente ninguém imagina que essas novas atitudes tenham alcançado um status hegemônico. É evidente que existem muitas pessoas – leigas e profissionais – que continuam a prever problemas
nos filhos de pais divorciados e a considerar a adoção como, na melhor das hipóteses, uma “imitação da natureza”. No caso de pais do mesmo sexo, os obstáculos sociais e institucionais são incontáveis. Ainda por cima, a maioria de pesquisadores mantém uma perspectiva crítica diante dessa “família de escolha”, apresentando-a não como um “avanço”, mas, antes, tal como qualquer outra forma familiar, como algo que faz sentido dentro de um determinado contexto, acompanhado de uma constelação específica de valores. Certos analistas questionam a grande valorização da ideia de “escolha”, sugerindo que ela seja inspirada em atitudes individualistas típicas da sociedade capitalista e consumista (Strathern 1992). Outros lembram que, para muitas pessoas, o abandono do modelo nuclear de família não é tanto uma questão de “escolha” quanto a consequência indesejada de fatores externos – antes de tudo, da pobreza. Sejam quais forem as objeções, é evidente que as concepções modernas da família, com a ênfase crescente na afeição e escolha, revolucionaram concepções tradicionais da família conjugal.


O social: A rede familiar

Ao imaginarem que a família nuclear e conjugal era a única adequada à vida moderna, muitos pesquisadores, ainda pouco tempo atrás, interpretavam as mudanças que descrevemos (baixa de natalidade, aumento de divórcio, etc.) como sinal de "crise" ou até de um declínio geral das relações familiares . Hoje, desgarrando suas análises da unidade nuclear, começam a ver as coisas de outra forma. A socióloga francesa Martine Segalen, por exemplo, critica a tendência acadêmica de tomar “a família" como mola mestre das sociedades contemporâneas e considerar o parentesco algo útil apenas para sociedades "tradicionais" ou "tribais". Formula uma definição de parentesco bem adaptada ao contexto moderno: O parentesco [pode ser visto] como um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue ou por casamento ou por um laço de pseudo-casamento que se reconhecem não em
função de ancestrais, mitos ou territórios em comum, mas, sim, em função de direitos de deveres recíprocos, criados principalmente pela presença de crianças nascidas ou criadas por elas.(Segalen 1995: 15-16)

E, ao aplicar a noção de parentesco no quadro europeu, Segalen, assim como outros pesquisadores, descobrem que as relações familiares, longe de definharem, estão ganhando nova vida.

Essa nova vida pode ser vista, em parte, como resultado do recuo da família conjugal. Antropólogos clássicos apontam para a tensão inerente a qualquer sistema familiar entre o princípio de aliança (isto é, matrimônio) e o princípio de consanguinidade (Radcliffe-Brown 1965). Podemos visualizar essa tensão ao imaginar o indivíduo obrigado a escolher como passar o almoço dominical: na intimidade do lar conjugal, com seu esposo, ou entregue à sociabilidade do clã, na casa dos pais. A antropóloga francesa, Françoise Héritier (1975) sugere que há sociedades em que os parentes consanguíneos recebem prioridade sistemática (deixando o laço conjugal na sombra), e outras em que a relação conjugal prima, ditando distanciamento em relação à família “de sangue”. No Brasil, há indicações que a rede consanguínea nunca deixou de ser relevante. A importância da parentela extensa aparece com nitidez em grupos populares onde, diante das difíceis condições de vida e frequente separação conjugal, as redes de ajuda mútua tornam-se indispensáveis (Scott 1990, Sarti 1995). Porém, mesmo nas camadas médias onde, em princípio, o ideário individualista é mais destacada (Salem, qp89; Duarte, 1995), a falta de equipamentos públicos (creche, escola em tempo integral...) obriga o jovem casal a depender dos pais, tios, primos e irmãos para cuidar dos filhos e amparar nas demais rotinas do dia-a-dia Abreu Filho 1980, Barros 1987, Bilac 1995). Em todo caso, estudos mostram que, até na Europa, as redes familiares estão assumindo novo destaque.

É evidente que existe um aspecto prático a essas novas solidariedades. Na França, por exemplo, os jovens, tendo dificuldade em achar um emprego, querendo se aplicar nos estudos superiores e casando mais tarde, tendem a sair da casa dos pais mais tarde do que em gerações anteriores. Quando findam seus arranjos conjugais, voltam-se para os parentes consanguíneos procurando abrigo, empréstimos financeiros, ou ajuda no cuidado com os filhos (Attias-Donfut e Segalen 1998). No entanto, pesquisadores olhando para a Europa insistem que as relações de parentesco servem muito mais do que para fins utilitaristas – funções essas que, naquele contexto, têm sido preenchidas em grande medida pelos serviços do Estado. Os parentes estão se mostrando igualmente importantes para a organização do lazer. Sugere-se que, no cenário atual, mulheres das quais muitas trabalham fora, não têm mais tempo para cultivar a amizade de vizinhos e acabam, portanto, se apoiando em parentes (e, eventualmente, colegas de trabalho) para garantir uma vida social. Boas estradas encurtaram as distâncias e o telefone facilitou a comunicação tornando possível a cultivação da “intimidade à distância” com avós, tios e primos. A prosperidade do pós-guerra que, em certos países, permitiu a toda uma geração adquirir casa própria, forneceu as condições físicas para organizar festas ou mesmo férias em que reúnem-se diversas gerações do grupo familiar. Essa moradia assume seu lugar ao lado das tradicionais casas da alta burguesia e aristocracia como âncora de identidade de quem a frequenta. A geração mais velha, vivendo cada dia mais e gozando de melhores condições de saúde, se torna central na organização dos encontros da família e feriados de verão (Leonardo 1992, Gaunt 1995). Vemos então ressurgir através dessa rede familiar – um novo tipo de clã - agrupando, sobretudo, os parentes consanguíneos e seus respectivos companheiros do momento.

O velho adágio, “o sangue é mais espesso do que a água”, tão central ao modo euro-americano
de pensar as relações de parentesco (ver Schneider 1984), se impõe com força renovada. Hoje, como atesta o negócio emergente das árvores genealógicas de família – assim como a popularidade crescente das reuniões de família que juntam pessoas que nada têm em comum além de um determinado sobrenome – a ideia de descendência genealógica parece ter perdido nada do seu apelo. Assim, mais do que nunca, as pessoas, fugindo de seu status de cidadão anônimo, procuram nas relações familiares a chave de seu pertencimento social (Segalen 1995).

Seria, contudo, um erro associar a descendência genealógica automaticamente a uma questão de reprodução biológica. Héritier destaca, entre os valores universais que governam as relações humanas, a natureza eminentemente social da relação entre pais e filhos: "A filiação", ela nos garante, não é nunca "um simples derivativo dom engendramento.” (1985: 9) Para reforçar essa ideia, podemos citar um caso tirado de um filme brasileiro bem conhecido, "Eu, Tu e Eles". Trata-se de uma história supostamente verídica de uma mulher interiorana que, tendo intuído a esterilidade de seu marido, gera três filhos com três homens diferentes. No decorrer do filme, enquanto cada novo companheiro vai se instalando na casa ao lado dos outros, vemos delinear um grupo de parentesco tal como foi descrito por Segalen: um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue, pelo casamento e pseudo-casamento que se reconhecem [como parentes] em função de direitos de deveres recíprocos, criados principalmente pela presença de crianças nascidas ou criadas por elas (1995: 15-16). O mais interessante é como, na cena final do filme, é justamente o marido - que não gerou nenhum dos filhos, que os leva para fazer registro de nascimento no seu nome. É evidente que ele não age assim para encobrir a realidade, pois as relações extra-maritais de sua mulher são de notoriedade pública. A atitude carinhosa do homem leva o espectador a minimizar também a hipótese de violência patriarcal. Leva a crer, antes, que, apesar dos fatos biológicos, esse homem se sente e também é visto socialmente como pai daqueles meninos.

No atual cenário, os termos “moderno” e “arcaico” parecem perder sentido, inviabilizando a hierarquização de formas familiares. Essa constatação não significa, contudo, que não existam diferenças. Pelo contrário. A falta de um modelo claramente hegemônico acompanha a proliferação de dinâmicas familiares específicas a determinados contextos, tal como vemos nos exemplos que seguem.


Dois exemplos para contemplar

O primeiro exemplo traz ao palco Volnir, um economista muito bem pago, próximo dos seus 50 anos. Embora tenha se casado oficialmente apenas uma vez, teve três relacionamentos duradouros em convivências que produziram, ao todo, cinco crianças. Agora, em seu quarto relacionamento - e desempenhando o papel de pai substituto para os filhos de sua namorada atual - ele (em suas próprias palavras) “fechou a torneira” através de uma vasectomia cirúrgica. Sempre zeloso em seu papel paternal, participou ativamente na criação de seus filhos, que fosse enquanto esposo ou pai solteiro. Em quaisquer circunstâncias, sua casa permanece como uma opção em aberto para seus filhos. As ex-companheiras, todas com educação superior, têm empregos de bom nível. Mesmo assim, Volnir tem renda suficiente para pagar uma pensão alimentícia a cada uma, nunca tendo enfrentado maiores problemas com esta questão financeira. O interessante a respeito deste caso - e que o diferencia de histórias similares do passado (os senhores da casa grande, por exemplo, de G. Freyre) - é que as pessoas das diversas etapas da história familiar de Volnir parecem manter boas relações. De fato, ele faz questão de organizar reuniões anuais nas quais suas diferentes ex-esposas, seus respectivos companheiros5 e as crianças de todos se encontram na casa de veraneio de Volnir, numa remota praia do nordeste. Ele envia-me fotografias da sua atual namorada, tomando banho de sol ao lado de suas ex-mulheres, e se compraz em me contar como a sua filha mais nova, hoje com quatro anos de idade, vai de um lado a outro desta família estendida, perguntando às pessoas “você é o quê meu?”.

Nosso segundo exemplo introduz pessoas com nível de vida radicalmente diversa do da família de Volnei. Encontramos agora uma mulher, Dona Maria, que, durante boa parte de sua vida, vivia em condições tão precárias que perdeu nove de seus dezessete nenês, nascidos prematuros ou subnutridos. Já que seus diversos ex-companheiros nunca pagaram pensão alimentícia, ela teve que procurar meios alternativos, além de seu trabalho de faxineira, para garantir o sustento de seus filhos. Um foi entregue à avó paterna, dois foram criados por uma velha senhora que nunca tivera filhos próprios, outro fugiu de casa quando tinha pouco mais de oito anos e “ficou rolando por aí”. O que impressiona nesse quadro é que, apesar da dispersão das crianças, a rede familiar se manteve basicamente intata. Quando conheci Dona Maria, ela residia, com seu companheiro de então e as três filhas deles, numa casa ao lado de dois filhos casados (incluindo o que fugira de casa). Reinando como “avó” orgulhosa dessa família extensa era a senhora (agora realmente anciã) que servira como mãe substituta para parte da prole. (Que essa senhora não possuísse qualquer laço consanguíneo com os outros moradores do terreno não parecia incomodar ninguém.) Maria não mantinha, pessoalmente, contato com seus ex-companheiros, mas seus sete filhos se reuniam periodicamente (os que não moravam perto, vinham para churrascos na casa da mãe) e, em certos casos, incluíam os parentes paternos de seus meio-irmãos nas suas redes sociais.

Seria absurdo sugerir que, nos dois casos descritos aqui, os significados atribuídos às diversas relações sejam exatamente os mesmos. Já destaquei em outro lugar a noção particular de “mãe” nos grupos populares que estudei onde muitas pessoas, tal como seus próprios pais, se criaram entre diferentes casas, chamando duas ou três mulheres de “mãe” (Fonseca 1995). Não encontro, nem esperaria encontrar o mesmo uso de termo “mãe” entre os filhos de Volnir. As famílias de Volnir e Maria são herdeiras de tradições diversas: ele, filho da burguesia cearense, ela, filha de trabalhadores agrícolas do interior gaúcho. Sofreram influências ideológicas (educação, religião, política) diferentes. Em função do lugar que ocupam na sociedade, travaram estratégias e tiveram experiências de família também diferentes. Contudo, nos dois casos, encontramos dinâmicas que só se tornam visíveis quando a análise vai além da unidade doméstica isolada e o momento presente para vislumbrar a lógica de um sistema mais amplo de parentesco.

Não cabe, nesse curto espaço, aprofundar a análise da lógica específica a cada contexto. Aqui, a justaposição dos dois casos visa simplesmente desencadear um processo reflexivo. Pesquisadores parecem aceitar com relativa facilidade aplicar novos parâmetros da “família pós-moderna” quando tratam, nos seus dados, de camadas abastadas. Falam então de “produção independente”, “descasamento” (Théry, 1993), “família de escolha”, etc. Famílias dos setores mais pobres da sociedade, contudo, devem em geral se contentar com rótulos mais antigos que, na maioria dos casos, carregam conotações pejorativas: “mães solteiras”, “famílias desestruturadas”, “filhos abandonados”, e assim por diante. Procurar alguns conceitos analíticos que sirvam para pensar os dois casos, mais uma vez, não implica no achatamento da diversidade. Serve, antes, para resistir à tentação de erguer um tipo familiar em modelo, avaliando todos os outros em função dele. Sugere, enfim, que existem conceitos mais ágeis do que “a família” para explorar as diversas formas familiares típicas da época atual.





“Da família ao parentesco em sociedades complexas”. Participação na Mesa Redonda “O lugar da família na ciência contemporânea: desafios e tendências na pesquisa”.
Congresso Internacional Pesquisando a Família, Florianopolis 24-26 de abril, 2002.
Publicado em In Pesquisando a família: olhares contemporâneos (Coleta Rinaldi Althoff,
Ingrid Elsen, Rosane G. Nitschke, orgs.). Florianópolis: Papa-livro editora.

Uma terceira grande linha, tratando do impacto das novas tecnologias reprodutivas sobre crenças ligadas às fronteiras entre cultura e natureza, é descrita em outro lugar (Fonseca 2002).

J. Stacey (1992) nos lembra que nos E.U.A., de acordo com um censo de 1986, apenas 7% das
famílias correspondem ao modelo nuclear clássico de família – um pai provedor de família e uma mãe em tempo integral morando junto com todas suas crianças com menos de 18 anos. M. Segalen e F. Zonabend (1986) consideram a família nuclear como um construto ideológico típico do período do pós-guerra, cuja validade foi paulatinamente erodida, tanto por um questionamento intelectual (e antropológico) como por uma inequívoca proliferação de padrões de conduta.

Tal ótica é típica da escola de Frankfurt (ver, por exemplo, os textos de Adorno e Horkheimer em Canevacci 1981) e outros pesquisadores particularmente da Alemanha onde, depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma rejeição en masse da família tradicional, associada ao fascismo (ver Schultheis, 1995).

RIO+20 - TEXTOS DIVERSOS

AS CONFERÊNCIAS DA ONU E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Aqui você encontrará o histórico das conferências da ONU e do Desenvolvimento Sustentável, iniciando no pós-guerra e na Conferência de Estocolmo em 1972 e chegando à Rio-92. Encontrará o histórico dos documentos que daí se originaram, acordos e protocolos assinados pelos países depois de 1992. No final, uma Linha do Tempo destaca os principais acontecimentos relativos ao tema a partir de 1962. As conferências da ONU e o Desenvolvimento SustentávelEntre as décadas de 1960 e 1980, cientistas, movimentos sociais, ambientalistas e um punhado de políticos e funcionários públicos denunciaram os problemas ecológicos e sociais das economias herdeiras da Revolução Industrial. Em resposta à crescente preocupação pública com os efeitos negativos do modelo industrial, a Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou um ciclo de conferências, consultas e estudos para alinhar as nações em torno de princípios e compromissos por um desenvolvimento mais inclusivo e harmônico com a natureza.

Após quase quatro décadas da realização da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (1972), a primeira a associar de forma consistente questões ambientais ao Desenvolvimento Sustentável na pauta internacional, o mundo possui dezenas de convenções, protocolos, declarações e legislações nacionais para reverter o quadro de agravamento nas condições ambientais e sociais e desequilíbrios socioeconômicos entre países do Norte e do Sul. Novos e estratégicos atores, como as empresas, entraram no debate, muitos sob o alerta emitido em 2007 pelo 4º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). O desafio é colocar em prática o que foi acordado na arena diplomática e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e socioambientalmente sustentável, que será um dos principais temas da Rio+20.


O MUNDO PÓS-GUERRA

Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, as políticas de desenvolvimento concentraram-se inicialmente na reconstrução da Europa e do Japão, arrasados pelo maior conflito armado do século XX. As duas potências vencedoras, Estados Unidos e União Soviética, investiram na retomada econômica de seus antigos e novos aliados, que se tornariam peças fundamentais no xadrez da Guerra Fria. Para recuperar a economia capitalista do pós-guerra, foram foram criadas em 1944 as duas instituições do Acordo de Bretton Woods:o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), que viria a compor o Grupo Banco Mundial com outras quatro agências de financiamento.

Apesar da rápida recuperação da Europa e do Japão e da poderosa máquina econômica dos EUA, o chamado Terceiro Mundo continuava periférico ao centro decisório mundial. Movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos de esquerda intensificaram nos anos 1950 e 1960 protestos contra a dependência das potências ocidentais e por investimentos sociais e na reforma agrária, bem como elegeram governos progressistas mais autônomos em relação ao centro do poder global. União Soviética e Cuba emprestaram apoio às guerrilhas e apavoraram os EUA, que reagiram em diferentes campos: na esfera socioeconômica, o presidente John F. Kennedy instituiu a Aliança para o Progresso, para financiar políticas de desenvolvimento na América Latina. E na área militar, os EUA apoiaram golpes militares contra governos progressistas e o aparelhamento das Forças Armadas dos regimes ditatoriais. Países europeus empreenderam forte reação militar contra os movimentos anticolonialistas na Ásia e na África.

DESENVOLVIMENTISMO


Na ótica do modelo econômico desenvolvimentista, que deu o tom das políticas de expansão econômica do pós-guerra, a superação da pobreza extrema, da fome e da marginalização social das maiorias viria naturalmente como resultado dos investimentos em grandes obras de infraestrutura, tais como rodovias, hidrelétricas e projetos de irrigação. Salvaguardas ambientais eram vistas como entraves ao progresso, concebido como resultado de taxas elevadas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

No Brasil, ao invés de privilegiar a distribuição de renda, uma economia mais autônoma e a proteção ambiental, o que vingou foram incentivos públicos que levaram ao desmatamento do Cerrado, da Mata Atlântica e da Amazônia e a instalação do parque automobilístico em detrimento das ferrovias. Importava remover obstáculos naturais para o progresso avançar, como foi o caso da chamada Revolução Verde, iniciada na década de 1940. A expressão cunhada em 1966 refere-se a um programa para aumentar a produção agrícola no mundo e assim acabar com a fome, por meio de sementes geneticamente melhoradas, uso de agrotóxicos, fertilizantes e maquinário.

No Brasil, além da expansão do agronegócio em regiões antes não intensamente ocupadas pelo ser humano, houve rápida urbanização,e em conseqüência da falta de preocupação com o bem-estar das pessoas, ampliaram-se favelas e moradias insalubres e cresceu a poluição ambiental (também resultante do déficit em saneamento). Por outro lado, demandas por mais “desenvolvimento”, sobretudo no setor industrial, para ofertar empregos à população urbana, passaram a povoar o imaginário de progresso de pequenas, médias e grandes cidades brasileiras.

Além do agravamento dos problemas sociais e da herança econômica – hiperinflação, elevado endividamento externo e arrocho salarial –, as políticas convencionais de desenvolvimento afetaram profundamente o meio ambiente. Tornaram-se corriqueiros desastres ecológicos por conta de acidentes químicos e derramamento de petróleo, poluição do ar e dos recursos hídricos, desmatamento, devastação de mangues e áreas úmidas, contaminação por agrotóxicos e outras substâncias e uma montanha de lixo que se esparrama por cidades, mares, rios e lagos.

Apesar da prevalência do desenvolvimentismo, ambientalistas, movimentos sociais e cientistas que pesquisavam os efeitos do modelo de produção e consumo vigentes na saúde humana e no meio ambiente gradualmente aumentavam sua influência sobre a opinião pública.

Modelo na berlinda

O primeiro grande encontro internacional a questionar a ótica economicista e perdulária do conceito de desenvolvimento vigente no pós-guerra foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, em junho de 1972. Foi, também, a primeira vez que a comunidade internacional reuniu-se para considerar conjuntamente as necessidades globais do desenvolvimento e do meio ambiente. Em tempos de Guerra Fria, a conferência foi boicotada pela União Soviética e aliados no Leste Europeu em protesto contra a ausência da Alemanha Oriental, que não integrava a ONU na ocasião. O boicote abriu espaço para emergir a principal polêmica da cúpula, o embate entre países desenvolvidos do hemisfério Norte e nações em desenvolvimento do hemisfério Sul, que defenderam seu direito à industrialização e ao desenvolvimento econômico. Criticaram abertamente o que entendiam como tentativas dos países desenvolvidos em frear seu desenvolvimento com políticas ambientais restritivas à atividade econômica. No lado dos países ricos, a maior preocupação foi apoiar políticas rigorosas de controle da poluição, sem aludir à revisão de padrões de produção e consumo e estilo de vida.

Avalia-se, hoje, que o evento tornou global a temática ambiental, que até então era tratada, sobretudo em âmbito local e às vezes nacional. A conferência aprovou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente em 5 de junho e inspirou países a instituírem legislações nacionais de proteção ambiental.


Ditaduras, poluição e desenvolvimento


A conjuntura política e econômica da América Latina, da África e da Ásia nas décadas de 1970 e 1980 foi bastante adversa à adoção e execução de legislações e políticas públicas favoráveis ao desenvolvimento sustentável. Ditaduras militares proliferavam nos três continentes e vários países africanos estavam virtualmente paralisados por regimes autoritários, pelas guerras de libertação e pelo Apartheid (discriminação racial) na África do Sul. Face ao quadro político desanimador, as diretrizes aprovadas na Conferência de Estocolmo visando aproximar as agendas de meio ambiente e desenvolvimento permaneceram na gaveta praticamente até a publicação do Relatório Brundtland, em 1987.

Os relatórios Brandt e Brundtland

O Relatório Brandt, publicado em julho de 1980 com o título Norte-Sul: um Programa para a Sobrevivência, decorreu do trabalho da Comissão Independente sobre Questões de Desenvolvimento Internacional, chefiada pelo ex-chanceler alemão Willy Brandt. O documento propôs medidas que diminuíssem a crescente assimetria econômica entre países ricos do hemisfério Norte e pobres do hemisfério Sul. Mas a onda neoliberal da década de 1980 fez com que o Relatório Brandt fosse ignorado pelos governos, que estavam mais preocupados com a livre circulação de capitais, o livre comércio e a desregulação dos mercados, com remoção de barreiras ambientais e trabalhistas e presença mínima do Estado na economia.

Paralelamente, personalidades influentes da política, da ciência, de empresas e de organizações não governamentais concentraram os debates sobre desenvolvimento sustentável na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada em dezembro de 1983 pela Assembleia Geral da ONU e chefiada pela primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland.

Seu relatório final, publicado em abril de 1987, consagrou a expressão desenvolvimento sustentável: “é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. Deriva diretamente do Relatório Brundtland o conceito dos três pilares do desnvolvimento sustentável: desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental. As recomendações do documento, publicado com o título Nosso Futuro Comum, levaram à realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em junho de 1992, no Rio de Janeiro. A Conferência também é chamada de Cúpula da Terra, Rio-92 e ECO-92.

A terceira iniciativa, também gestada ao longo dos anos 1980, visou formular um modelo alternativo de desenvolvimento centrado nas necessidades humanas mais do que nos mercados. Entre os mentores do novo conceito, que se traduziu nos relatórios anuais de desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), estavam os economistas Amartya Sem e Mahbub ul Hak.

Da Rio-92 à Rio+20


O Relatório Brundtland forneceu o roteiro para o mundo organizar o debate sobre desenvolvimento em novas instituições, princípios e programa de ações que promovessem a convergência dos três pilares do desenvolvimento sustentável. Foi a Rio-92, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, que selou os acordos políticos entre os países que teriam como finalidade rechear o roteiro do Relatório Brundtland e negociar metas e o arcabouço institucional do novo momento. A Rio-92 pautou ainda as negociações sobre Desenvolvimento Sustentável e meio ambiente nas duas décadas seguintes graças à aprovação de um conjunto de tratados e declarações sob a chancela da ONU. Veja o quadro Documentos da Rio-92.

Documentos da Rio-92

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Possui 27 princípios para guiar os países nas suas políticas de desenvolvimento sustentável. O artigo 15, por exemplo, advoga o uso do princípio da precaução.
Declaração de Princípios sobre Florestas – Primeiro acordo global a respeito do manejo, conservação e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de florestas.

Agenda 21 – Programa de transição para o desenvolvimento sustentável inspirado no Relatório Brundtland. Com 40 capítulos, tem sua execução monitorada pela Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável da ONU (CDS) e serviu de base para a elaboração das Agendas 21 nacionais e locais.

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) – Disponível para assinaturas na Eco-92, vigora desde março de 1994, reconhecendo que o sistema climático é um recurso compartilhado cuja estabilidade pode ser afetada por atividades humanas – industriais, agrícolas e o desmatamento – que liberam dióxido de carbono e outros gases que aquecem o planeta Terra, os gases de efeito estufa.

Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) – Aberta para assinatura na Rio-92 e começou a valer em dezembro de 1993. Desde então, já foram aprovados dois protocolos à CDB – o de Cartagena sobre Biossegurança, vigorando desde setembro de 2003, e o de Nagoya, adotado em outubro de 2010. O Protocolo de Nagoya institui princípios para o regime global de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios de sua utilização, um dos três objetivos centrais da CDB. Os outros dois são a conservação e o uso sustentável da biodiversidade.

Convenção sobre Combate à Desertificação – Adotada em junho de 1994, fruto de uma solicitação da Rio-92 à Assembleia Geral da ONU, entrou em vigor em dezembro de 1996 e lida com desafios de superação da pobreza nas regiões áridas e semi-áridas e medidas de controle da desertificação.

A Rio-92 ocorreu em um cenário global mais otimista do que o da Conferência de Estocolmo. Ditaduras militares tornavam-se raras no mundo em desenvolvimento, o que favoreceu a multiplicação de movimentos e organizações cívicas dedicadas a causas ecológicas, sociais e políticas. No campo da ciência, já havia massa crítica consistente e ampla em estudos sobre o aumento na concentração de gases-estufa na atmosfera, a destruição da camada de ozônio, o esgotamento dos recursos pesqueiros, a poluição atmosférica e hídrica, a desertificação, a contaminação química, o aumento exorbitante nas taxas de extinção de espécies animais e vegetais e o desmatamento de florestas e savanas.

Rio-92 em números


•172 países participantes

•108 chefes de Estado

•2400 representantes da sociedade civil

•17 mil ativistas no Fórum Global (evento paralelo promovido por ONGs e movimentos sociais no Aterro do Flamengo)


Como surge a Rio+20


A proposta foi feita pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007 e, embora dada como certa a realização da conferência no Rio de Janeiro em 2012, só foi convocada oficialmente pela ONU em 24/12/2009. Logo depois da proposta de Lula, o cenário mundial mudou: a crise econômica de 2008, os fiascos da ONU na Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP 15) e na Comissão sobre o Desenvolvimento Sustentável (CDS 19) e o fortalecimento do G-20 (grupo de ministros da área financeira e chefes de bancos centrais de 19 países desenvolvidos e emergentes e mais a União Européia)estão gerando expectativas diversas sobre a Rio+20, todas marcadas pela cautela..


Revisões da Rio-92

O baixo grau de implementação dos compromissos assumidos no Rio de Janeiro em 1992 marcou a avaliação convocada pela ONU cinco anos após a conferência do Rio. Enquanto a saúde do planeta continuava piorando, a Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas para os cinco anos da Cúpula da Terra (Rio+5), também conhecida pela sigla em inglês UNGASS, realizada em Nova York em junho de 1997, observou até retrocessos, como a diminuição da assistência oficial ao desenvolvimento de 0,34% em 1991 para 0,27% (1995) do Produto Nacional Bruto (PNB) dos países doadores. Na Rio-92, os países ricos haviam se comprometido a aumentar para 0,7% a ajuda financeira aos países em desenvolvimento. A Rio+5 contribuiu para criar ambiente político propício à aprovação do Protocolo de Kyoto em dezembro de 1997.

Apesar da avaliação realista produzida em Nova York, pouca coisa mudou nos cinco anos seguintes. A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), promovida pela ONU em Joanesburgo, na África do Sul, (de 26/8 a 4/9/2002) teve ainda a infelicidade de ocorrer sob os reflexos dos ataques terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001.

O principal documento da conferência foi o Plano de Implementação de Joanesburgo, que fortaleceu o papel da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável da ONU (CDS) e reiterou metas para reduzir a perda de biodiversidade até 2010 e cortar pela metade a população sem acesso à água potável até 2015. A CDS, entretanto, vem se desgastando com o decorrer dos anos e em 2011, sua 19ª Reunião Anual foi considerada um fracasso.

Um debate característico da Rio+10 foi a promoção de parcerias público-privadas, refletindo abordagens neoliberais mais vigorosas com a globalização que se acentuou nos anos 1990, com uma maior atuação do setor privado (e a correspondente expectativa menor de intervenção de governos) e da sociedade em questões de conservação ambiental e de desenvolvimento sustentável. Já para diversos atores isso foi mais um sinal de fracasso da Rio+10. Eles esperavam dos governos maior capacidade política de implementar compromissos internacionais Para outros, entretanto, as PPPs foram o destaque na Rio+10.

Mais de 220 parcerias globais para o desenvolvimento sustentável, com projetos totalizando US$ 235 milhões, foram identificadas na conferência. A CDS registra hoje cerca de 348 parcerias com focos em transporte, químicos, gestão de resíduos, mineração e mudança de padrões insustentáveis de consumo e produção, entre outros temas.

As parcerias compreendem iniciativas voluntárias multissetoriais promovidas por combinações de governos, agências intergovernamentais, ONGs, povos indígenas, grupos de jovens e mulheres, sindicatos, empresas, agricultores e a comunidade científica e tecnológica.

A Rio-92 revisitada

O mundo atual é bem distinto do mundo da Rio-92. Na ocasião, a economia mundial voltava a crescer a um ritmo mais veloz, após os dois choques nos preços do petróleo na década de 1970 e a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento nos anos 1980. Outro elemento de estímulo foi o fim da Guerra Fria com a queda do Muro de Berlim em agosto de 1989 e a dissolução da União Soviética em 1991. A redemocratização da América Latina consolidou-se e as questões ambientais ganharam espaço inédito nas políticas públicas e na diplomacia internacional.

O vigor econômico das economias ricas provou, porém, ser pouco sustentável. Desde 2007, o mundo tem testemunhado uma grande crise global dos alimentos, volatilidade nos preços do petróleo, crescente instabilidade climática e a pior crise financeira mundial desde a grande depressão causada pela queda na Bolsa de Nova York em 1929. Após anos de declínio, a pobreza, a fome e a desnutrição voltaram a aumentar e a esperança de realizar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio até 2015 está ameaçada. Veja quadro sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.



Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM)


Foram estabelecidos em 2000 pela ONU e são oito:

•Erradicar a pobreza extrema e a fome

•Atingir o ensino básico universal

•Promover igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres

•Reduzir a mortalidade na infância

•Melhorar a saúde materna

•Combater o HIV, a malária e outras doenças

•Garantir a sustentabilidade ambiental

•Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento


Se a Rio-92 mostrou que a segurança econômica e o bem-estar humano dependem umbilicalmente de ecossistemas saudáveis e fortaleceu a noção da necessidade de acordos políticos globais para promover a transição rumo ao desenvolvimento sustentável, de outro lado o progresso tem sido lento e insuficiente na materialização de tais acordos em ações concretas de proteção ao ambiente planetário nos últimos vinte anos.

Além disso, parcela substancial da economia contemporânea, mesmo os setores mais de ponta, como o de tecnologia da informação e o de telecomunicações, funcionam graças à existência de relações de trabalho degradantes. Quase um terço da população mundial tenta sobreviver com renda diária inferior a US$ 2.

Houve, contudo, considerável envolvimento, nos últimos vinte anos, de governos, organizações da sociedade civil e empresas com iniciativas para proteger ativos ambientais e sociais nas cadeias de negócios. O desenvolvimento sustentável galgou degraus nas agendas corporativas e foi incorporado por muitas companhias como conceito central nos seus processos de produção e relacionamento com comunidades, sociedade civil e consumidores. Infelizmente, o conceito também virou instrumento publicitário de empresas sem políticas e ações efetivas em nome da sustentabilidade, gerando o chamado greenwashing ou “lavagem verde”.

Investimentos em tecnologias verdes e na transição para uma economia sustentável têm aumentado - mesmo durante a crise financeira internacional que eclodiu nos Estados Unidos em setembro de 2008, ainda que em ritmo mais lento - e algumas companhias começam a comunicar publicamente sua pegada ecológica e desempenho de indicadores de sustentabilidade, ainda que timidamente.

Destacam-se ainda as ações voltadas para a chamada Economia de Baixo Carbono, conceito menos abrangente que o da Economia Verde, pois localiza as iniciativas em sustentabilidade no contexto da redução de emissões de gases do efeito estufa e na adaptação de produtos, serviços e sistemas produtivos aos novos desafios e às oportunidades associadas à mudança do clima. Essa vertente da economia se apoia tanto em estudos científicos e socioeconômicos cada vez mais frequentes que revelam a urgência das ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, quanto nas diretrizes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, cuja principal referência até hoje é o Protocolo de Kyoto.


Protocolo de Kyoto define meta de emissões


A 3ª Conferência das Partes da Convenção do Clima, realizada em Kyoto, no Japão, em dezembro de 1997, adotou o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em fevereiro de 2005. Vinculado à Convenção do Clima, Kyoto definiu metas obrigatórias de redução nas emissões de gases-estufa para 37 países industrializados e a União Europeia que fazem parte do Anexo 1 da Convenção (nações desenvolvidas e do Leste Europeu). As emissões devem ser diminuídas em 5%, em média, entre 2008 e 2012 em comparação aos níveis de 1990. Ficaram de fora de Kyoto os Estados Unidos, que não ratificaram o protocolo.


A transição, entretanto, precisa ser acelerada, e isso poderia acontecer se os países fossem mais ambiciosos na criação de incentivos a negócios verdes, que levaria à geração de maior número de empregos e crescimento do PIB nos cenários de médio e longo prazo, de acordo com as projeções do relatório sobre economia verde publicado pelo Pnuma em fevereiro de 2011. Foi, também, o próprio Pnuma que defendeu a incorporação de medidas ambientalmente amigáveis nos pacotes de estímulo econômico lançados entre o final de 2008 e 2009 para tirar as economias da crise. Em torno de 15% do total de US$ 3,1 trilhões dos pacotes foram relativos a incentivos a tecnologias verdes, de acordo com o organismo da ONU.

Tudo isso, em meio a um cenário em que rapidamente, o planeta aproxima-se do ponto além do qual evitar uma catástrofe provocada pelas mudanças climáticas se tornará substancialmente menos provável. A maior parte dos ecossistemas do planeta encontra-se degradada ou sob severa pressão em consequência das atividades humanas.


Ecossistemas são base para ação internacional pela sustentabilidade


Segundo a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM) , estudo realizado a pedido da ONU entre 2001 e 2005 envolvendo mais de 1.360 especialistas de 95 países,, cerca de 60% (15 entre 24) dos serviços dos ecossistemas examinados (incluindo 70% dos serviços reguladores e culturais) vêm sendo degradados ou utilizados de forma não sustentável. Para Rubens Born. diretor do Instituto Vitae Civilis, entre os serviços dos ecossistemas degradados nos últimos 50 anos estão: pesca de captura, fornecimento de água, tratamento de resíduos e destoxificação, purificação da água, proteção contra desastres naturais, regulação da qualidade do ar, regulação climática local e regional, regulação da erosão, realização espiritual e apreciação estética. “ Se o uso de dois serviços dos ecossistemas— pesca de captura e água doce— já atingiu patamares muito acima dos níveis sustentáveis mesmo nas demandas atuais, que dirá futuramente”. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio foi realizada para avaliar as conseqüências das mudanças nos ecossistemas sobre o bem-estar humano, e assim oferecer base científica para as decisões sobre o desenvolvimento de forma a assegurar a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas.

A AEM resultou de solicitações governamentais por informações provenientes de quatro convenções internacionais - Convenção sobre Diversidade Biológica, Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, Convenção Ramsar sobre Zonas Úmidas, e Convenção sobre Espécies Migratórias—e visa suprir também as necessidades de outros grupos de interesse, incluindo comunidade empresarial, setor de saúde, organizações não governamentais e povos nativos.”


Caso o crescimento econômico prossiga sob o ritmo atual, a humanidade precisará de pelo menos dois outros planetas Terra no final do século XXI para manter os padrões correntes de consumo.

Para atenuar e reverter esses inúmeros problemas, espera-se que na Rio+20 os líderes globais definam um caminho para a transição rápida e justa ao desenvolvimento sustentável que assegure um padrão de vida razoável para a população mundial e interrompa a destruição dos ecossistemas.


Linha do tempo do Desenvolvimento Sustentável

•Setembro 1962 - Publicação nos Estados Unidos de Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, que denuncia os malefícios dos agrotóxicos à saúde humana e à vida selvagem.
O livro levou o governo norte-americano a banir o inseticida DDT em 1972.

•Agosto 1968 - Paul Ehrlich lança nos Estados Unidos o polêmico livro A Bomba Populacional, que atribui os problemas ambientais ao crescimento demográfico.

•Junho 1971 - Relatório Founex preparado por um painel de especialistas em Founex, na Suíça, defende a integração das estratégias de desenvolvimento e meio ambiente.

•Março 1972 - Clube de Roma publica Limites do Crescimento. O relatório provoca controvérsia ao associar o crescimento econômico ao esgotamento dos recursos naturais.

•Junho 1972 - ONU realiza a Conferência sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia.

•Junho 1974 - Os cientistas Mario Molina e Frank Sherwood Rowland mostram que os clorofluorcarbonos (CFCs) danificam a camada de ozônio em artigo na revista Nature.

•Julho 1975 - Entra em vigor a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites).

•Maio 1976 - Realizada em Vancouver, no Canadá, de 31 de maio a 11 de junho, a Habitat I foi a primeira conferência internacional a relacionar meio ambiente e assentamentos humanos.

•Junho 1977 - Wangari Maathai funda o Movimento Cinturão Verde no Quênia para prevenir a desertificação por meio do plantio comunitário de árvores por mulheres.

•Março 1979 - Acidente na usina nuclear de Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA)

•Março 1980 - Estratégia Mundial de Conservação é lançada pela IUCN (em português União Internacional para a Conservação da Natureza) em colaboração com WWF e Pnuma, levando em conta as pressões econômicas sobre a natureza e a necessidade do Desenvolvimento Sustentável.

•Julho 1980 - A Comissão Independente sobre Questões de Desenvolvimento Internacional publica Norte-Sul: um Programa para a Sobrevivência (Relatório Brandt), que defende maior equilíbrio entre países ricos e em desenvolvimento.

•Dezembro 1982 - Adoção da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar em Montego Bay, na Jamaica. O tratado só passaria a vigorar em novembro de 1994.

•Dezembro 1984 - Vazamento de gás da fábrica de agrotóxicos da Union Carbide em Bhopal, na Índia, matou perto de 22 mil pessoas. Foi o maior acidente químico já registrado. A indenização de 2 mil libras por vítima paga pela Dow Química, que comprou a Union Carbide em 1999, é contestada há anos pelos sobreviventes do desastre industrial.

. Maio 1985 - Cientistas britânicos publicam carta na Nature comunicando descoberta do buraco na camada de ozônio sobre a Antártida.

•Abril 1986 - Explosão em reator da estação nuclear de Chernobyl na Ucrânia (na época, parte da então União Soviética) espalha nuvem radioativa pela Europa. O maior acidente nuclear de todos os tempos obrigou à evacuação de 350 mil pessoas das áreas contaminadas.

•Abril 1987 - Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland) populariza a expressão “Desenvolvimento Sustentável” e lança as bases para a Rio-92.

•Setembro 1987 - Adoção do Protocolo de Montreal, que inicia o controle de CFCs e outras substâncias químicas que danificam a camada de ozônio.

•Dezembro 1988 - Herói da luta contra o desmatamento na Amazônia e pelas reservas extrativistas, o seringueiro Chico Mendes é assassinado em Xapuri (AC) por pistoleiros a mando de seus inimigos políticos.

•Março 1989 - O navio-tanque Exxon Valdez colide com um recife e derrama em torno de 355 mil barris de petróleo na costa do Alasca.

•Abril 1992 - Changing Course é publicado pelo industrialista suíço Stephan Schmidheiny, que fundara o Business Council of Sustainable Development em 1990 para preparar a participação do setor privado na Rio-92. O livro apresenta caminhos para a comunidade de negócios internalizar critérios de sustentabilidade socioambiental em suas operações.

•Junho 1992 - Também conhecida como Cúpula da Terra, Eco-92 e Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento acontece na cidade do Rio de Janeiro.

•Junho 1993 - Acontece em Viena ( Áustria) a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos.

•Setembro 1994 - Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento é realizada no Cairo, Egito.

•Março 1995 - ONU organiza a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social em Copenhague, na Dinamarca.

•Setembro 1995 - A capital chinesa Pequim recebe a 4ª Conferência sobre Mulheres, promovida pela ONU.

•Novembro 1995 - Enforcamento do escritor e ativista ambiental nigeriano Ken Saro-Wiwa pelo governo de seu país atrai atenção internacional para as ligações entre direitos humanos, justiça ambiental, segurança e crescimento econômico.

•Junho 1996 - Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II) acontece em Istambul, na Turquia.

•Setembro 1996 - ISO 14001 é formalmente adotada como padrão voluntário internacional para sistemas de gestão ambiental corporativos.

•Novembro 1996 - Roma sedia a Cúpula Mundial da Alimentação, convocada pela FAO.

•Setembro 1999 - Lançamento dos índices de sustentabilidade da Dow Jones, em Nova York, para medir o desempenho nas bolsas de valores de empresas com políticas de responsabilidade socioambiental.

•Novembro 1999 - Durante sua terceira conferência ministerial, realizada em Seattle, nos Estados Unidos, a OMC é alvo do primeiro grande protesto antiglobalização.

•Julho 2000 - Lançamento do Pacto Global da ONU, iniciativa que reúne empresas comprometidas a alinhar operações e estratégias com dez princípios nas áreas de direitos humanos, condições de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.

•Setembro 2000 - Cúpula do Milênio promovida pela ONU em Nova York estabelece oito objetivos de desenvolvimento a serem alcançados até 2015, tais como diminuir pela metade a proporção de pessoas com fome e cuja renda diária é inferior a menos de um dólar.

•Janeiro 2001 - Movimentos sociais promovem em Porto Alegre (RS) o primeiro Fórum Social Mundial (FSM), que desde então repete-se anualmente. Tem como finalidade discutir propostas alternativas de sociedade, contemplando os direitos humanos, direitos trabalhistas, proteção ambiental e economia solidária.

•Setembro 2001 - Ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono nos Estados Unidos marginalizam temas socioambientais na agenda global, que é tomada pela preocupação com a segurança nos países do Ocidente.

•Março 2002 - ONU realiza Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento em Monterrey, no México, seis meses após os ataques terroristas aos Estados Unidos. A prioridade para a agenda de segurança frustrou a intenção de criar mecanismos para financiar ações definidas nas conferências mundiais dos anos 1990.

•Abril 2002 - Global Report Initiative (GRI) inicia suas atividades, focadas em desenvolver padrões de relato de políticas e ações corporativas de sustentabilidade.

•Agosto 2002 - Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, aprova em Joanesburgo, na África do Sul, plano para implementar os compromissos da Rio-92.

•Junho 2003 - Lançamento pelos bancos dos Princípios do Equador em Washington D.C., capital dos Estados Unidos, com diretrizes para gerenciar riscos socioambientais do crédito para grandes projetos industriais e de infraestrutura .

•Dezembro, 2004 - Pela primeira vez, o Prêmio Nobel da Paz é concedido a um ambientalista, a queniana Wangari Maathai, por sua luta em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos.

•Fevereiro, 2005 - Adotado em dezembro de 1997, o Protocolo de Kyoto passa a vigorar, obrigando os países industrializados a cortar em 5% suas emissões de gases-estufa em relação aos níveis de 1990.

•Março, 2005 - Avaliação Ecossistêmica do Milênio mostra os efeitos das modificações nos ecossistemas sobre o bem-estar humano.

•Agosto, 2005 - Furacão Katrina devasta várias cidades da costa do Golfo do México nos Estados Unidos. O fenômeno consumiu o maior valor em sinistros já pago pelas seguradoras e chamou a atenção da opinião pública para o aumento na frequência de eventos climáticos extremos.

•Fevereiro, 2006 - Pinhais (PR) sedia a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica.

•Outubro, 2006 - Relatório Stern sobre a economia das mudanças climáticas é publicado em Londres por encomenda do governo britânico.

•Fevereiro, 2007 - IPCC lança a primeira parte do 4º Relatório de Avaliação, que afirma ser muito provável que a maior parte do aumento na temperatura global é devida ao aumento nas concentrações atmosféricas de gases-estufa emitidos por atividades humanas.

•2008: Crises alimentar, energética e financeira convergem, provocando recessão econômica. Incentivos à tecnologias verdes são incluídos nos pacotes de estímulo econômico anticrise.

•2008: Acontecimento inédito na história da humanidade, a população urbana ultrapassa a das zonas rurais.

•Dezembro, 2009 - A 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP-15), realizada em Copenhague, consolida o tema climático nas agendas pública, corporativa e da sociedade civil, mas decepciona pelo insucesso em fechar um acordo para diminuir as emissões após 2012.

•Outubro, 2010: Publicação da síntese do estudo A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB).

•Outubro, 2010 - A aprovação do Protocolo de Nagoya sobre acesso aos recursos genéticos e repartição de benefícios foi o destaque da 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10), no Japão.

•Fevereiro, 2011 – Pnuma lança Rumo à Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza.

•Outubro, 2011 - A população mundial chega a sete bilhões.

•Junho, 2012 - Rio de Janeiro sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.



Para saber mais1.Nosso futuro comum. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991

2.Sen, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

3.Sobre o conceito de desenvolvimento humano:
hdr.undp.org/en/humandev

4.Sobre os tratados das ONGs consulte:
habitat.igc.org/treaties

5.Rockström, J. et al. A Safe Operating Space for Nature. Nature, Londres, v. 461, p. 473-475, 24/09/2009.

6.2010 Living Planet Report 2010 disponível em
http:wwf.panda.org/about_our_earth/all_publications/living_planet_report/2010_lpr/. O relatório é produzido pelo WWF Internacional em colaboração com o Zoológico de Londres e a Global Footprint Network.

7.Towards a Green Economy: Pathways to Sustainable Development and Poverty Erradication. Disponível em www.unep.org/greeneconomy. Em português: PNUMA. Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza – uma síntese para tomadores de decisão. Brasília, 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2011.

8.Global Green New Deal: An Update for the G20 Pittsburgh Summit, relatório publicado em setembro de 2009, disponível em:
http://www.unep.ch/etb/publications/Green%20Economy/G%2020%20policy%20brief%20FINAL.pdf

9.Carson, Rachel. Primavera Silenciosa. Editora Gaia, São Paulo, 2010.

10.Meadows, Dennis. L, Meadows, Donella,Randers Jorgen, Limites do Crescimento, QualityMark, São Paulo, 2007.

11.Erlich, Paul. A Bomba Populacional (esgotado)

http://www.radarrio20.org.br/index.php?r=conteudo/view&id=9




Economia verde: afinal, de que se trata?


18 de junho de 2012




Nas últimas semanas, em função da Rio+20, um dos conceitos mais comentados pelos meios de comunicação é o de economia verde. A experiência mostra que, quando todo mundo fala de um assunto novo, as pessoas provavelmente podem estar falando de coisas diferentes. Podem-se distinguir pelo menos três das principais interpretações que têm sido dadas à economia verde. É possível identificar a primeira interpretação de uma versão mais limitada do que seja a economia verde. Trata-se da tentativa de estender o sistema de preços aos serviços e aos ativos ambientais, mesmo considerando-se que a sua valorização não signifique que esteja transformando-os em mercadorias.


O sistema de preços é considerado um mecanismo tão eficiente, democrático e econômico de resolver os problemas econômicos fundamentais de uma sociedade (o que produzir, como produzir, onde produzir, como produzir e para quem produzir) que acaba por estimular um esforço intelectual muito expressivo para preservar o seu uso nas políticas ambientais. É o caso, por exemplo, de situações em que ocorrem externalidades ambientais (poluição hídrica, avanço da especulação imobiliária sobre os mangues, desmatamento, etc.), quando se procura definir apropriadamente um valor econômico para os recursos ambientais, simulando as condições de mercado para a sua disponibilidade e a sua utilização, a fim de se identificarem as perdas e os danos para a sociedade.

Os mercados funcionam adequadamente na alocação de bens privados, os quais são caracterizados pela exclusividade (quem não desejar pagar o preço de mercado é excluído do seu consumo) e pela rivalidade no consumo (o bem pode ser subdividido, de tal forma que quem consome pode excluir os outros dos seus benefícios). Os bens ambientais tendem a ser não excludentes e divisíveis (exemplo: reservas de águas subterrâneas), excludentes e indivisíveis (exemplo: acesso às áreas fechadas de reservas naturais) ou indivisíveis e não excludentes (exemplos: paisagens cênicas; ar puro). Assim, muitos bens ambientais, por se assemelharem mais a bens públicos (não excludentes, indivisíveis, sem rivalidades) do que a bens privados, não conseguem desenvolver ou simular mercados para avaliações monetárias apropriadas e consistentes.

Uma segunda concepção de economia verde está ligada ao desenvolvimento de modelos de planejamento econômico-ambiental que incorporam os conceitos de insumos ecológicos, processos ecológicos e produtos ecológicos. Trata-se de uma tentativa de melhor compreender a interdependência entre o sistema ecológico e o sistema econômico. Esses modelos permitem que se analisem, por exemplo, os impactos dos investimentos previstos no PAC sobre a pegada ecológica (relativa às áreas de terra produtiva e aos ecossistemas aquáticos), sobre a pegada de carbono (emissão de gases de efeito estufa) e sobre a pegada hídrica (uso direto e indireto de água). Esbarram, contudo, em enormes dificuldades para obter dados sobre o subsistema ecológico, desde o cálculo de simples coeficientes que relacionem a quantidade de poluentes de diversos tipos emitidos por unidades de produção em cada setor produtivo até informações sobre as características específicas de diferentes processos ecológicos.

Essas duas concepções de economia verde se situam, contudo, dentro de uma visão tradicional da Ciência Econômica. Na visão tradicional, a economia é vista como um sistema isolado, sem trocas de matéria e energia com o meio ambiente. Nesta visão, muitas vezes, não se vislumbram insumos ecológicos ou produtos ecológicos enquanto se produz (exemplos: captação de água ou emissão de dejetos industriais em uma bacia hidrográfica), enquanto se consome (exemplo: emissão de monóxido de carbono de veículos automotivos) ou enquanto se acumula capital (investimentos) na sociedade.

O ecossistema é considerado apenas como um setor extrativo e de disposição de resíduos da economia. Mesmo que esses serviços se tornem escassos (capacidade de suporte de uma bacia hidrográfica ou limitações de oferta de um recurso natural não renovável relevante), o crescimento econômico pode se manter para sempre porque a tecnologia permite a substituição de capital natural por capital man-made. O único limite ao crescimento, na visão tradicional, é a tecnologia e, desde que se desenvolvam novas tecnologias (produção de etanol ligno-celulósico para o aproveitamento do bagaço da cana ou de resíduos de madeiras, a descoberta de novos materiais, a miniaturização de bens duráveis de consumo, etc.), não há limites para o crescimento econômico.

Por outro lado, a visão contemporânea de desenvolvimento sustentável inclui a economia como um subsistema aberto do ecossistema. Desde que o ecossistema permaneça constante em escala enquanto a economia cresce, é inevitável que, a economia se torne maior em relação ao ecossistema ao longo do tempo, ou seja, a economia torna-se maior em relação ao ecossistema que a contém. O capital natural remanescente passa a ser o fator limitativo do crescimento econômico num ecossistema congestionado (com estresse ou em regime de coma ecológico) onde prevalecem as leis da termodinâmica, a de conservação de matéria e energia e a lei da entropia.

* PROFESSOR DO IBMEC/MG, FOI MINISTRO DO PLANEJAMENTO E DA FAZENDA NO GOVERNO ITAMAR FRANCO

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,economia-verde-afinal-de-que-se-trata-,887756,0.htm


Rio +20: A Conferência que não aconteceu...
A Conferência Rio+20 no que se refere às decisões a serem tomadas no Pavilhão do Riocentro, na verdade, não aconteceu. Estão aquém das decisões que a sociedade civil no Brasil vem exigindo do próprio governo brasileiro. Os povos do mundo aqui reunidos rebelaram-se contra os diplomatas e assessores insensíveis. O tic-tac do tempo irreversível foi anunciado no Riocentro ante uma plateia insensível. O artigo é de Francisco Carlos Teixeira.

Rio de Janeiro - Aterro do Flamengo, Pavilhão dos Povos do Mundo, Rio - Ao longo desta quinta-feira, dia 21/06/2012, quando se esperava uma intervenção mais firme e objetiva de chefes de estado e do governo sobre o documento final da Conferência Rio+20, nada aconteceu. A intervenção, clara e direta, do Presidente François Hollande, incluindo aí a cobrança de um imposto sobre os capitais especulativos que giram pelo mundo (e que são em grande parte responsáveis pela atual crise mundial), a inusitada manifestação de decepção do Secretário-Geral da ONU Bam Ki-moon e, o anúncio pela Rede Climática Mundial – cerca de mil entidades civis de ação contra o Aquecimento Global - de retirar sua assinatura do documento final (o que na prática significa que a Conferência Rio+20 não é mais uma conferência dos povos do mundo) não sensibilizaram os diplomatas e chefes de estado e de governo no Riocentro. Os povos do mundo aqui reunidos rebelaram-se contra os diplomatas e assessores insensíveis. O tic-tac do tempo irreversível foi anunciado no Riocentro ante uma plateia insensível.

O que ficou “descombinado”: os direitos das mulheres
O Documento Base da Conferencia Rio+20, chamado originalmente de Rascunho Zero, deveria ser a base para o comunicado final da conferência, a ser assinado pelos representantes das nações aqui reunidas e das diversas entidades civis que lutam contra a “economia fóssil”.

Contudo, nos dias que precederam a reunião dos chefes de estado e de governo a diplomacia anfitriã, no caso o Itamaraty, decidiu-se em face de fortes resistências por uma proposta dita consensual. Na verdade, o que se fez neste documento foi eliminar todos os pontos que sofriam alguma restrição. Ora, as restrições eram apontadas exatamente naqueles itens que eram inovadores, que obrigavam a mudanças e contrariavam interesses literalmente “fossilizados”, viciados no padrão de produção e consumo predatório originado na Revolução Industrial do século XVIII.

Os pontos principais relegados no Documento Final pertencem a três grupos principais de resistências. Um primeiro item, negociado desde o início dos trâmites da Rio+20, foram aqueles relacionados com os chamados “direitos reprodutivos das mulheres”, onde se explicitavam os direitos de saúde, de acesso ao trabalho e à educação e aos plenos direitos civis, incluindo aí a exclusão política e as pensas degradantes.

Neste caso, o representante do Vaticano – ou seja, do clérigo alemão Joseph Ratzinger que perseguiu durante anos o clero cristão progressista, incluindo aí Leonardo Boff e Frei Beto - considerou que sob a nomenclatura de “direitos da mulher” emergia a menção ao aborto. A diplomacia brasileira não só aceitou a exclusão como também a considerou a melhor forma de obter o buscado “consenso”. Assim, o Vaticano – com seus 832 habitantes, a maioria de homens -, envolvido até o pescoço em escândalos financeiros e sexuais acabou impondo ao conjunto do mundo sua ortodoxia medieval.

Ora, o Brasil, e sua presidenta Dilma Rousseff, não só apoiam a universalização dos direitos da mulher, como também buscam – conforme decisão do STF neste ano sobre o aborto de anencéfalos – de garantias sobre a saúde física e emocional das mulheres. Ou seja, a diplomacia brasileira negociou e propõem-se a assinar um documento que fica aquém da legislação brasileira e contrária a política proposta pela própria presidenta Dilma Rousseff.

A recusa de um organismo regulador global

Outro campo onde surgiu o dissenso, e a diplomacia brasileira buscou o consenso estéril, foi acerca da criação de uma Agência Mundial de Proteção Ambiental. A ideia chave era a transformação do PNUMA, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em uma agência com capacidade de analisar, regular e estabelecer metas gerais para a sustentabilidade. O modelo seria algo próximo da OMC, a Organização Mundial do Comércio. Ou seja, as regras que valem para o comércio não valem para o meio-ambiente. Neste caso, a França e vários países africanos propuseram a criação, com sede possivelmente na própria África. No entanto, Estados Unidos, China Popular e o Brasil mostraram-se contrários. Na prática isso significa que as decisões mais importantes ficarão, mais uma vez, à mercê de reuniões mastodônticas organizadas pela ONU e ao sabor das conjunturas eventuais – como no momento a crise econômica mundial. O máximo que o documento se permitiu foi uma proposta que o PNUMA, criado nos anos de 1970, seja “fortalecido e ampliado”. Mas, não se falou em metas e prazos.

Os recursos para a preservação do meio-ambiente
A reunião do G-20 em Los Cabos, México, na semana que antecedeu a Rio+20 resultou no fortalecimento do caixa do FMI em mais de 456 bilhões de dólares, incluindo aí fortes dotações da China Popular e, mesmo, do Brasil. Boa parte deste dinheiro, conforme as exigências conservadores do governo alemão acabarão sendo direcionados para a salvação dos bancos europeus. Os mesmos bancos que especularam, aplicaram seus recursos na “bolha imobiliária” (em especial na Espanha) e pagaram imensos salários aos seus executivos serão, assim, beneficiados (só os bancos espanhóis receberam neste mês de junho cerca de 62 bilhões de dólares), enquanto a população grega, portuguesa, espanhola, irlandesa... sofrem o desemprego e corte de direitos sociais. Assim, os chefes de estado e de governo reunidos em Los Cabos/México – a maioria ausente da Rio+20 – aceitam fornecer dinheiro ao sistema falido mundial. Contudo, na questão de financiamento de medidas de contenção do desmatamento, do desperdício, da poluição de rios, lagos e mares nada foi feito.

O G-77, grupo dos países mais pobres do mundo, pediu a Conferência a criação urgente de um fundo de 30 bilhões de dólares que financiariam tais projetos. A proposta, contudo, foi retirada do Rascunho Zero e não será apreciada pelos chefes de estado e de governo reunidos no Riocentro. Da mesma forma, a proposta de erradicação da pobreza extrema foi retirada do documento, sob pressão dos Estados Unidos (ou seja, do Governo Obama!).

A contradição evidente – 456 bilhões para o FMI e recusa de 30 bilhões para o G-77, ou seja, para quase um bilhão dos mais pobres seres humanos do planeta! – fica mais explicita quando a diplomacia brasileira insiste em que a erradicação da pobreza é a forma mais direta e justa de combater a destruição do meio-ambiente. Isso é correto, claro. A pobreza, além de injusta e feia, ela polui e causa doenças. A ausência de água potável nas casas, a falta de esgotamento sanitário, a ausência do tratamento do lixo (causando doenças e poluindo rios, lagos e mares) e o consumo não regular de energia são estruturas evidentes da destruição do planeta. Ora, se todos concordam com isso, porque não se avançou na criação do fundo de projetos sustentáveis? Porque não atender as pessoas mais miseráveis do planeta e, em vez disso, dar prioridade aos bancos e seus executivos?

A contradição só pode ser explicada pela diferença abissal entre discurso e intenções práticas.

Metas e garantias

Por fim, um terceiro campo que foi esvaziado nas reuniões prévias do Riocentro, foi a ausência de estabelecimento claro e objetivo de metas e decisões, garantias, para o controle da destruição do meio-ambiente. Assim, a meta de acesso universal as novas energias sustentáveis em 2030 – realizável, embora uma dura medida na indústria petrolífera – foi retirada do texto, sendo substituída por uma redação evasiva, sem datas e percentuais de substituição.

O mesmo ocorreu com a garantia de preservação das florestas do planeta. Enquanto, os documentos prévios previam a declaração de combate ao desmatamento e proposição de metas verificáveis sobre o estado das florestas do planeta, o documento proposto “reconhece a importância” das florestas para o equilíbrio ambiental e recusa, no entanto, a propor qualquer ação de replantio das áreas destruídas. Ou seja, mais uma vez a diplomacia do Brasil aceitou um documento mundial que fica aquém da proposta da presidenta Dilma Rousseff, quanto impôs seu veto ao projeto do Código Florestal.

No âmbito da preservação dos oceanos, da sua biodiversidade, em especial em face da exploração do petróleo/gás nas áreas oceânicas e a preservação dos plantéis de vida marinha – peixes, crustáceos, grandes mamíferos marinhos – houve forte reação dos Estados Unidos, Venezuela e Rússia (interessados na exploração de petróleo formaram uma estranha aliança!) e do Japão e Canadá (interessados em manter a exploração industrial, massiva, dos recursos pesqueiros do planeta).

Por fim, o documento original impunha que todas as empresas deveriam produzir relatórios de sustentabilidade decorrentes de suas atividades. É, claro, ainda uma vez o documento final considera “louvável” que as empresas o façam. Ora, ainda uma vez, sabemos que tais relatórios de impacto ambiental são obrigatórios no Brasil!

Em suma, a Conferência Rio+20 no que se refere às decisões a serem tomadas no Pavilhão do Riocentro, na verdade, não aconteceram. Estão aquém das decisões que a sociedade civil no Brasil vem exigindo do próprio governo brasileiro.



Rio+20: Economia Verde ou Economia Solidária?

By admin– 06/06/2012

Posted in: Alternativas, Meio Ambiente, Mundo, Pós-Capitalismo, Posts


Ignacio Ramonet vê planeta dividido entre ultra-capitalismo predador e alternativa baseada em bens comuns, bem-viver, consumo responsável e segurança alimentar

Por Ignacio Ramonet | Tradução: Antonio Martins

O Brasil acolherá no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, chamada também “Rio+20” porque se reunirá duas décadas depois da primeira grande Cúpula da Terra, de 1992. Participarão mais de 80 chefes de Estado. As discussões estarão centradas em torno de dois temas principais: 1) uma “economia verde” no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza; e 2) o marco institucional para o desenvolvimento sustentável. Em paralelo ao evento oficial, também se reunirá a Cúpula dos Povos, que congrega movimentos sociais e ambientalistas do mundo.

As questões ambientais e os desafios da mudança climática continuam constituindo grandes urgências da agenda internacional [1]. Mas esta ralidade é ocultada, na Europa e em outras partes do mundo, pela gravidade da crise econômica e financeira. É normal.

A eurozona atravessa um de seus momentos mais difíceis, em razão do fracasso clamoroso das políticas de “austeridade radical”. A recessão instalou-se em várias economias, com desemprego em alta e tensões financeiras dramáticas. A Espanha, em particular, vive os momentos mais preocupantes desde 2008, quando Lehman Brothers. Tornou-se, após a Grécia, o “elo frágil” do euro. Os capitais fugem em massa. O “prêmio de risco” (margem extra que os credores exigem, para continuar emprestando ao país) atingiu os níveis mais elevados desde da criação da moeda única, e ameaça obrigar Madri a requerer (como a Grécia, Irlanda e Portugal) ajuda externa. Ampliam-se os temores sobre a saúde do sistema bancário, em especial, após a escandalosa quebra-nacionalização do Bankia, quarto grupo financeiro do país em volume de ativos.

O pessimismo espraia-se na Europa. O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman jogou lenha na fogueira no mês passado, quando avisou [2] ser “muito possível” que a Grécia abandone e euro no decorrer de junho… Uma saída de Atenas da moeda única europeia teria como consequência imediata a fuga de capitais de outros países ameaçados (Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica) e uma corrida maciça dos depositantes contra os bancos, para sacar seus depósitos. Segundo Krugman, não é impossível que, para evitá-la, países como a Espanha e a Itália decretem – como a Argentina em 2001 – um corralito [3], limitação forçada do volume de dinheiro que os depositantes podem retirar de suas próprias contas.

O euro resistirá? Entrará em colapso? Estas questões preocupam, em todo o mundo, milhões de cidadãos, que seguem com grande expectativa o calendário eleitoral europeu. Em 10 e 17 de junho, haverá eleições legislativas na França; em 17 de junho, eleições para o Parlamento e para formar um novo governo na Grécia. E a Cúpula de Bruxelas, em 28 e 29 de junho, decidirá por fim se a União Europeia segue a rota alemã de austeridade até a morte ou se opta pela via francesa de crescimento e recuperação. É uma dilema vital.

Apesar de dramáticas, estas questões não devem ocultar que, em escala planetária, há outros dilemas, não menos decisivos. O primeiro deles é o desastre climático que estará em pauta no Rio de janeiro. Vale lembrar que, em 2010, o desastre climático foi a causa de 90% das catástrofes naturais, que causaram a morte de cerca de 300 mil pessoas, e perdas econômicas superiores a 250 bilhões de reais.

Outra contradição: na Europa, os cidadãos reclamam, com razão, mais crescimento para sair da crise. Mas no Rio, os movimentos sociais e ambientalistas advertirão que o crescimento – se não é sustentável – significa maior devastação do meio-ambiente e maior risco de esgotamento dos limitados recursos do planeta.

Os dirigentes mundiais, assim como milhares de representantes de governos empresas privadas, ONGs, movimentos sociais e outros grupos da sociedade civil irão se reunir, no Rio, precisamente para definir uma agenda global que garanta a proteção sustentável do ambiente – e também para reduzir a pobreza e promover a igualdade social. O debate central se dará entre o conceito de “economia verde”, defendido pelos porta-vozes do neoliberalismo, e o de “economia solidária”, sustentada por movimentos para os quais não haverá preservação ambiental sem a superação do modelo atual de “desenvolvimento predatório”, baseado na acumulação privada de riquezas.

Os países ricos vão ao Rio para difundir, como proposta principal, a da “economia verde”. É um conceito-cilada, que se limita, na maioria das vezes, a designar uma simples camuflagem verde da economia pura e dura de sempre. Um “esverdeamento”, em suma, do capitalismo especulativo. Tais países desejam que a Conferência Rio+20 lhes outorgue um mandato das Nações Unidas para começar a definir, em escala planetária, uma série de indicadores para avaliar economicamente as diferentes funções da natureza, e criar deste modo as bases para um mercado mundial de serviços ambientais.

Esta “economia verde” deseja não apenas a mercantilização dos aspectos materiais da natureza, mas a própria transformação em mercadoria dos processos e funções naturais. Em outras palavras, a “economia verde” busca, como afirma o ativista boliviano Pablo Solón, mercantilizar não apenas a madeira e as florestas, mas também a capacidade de absorção de dióxido de carbono destas mesmas matas [4].

O objetivo central é criar, para as aplicações privadas, um mercado da água, do meio-ambiente, dos oceanos, da biodiversidade etc. Atribuindo preço a cada elemento da natureza, com objetivo de garantir lucros para os investidores. De tal modo que a “economia verde”, ao invés de criar produtos reais, organizará um novo mercado imaterial de bônus e instrumentos financeiros que serão negociados através dos bancos. O mesmo sistema bancário que provocou a crise financeira de 2008, e que recebeu trilhões de reais dos governos, disporia agora, da Mãe Natureza para continuar especulando e realizando grandes lucros.

Frente a estas posições, e em paralelo à Conferência da ONU, a sociedade civil organiza no Rio a Cúpula dos Povos. Neste fórum, serão apresentadas alternativas em defesa dos “bens comuns da humanidade”. Produzidos pela natureza ou por grupos humanos, em escala local, nacional ou global, estes bens devem ser propriedade coletiva. Entre eles, estão o ar e a atmosfera; a água, aquíferos, rios, oceanos e lagos; as terras comunais ou ancestrais; as sementes, a biodiversidade, os parques naturais; a linguagem, a paisagem, a memória, o conhecimento, a internet, os produtos distribuídos com licença livre, a informação genética etc. A água doce começa a ser vista como o bem comum por excelência, e as lutas contra sua privatização – em vários países – têm alcançado êxitos notáveis.

Outra ideia preconizada pela Cúpula dos Povos preconiza é a de uma transição gradual da civilização antropocêntrica a uma “civilização biocêntrica”, centrada na vida, o que implica o reconhecimento dos direitos da Natureza e a redefinição do bem-viver e da prosperidade – de modo que não dependam do crescimento econômico infinito.

Também defende-se a soberania alimentar. Cada comunidade deve poder controlar os alimentos que produz e consome, aproximando consumidores e produtores, defendendo uma agricultura camponesa e proibindo a especulação financeira com alimentos.

Por fim, a Cúpula dos Povos reclama um vasto programa de “consumo responsável”, que inclua uma nova ética do cuidado e do compartir; uma preocupação contra a obsolescência programada dos produtos; uma preferência pelos bens produzidos pela economia social e solidária, baseada no trabalho e não no capital; e um rechaço do consumo de produtos realizados às custas do trabalho escravo [5].

A Conferência Rio+20 oferece, portanto, a ocasião aos movimentos sociais de reafirmar, em escala internacional, sua luta por uma justiça ambiental, em oposição ao modelo de desenvolvimento especulativo. E seu repúdio às tentativas de “esverdear” o capitalis mo. Segundo estes movimentos, a “economia verde” não é a solução para a crise ambiental e alimentar atual. Trata-se, ao contrário, de uma “falsa solução”, que poderia agravar o problema da mercantilização da vida [6]. Em suma, um novo disfarce do sistema. E os cidadãos estão cada vez mais fartos de disfarces. E do sistema.


Ignacio Ramonet é editor do Le Monde Diplomatique, edição espanhola, e presidente da Associação Memória das Lutas (www.medelu.org)



http://www.outraspalavras.net/2012/06/06/rio20-economia-verde-ou-economia-solidaria/



Michael Löwy critica Rio+20 e a propaganda da 'economia verde'

Pesquisador diz não esperar nada da cúpula e critica a 'economia verde'

Da Redação

Em junho, o Brasil sedia a Rio+20, a cúpula mundial de meio ambiente, um dos temas da edição 180 de Caros Amigos, que está nas bancas. A cúpula já divide opiniões, como a do pesquisador Michael Löwy, um dos entrevistados da reportagem publicada na revista.

Confira abaixo a entrevista de Löwy, feita pela jornalista Bárbara Mengardo. Leia a reportagem completa sobre a Rio+20 na edição nas bancas (veja aqui).


Caros Amigos - O que você espera da Rio+20, tanto do ponto de vista das discussões quanto da eficácia de possíveis decisões tomadas?
Michael Löwy - Nada! Ou, para ser caridoso, muito pouco, pouquíssimo… As discussões já estão formatadas pelo tal "Draft Zero", que como bem diz (involuntariamente) seu nome, é uma nulidade, um zero à esquerda. E a eficácia, nenhuma, já que não haverá nada de concreto como obrigação internacional. Como nas conferências internacionais sobre o câmbio climático em Copenhagen, Cancun e Durban, o mais provável é que a montanha vai parir um rato: vagas promessas, discursos, e, sobretudo, bons negócios 'verdes". Como dizia Ban-Ki-Moon, o secretário das Nações Unidas - que não tem nada de revolucionário – em setembro 2009, "estamos com o pé colado no acelerador e nos precipitamos ao abismo”. Discussões e iniciativas interessantes existirão sobretudo nos fóruns Alternativos, na Contra-Conferência organizada pelo Fórum Social Mundial e pelos movimentos sociais e ecológicos.

CA - Desde a Eco 92, houve mudanças na maneira como os estados lidam com temas como mudanças climáticas, preservação das florestas, água e ar, fontes energéticas alternativas, etc.? Se sim, o quão profundas foram essas mudanças?
ML - Mudanças muito superficiais! Enquanto a crise ecológica se agrava, os governos - para começar o dos Estados Unidos e dos demais países industrializados do Norte, principais responsáveis do desastre ambiental - "lidaram com o tema", desenvolveram, em pequena escala, fontes energéticas alternativas, e introduziram "mecanismos de mercado" perfeitamente ineficazes para controlar as emissões de CO2. No fundo, continua o famoso "buzines as usual", que, segundo cálculo dos cientistas, nos levara a temperaturas de 4° ou mais graus nas próximas décadas.

CA - Em comparação a 1992, a sociedade está muito mais ciente da necessidade de proteção do meio ambiente. Esse fato poderá influir positivamente nas discussões da Rio+20?
ML - Esta sim é uma mudança positiva! A opinião pública, a "sociedade civil", amplos setores da população, tanto no Norte como no Sul, está cada vez mais consciente de necessidade de proteger o meio ambiente - não para "salvar a Terra" - nosso planeta não está em perigo - mas para salvar a vida humana (e a de muitas outras espécies) nesta Terra. Infelizmente, os governos, empresas e instituições financeiras internacionais representados no Rio+20 são pouco sensíveis à inquietude da população, que buscam tranquilizar com discursos sobre a pretensa "economia verde". Entre as poucas exceções, o governo boliviano de Evo Morales.

CA - Como a destruição do meio-ambiente relaciona-se com a desigualdade social?
ML - As primeiras vítimas dos desastres ecológicos são as camadas sociais exploradas e oprimidas, os povos do Sul e em particular as comunidades indígenas e camponesas que vêem suas terras, suas florestas e seus rios poluídos, envenenados e devastados pelas multinacionais do petróleo e das minas, ou pelo agronegócio da soja, do óleo de palma e do gado. Há alguns anos, Lawrence Summers, economista americano, num informe interno para o Banco Mundial, explicava que era lógico, do ponto de vista de uma economia racional, enviar as produções tóxicas e poluidoras para os países pobres, onde a vida humana tem um preço bem inferior: simples questão de cálculo de perdas e lucros.

Por outro lado, o mesmo sistema econômico e social - temos que chamá-lo por seu nome e apelido: o capitalismo – que destrói o meio-ambiente é responsável pelas brutais desigualdades sociais entre a oligarquia financeira dominante e a massa do "pobretariado". São os dois lados da mesma moeda, expressão de um sistema que não pode existir sem expansão ao infinito, sem acumulação ilimitada - e portanto sem devastar a natureza – e sem produzir e reproduzir a desigualdade entre explorados e exploradores.

CA - Estamos em meio a uma crise do capital. Quais as suas consequências ambientais e qual o papel do ecossocialismo nesse contexto?
ML - A crise financeira internacional tem servido de pretexto aos vários governos ao serviço do sistema de empurrar para "mais tarde" as medidas urgentes necessárias para limitar as emissões de gases com efeito de serra. A urgência do momento - um momento que já dura há alguns anos - é salvar os bancos, pagar a dívida externa (aos mesmos bancos), "restabelecer os equilíbrio contábeis", "reduzir as despesas públicas". Não há dinheiro disponível para investir nas energias alternativas ou para desenvolver os transportes coletivos.
O ecossocialismo é uma resposta radical tanto à crise financeira, quanto à crise ecológica. Ambas são a expressão de um processo mais profundo: a crise do paradigma da civilização capitalista industrial moderna. A alternativa ecossocialista significa que os grandes meios de produção e de crédito são expropriados e colocados a serviço da população. As decisões sobre a produção e o consumo não serão mais tomadas por banqueiros, managers de multinacionais, donos de poços de petróleo e gerentes de supermercados, mas pela própria população, depois de um debate democrático, em função de dois critérios fundamentais: a produção de valores de uso para satisfazer as necessidades sociais e a preservação do meio ambiente.

CA - O “rascunho zero” da Rio+20 cita diversas vezes o termo "economia verde", mas não traz uma definição para essa expressão. Na sua opinião, o que esse termo pode significar? Seria esse conceito suficiente para deter a destruição do planeta e as mudanças climáticas?
ML - Não é por acaso que os redatores do tal "rascunho" preferem deixar o termo sem definição, bastante vago. A verdade é que não existe “economia” em geral: ou se trata de uma economia capitalista, ou de uma economia não-capitalista. No caso, a "economia verde" do rascunho não é outra coisa do que uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas "verdes" bastante limitadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará modificações substanciais se não for amplamente subvencionado pelos estados, desviando fundos que agora servem à indústria nuclear, e se não for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis. Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas "técnicas" são bem piores: por exemplo, os famigerados "biocombustíveis", que como bem o diz Frei Betto, deveriam ser chamados "necrocombustiveis", pois tratam de utilizar os solos férteis para produzir uma pseudo-gasolina "verde", para encher os tanques dos carros - em vez de comida para encher o estômago dos famintos da terra.

CA - Quem seriam os principais agentes na luta por uma sociedade mais verde, o governo, a iniciativa privada, ONGs, movimentos sociais, enfim?
ML - Salvo pouquíssimas exceções, não há muito a esperar dos governos e da iniciativa privada: nos últimos 20 anos, desde a Rio-92, demonstraram amplamente sua incapacidade de enfrentar os desafios da crise ecológica. Não se trata só de má-vontade, cupidez, corrupção, ignorância e cegueira: tudo isto existe, mas o problema é mais profundo: é o próprio sistema que é incompatível com as radicais e urgentes transformações necessárias.

A única esperança então são os movimentos socais e aquelas ONGs que são ligadas a estes movimentos (outras são simples "conselheiros verdes" do capital). O movimento camponês - Via Campesina -, os movimentos indígenas e os movimentos de mulheres estão na primeira linha deste combate; mas também participam, em muitos países, os sindicatos, as redes ecológicas, a juventude escolar, os intelectuais, várias correntes da esquerda. O Fórum Social Mundial é uma das manifestações desta convergência na luta por um "outro mundo possível", onde o ar, a água, a vida, deixarão de ser mercadorias.

CA - Como você analisa a maneira como a questão ambiental vem sendo tratada pela mídia?
ML - Geralmente de maneira superficial, mas existe um número considerável de jornalistas com sensibilidade ecológica, tanto na mídia dominante como nos meios de comunicação alternativos. Infelizmente uma parte importante da mídia ignora os combates sócio-ecológicos e toda crítica radical ao sistema.

CA - Você acredita que, atualmente, em prol da preservação do meio ambiente é deixada apenas para o cidadão a responsabilidade pela destruição do planeta e não para as empresas? Em São Paulo, por exemplo, temos que comprar sacolinhas plásticas biodegradáveis, enquanto as empresas se utilizam do fato de serem supostamente "verdes" como ferramenta de marketing.
ML - Concordo com esta crítica. Os responsáveis do desastre ambiental tratam de culpabilizar os cidadãos e criam a ilusão de que bastaria que os indivíduos tivessem comportamentos mais ecológicos para resolver o problema. Com isso tratam de evitar que as pessoas coloquem em questão o sistema capitalista, principal responsável da crise ecológica. Claro, é importante que cada indivíduo aja de forma a reduzir a poluição, por exemplo, preferindo os transportes coletivos ao carro individual. Mas sem transformações macro-econômicas, ao nível do aparelho de produção, não será possível brecar a corrida ao abismo.

CA - Quais as diferenças nas propostas que querem, do ponto de vista ambiental, realizar apenas reformas no capitalismo e as que propõem mudanças estruturais ou mesmo a adoção de medidas mais "verdes" dentro de outro sistema econômico?
ML - O reformismo "verde" aceita as regras da "economia de mercado", isto é, do capitalismo; busca soluções que seja aceitáveis, ou compatíveis, com os interesses de rentabilidade, lucro rápido, competitividade no mercado e "crescimento" ilimitado das oligarquias capitalistas. Isto não quer dizer que os partidários de uma alternativa radical, como o ecossocialismo, não lutam por reformas que permitam limitar o estrago: proibição dos transgênicos, abandono da energia nuclear, desenvolvimento das energias alternativas, defesa de uma floresta tropical contra multinacionais do petróleo (Parque Yasuni!), expansão e gratuidade dos transportes coletivos, transferência do transporte de mercadorias do caminhão para o trem, etc. O objetivo do ecossocialismo é o de uma transformação radical, a transição para um novo modelo de civilização, baseado em valores de solidariedade, democracia participativa, preservação do meio ambiente. Mas a luta pelo ecossocialismo começa aqui e agora, em todas as lutas sócio-ecológicas concretas que se enfrentam, de uma forma ou de outra, com o sistema.


http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/noticias/2672-michael-loewy-critica-rio20-e-a-propaganda-da-economia-verde

O que é Economia Verde

Economia Verde é uma expressão de significados e implicações ainda controversos, relacionada ao conceito mais abrangente de Desenvolvimento Sustentável, consagrado pelo Relatório Brundtland, de 1987, e assumido oficialmente pela comunidade internacional na Rio-92, gradualmente tomando o lugar do termo “ecodesenvolvimento” nos debates, discursos e formulação de políticas envolvendo ambiente e desenvolvimento.

A ideia central da Economia Verde é que o conjunto de processos produtivos da sociedade e as transações deles decorrentes contribua cada vez mais para o Desenvolvimento Sustentável, tanto em seus aspectos sociais quanto ambientais. Para isso, propõe como essencial que, além das tecnologias produtivas e sociais, sejam criados meios pelos quais fatores essenciais ligados à sustentabilidade socioambiental, hoje ignorada nas análises e decisões econômicas, passem a ser considerados.

O ecodesenvolvimento foi mencionado inicialmente pelo canadense Maurice Strong, primeiro diretor executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e secretário-geral da Conferência de Estocolmo (1972) e da Rio-92. Foi Strong quem pediu ao economista e sociólogo polonês Ignacy Sachs que desenvolvesse o conceito para inspirar documentos e projetos do Pnuma, criado na conferência. Sachs escreveu vários livros e artigos sobre o ecodesenvolvimento, que compreende cinco dimensões da sustentabilidade: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Em sua autobiografia intitulada A Terceira Margem, Sachs conta que o termo caiu em desgraça em consequência da repercussão negativa que teve no governo dos Estados Unidos a Declaração de Cocoyoc, aprovada em outubro de 1974, na cidade mexicana de mesmo nome e que tratava de Educação Ambiental.

Embora não haja consenso teórico sobre uma definição universal do Desenvolvimento Sustentável, a expressão popularizou-se no mundo a partir da Rio-92. Depois da conferência, a expressão foi sendo pouco a pouco absorvida por governos, corporações e entidades da sociedade civil, geralmente relacionada à formulação e execução tanto de políticas públicas quanto de iniciativas privadas ligadas à responsabilidade socioambiental.

Uma parcela dos movimentos sociais e ambientalistas e pesquisadores das áreas de meio ambiente e desenvolvimento têm questionado o que consideram a banalização, ou esvaziamento, do conceito de Desenvolvimento Sustentável, erroneamente apresentado como objetivo de práticas superficiais e de pouca relevância. É o que se tornou conhecido como greenwashing ou maquiagem verde, em português. Em outras palavras, avaliam que, para muitos a expressão transformou-se em artifício para melhorar a imagem pública de governos e empresas, sem que seu uso traduza mudanças efetivas na sua gestão e práticas, sintonizadas com os princípios e diretrizes emanados da Rio-92 por meio de seus principais documentos. (Veja quadro Documentos da Rio-92, em As Conferências da ONU e Desenvolvimento Sustentável).

Há, também, movimentos sociais que veem no Desenvolvimento Sustentável uma nova roupagem para o sistema econômico, que até implicaria melhorias em áreas como eficiência energética e gerenciamento da água, mas que não modificaria o capitalismo contemporâneo em seus fundamentos, sobretudo o da maximização do lucro, o rebaixamento dos custos de produção e – especialmente – a mercantilização da vida e da natureza. Ainda que essa nunca tenha sido a proposta original de Desenvolvimento Sustentável.

A diminuição de restrições ambientais, característica do neoliberalismo dos anos 1980 e 1990, e a falta de internalização das externalidades (ou seja, a não valoração e não contabilização dos impactos socioambientais negativos nos preços de bens e serviços) reforçam a equação básica da maximização do lucro e rebaixamento dos custos de produção. Do mesmo modo, a transformação de bens comuns em mercadorias – por exemplo, a compra e venda de espaço na atmosfera por meio do mercado de emissões de carbono – é vista por alguns desses movimentos não como a forma de gestão de um patrimônio natural, mas como meio de criação de novos mercados e mercadorias, passíveis de especulação e de apropriação privada, e assim capazes de servir à contínua acumulação capitalista.

Segundo estudiosos e ambientalistas, uma solução para os dilemas teóricos com a formulação do Desenvolvimento Sustentável seria substituí-lo ou, ao menos, subordiná-lo a outro ainda mais abrangente, o de sociedades sustentáveis. De alguma maneira, a ideia da sociedade sustentável resgata a pioneira formulação do ecodesenvolvimento por ser composta de várias dimensões da sustentabilidade (característica de uma situação que pode manter-se em equilíbrio ao longo do tempo), incluindo a cultural. “Sociedade sustentável” soa, ainda, compatível com a noção de sustentabilidade, que geralmente é utilizada para ampliar o escopo do “Desenvolvimento Sustentável”, questionado por alguns que o entendem como um termo que traz implicitamente a noção de crescimento contínuo, e também mais associado à dimensão econômica do que ao modelo de sociedade como um todo, com seus múltiplos aspectos culturais e materiais.

Ecodesenvolvimento, sustentabilidade, sociedade sustentável, economia de baixo carbono, economia sustentável, economia inclusiva e economia solidária. Esses jargões – e muitos outros no campo do Desenvolvimento Sustentável – possuem definições várias, muitas vezes ambíguas e imprecisas. Assim, mais importante que a definição precisa de cada termo é a noção de que todos eles sintetizam ideias para chamar a atenção da opinião pública e dos especialistas quanto à necessidade de tornar os processos de desenvolvimento e os instrumentos econômicos ferramentas de promoção da igualdade social e erradicação da pobreza, com respeito aos direitos humanos e sociais e conservação e uso sustentável dos recursos naturais.

O mesmo ocorre com a expressão Economia Verde, mas com uma importante diferença: ao ser colocada no centro dos debates da Rio+20, passou a ser vista como um grande guarda-chuva, sob o qual, espera-se, poderão se abrigar e articular as várias propostas de alcance mais específico. Por exemplo, a Economia Verde é mais abrangente do que a economia de baixo carbono, visto que não se limita a processos econômicos com baixa ou nenhuma emissão de gases de efeito estufa. Ela inclui processos relacionados ao combate às mudanças climáticas de origem antrópica, mas também trata de reverter outras tendências insustentáveis, quer sociais – como o consumismo e a crescente desigualdade – quer ambientais – como a vasta contaminação dos ecossistemas e do próprio corpo humano por substâncias químicas. Pode-se afirmar que a economia de baixo carbono está geralmente contemplada pela Economia Verde, mas esta vai além, pois implica promover processos limpos de produção e consumo que não agravem as tendências atuais de rompimento dos limites dos sistemas naturais que garantem a manutenção de nossas condições de vida no planeta.

Como elemento do Desenvolvimento Sustentável, a Economia Verde também deve ser necessariamente inclusiva, demandando a erradicação da pobreza, a redução das iniquidades e a promoção dos direitos humanos e sociais, segundo preconizam seus principais defensores junto a fóruns internacionais e agências multilaterais, como o Pnuma, o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).


Definição do Pnuma

A Iniciativa Economia Verde (IEV, ou GEI-Green Economy Initiative, em inglês) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), lançada em 2008, concebe a Economia Verde como aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Ela tem três características preponderantes: é pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva.

Nessa proposta de Economia Verde, o crescimento na renda e no emprego é puxado por investimentos públicos e privados que reduzem emissões de carbono e a poluição. Essa rota de desenvolvimento deve manter, aprimorar e, onde necessário, recuperar o capital natural degradado, enfocando-o como ativo econômico crítico e fonte de benefícios públicos, especialmente para a população pobre cuja sobrevivência e segurança são mais direta e imediatamente afetadas por desequilíbrios nos sistemas naturais (como demonstram os efeitos das secas e cheias em regiões pobres, por exemplo).

Análises detalhadas sobre as perspectivas da Economia Verde, com cenários de curto, médio e longo prazos, podem ser conferidas em dois relatórios lançados pela IEV. O primeiro foi o Global Green New Deal, em 2009, que teve como finalidade recomendar incentivos a tecnologias verdes nas estratégias de recuperação econômica que os países lançaram para atenuar os efeitos nefastos da crise financeira global iniciada nos Estados Unidos em setembro de 2008.

O segundo documento é o Relatório de Economia Verde (REV), uma das principais contribuições do Pnuma para a Rio+20. Publicado em fevereiro de 2011, ele possui uma versão compacta para formuladores de política sob o título Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza. Resultado de um trabalho de diversos especialistas de diferentes partes do mundo, o documento indica que a transição para a Economia Verde redundaria em taxas superiores de crescimento global do Produto Interno Bruto (PIB) e do nível de emprego nos cenários de médio e longo prazos, em comparação ao cenário tendencial (ou business as usual (BAU) )

Para isso, o estudo compara, por meio de modelos econométricos, o cenário tendencial com um cenário alternativo, com investimentos totalizando 2% do PIB global ao ano em áreas como eficiência energética, energias renováveis, tecnologias ambientais e incentivos públicos verdes.


Repercussão ao conceito do Pnuma

A repercussão do REV entre distintos atores sociais oscila de um alinhamento geral com questionamentos tópicos à oposição frontal ao relatório e à própria ideia de Economia Verde. As posições são as mais diversas tanto entre movimentos sociais e ONGs quanto entre governos e empresas.

A grosso modo, o empresariado mais ativo no campo da sustentabilidade foi o setor mais favorável ao REV, ainda que levante problemas pontuais no documento. É o caso da avaliação divulgada pela Câmara Internacional de Comércio (ICC) denominada ICC initial comments on the UNEP draft Green Economy Report.

Publicado em maio de 2011, a avaliação recomendou ao Pnuma que defina mais claramente ou estimule a elaboração de indicadores e métricas para termos como “investimentos verdes” e “Economia Verde”.

Já na sociedade civil as opiniões se dividem: uma parte acredita que o conceito mesmo com limitações pode trazer resultados interessantes, enquanto outra parte se coloca totalmente contra.

Crítica ao crescimento verde

Para o REV, a Economia Verde poderá gerar crescimento ainda maior do que aponta o cenário atual, mas com utilização muito inferior de recursos naturais. A noção de descasamento (ou descolamento, do inglês decoupling) nutre-se de alguma maneira da “curva de Kuznets” (que associa o crescimento contínuo da renda per capita ao aumento na iniquidade durante uma fase inicial, mas depois compensada, com vantagens, na medida em que a renda per capita continue a crescer) e foi objeto do estudo ICC initial comments on the UNEP draft Green Economy Report publicado pela ONU.

Economistas mais vinculados à economia ecológica criticam abordagens que, como a do REV, concebem a Economia Verde predominantemente sob o prisma do descolamento. Avaliam que a perspectiva de crescimento econômico constante tende fatalmente a neutralizar em algum momento ganhos com eficiência energética e uso de matérias-primas. Há, ainda, o efeito bumerangue ou ricochete, que se refere à aplicação, em mais consumo, dos recursos economizados no decoupling, criando ao final pressões adicionais sobre os ecossistemas.

O professor Ricardo Abramovay, do Núcleo de Economia Socioambiental da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, lamenta a falta no estudo do Pnuma de questionamento mais incisivo aos atuais padrões perdulários de consumo e estilos de vida nas economias de mercado. “Com esses padrões, as indicações são de que a economia mundial continuará dependente das energias fósseis até pelo menos 2050”.

Por outro lado, estudiosos como Alexandre D´Avignon e Luiz Antônio Cruz Caruso, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avaliam positivamente o relatório do Pnuma, que representaria uma superação da visão antropocêntrica da natureza, como assinalam em artigo na revista Política Ambiental, publicada em julho de 2011, pela Conservação Internacional (CI). Eles não deixam de observar, porém, uma limitação básica do REV: “Pintar a economia neoclássica de verde não será a solução. É necessária uma mudança estrutural da ‘administração da casa’ (...), referindo-se ao planeta como a casa de todos os seres vivos e, como tal, necessitando ser conservado e respeitado”.

Ao questionarem a noção de crescimento verde do Pnuma, os economistas ecológicos trazem a noção do desenvolvimento sem crescimento, tese que desde 1970 é debatida e condenada por muitos, tachada de obscurantista, pois não incorporaria a possibilidade de grandes saltos tecnológicos. Há toda uma linhagem de pensadores que atuam nesse campo, como o americano Herman Daly, um dos fundadores da economia ecológica, cujas ideias voltaram a circular nos debates contemporâneos sobre desenvolvimento, globalização e sustentabilidade após quase três décadas de ostracismo.

Nessa mesma direção, Tim Jackson elaborou o célebre e controverso estudo Prosperity without Growth? – The transition to a sustainable economy, publicado em março de 2009 pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável do governo do Reino Unido. No trabalho, Jackson, que o preparou na condição de representante do segmento acadêmico na comissão, recomenda estratégias para gerar mais bem-estar humano e sustentabilidade ambiental com menos consumo. A comissão foi desativada em março de 2011 pelo governo britânico, alegando-se contenção de gastos.



Demandas dos países em desenvolvimento

Como ocorre em outras negociações multilaterais, como nas de clima e biodiversidade, dilemas históricos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento também fazem parte dos debates preparatórios da Rio+20. Algumas ONGs proeminentes e governos do hemisfério Sul alinham-se na agenda de desconfianças quanto às intenções dos países ricos com a proposta da Economia Verde.

Um porta-voz bastante influente das nações em desenvolvimento é o South Centre – organização intergovernamental dos países em desenvolvimento com sede em Genebra, Suíça –, que publicou um documento de pesquisa sobre o tema em julho de 2011.

De acordo com o texto, o acordo político central na Rio-92 foi o reconhecimento de que a crise ecológica precisava ser resolvida por meio de um caminho equitativo, com parcerias. Isso foi capturado no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas da Declaração do Rio. O documento afirma que é nesse contexto que a Economia Verde deve ser inserida. Apesar de reconhecer aspectos positivos na formulação de Economia Verde do Pnuma, o documento do South Centre aponta os seguintes riscos:

•Que - apesar de sua formulação ampla - a EV seja adotada de maneira unidimensional, puramente ambiental, sem considerar as dimensões do desenvolvimento e da igualdade social;
•Uso da EV como nova condicionalidade sobre os países em desenvolvimento em casos de assistência financeira, empréstimos e reescalonamento ou cancelamento da dívida externa de alguns países;
•Dúvidas sobre em que medida a utilização de mecanismos de mercado para empresas de países ricos compensarem emissões de poluentes em outras empresas ou países não implicaria a manutenção de uma injusta divisão internacional do trabalho e da riqueza, mantendo o Sul pobre e fornecedor de “serviços ambientais” (além das tradicionais matérias-primas e mão-de-obra barata), enquanto o Norte permanece afluente e consumista.


Olhares da Sociedade Civil

A proposição da Economia Verde também é objeto de debates na sociedade civil global, com posições as mais diversas, além dos questionamentos acima, que oscilam desde uma oposição mais frontal à ideia da Economia Verde a um alinhamento mais próximo da tese do Pnuma. Entre elas, destacamos:


a) Resistência ao “ambientalismo de mercado”
Há organizações e movimentos sociais que se posicionam contra as propostas de promoção da Economia Verde, defendendo que esta não questiona ou modifica a estrutura básica da economia capitalista global. Pelo contrário, a Economia Verde seria a ponta de lança de um novo ciclo do capitalismo, na medida em que transfomaria bens comuns (como a água, a atmosfera, as florestas, oceanos e mesmo os seres vivos) em mercadorias propícias à apropriação privada, acumulação e especulação.

Numa perspectiva menos radical, mas ainda estrutural, questiona-se que a Economia Verde, conduzida pela lógica de mercado, tenderia a abrigar predominantemente medidas superficiais, de pouca relevância porém mais atrativas no curto prazo, gerando apenas uma ilusão de avanço rumo à sustentabilidade. Por essas mesmas razões, tenderia a favorecer os mais ricos e a impedir que soluções realmente transformadoras emergissem, mantendo as causas estruturais das desigualdades sociais e econômicas.

b) Ceticismo com relação ao termo e à sua relevância
Outro questionamento frequente é quanto à necessidade e efetividade de se criar mais um termo relacionado ao Desenvolvimento Sustentável. Pondera-se que como existe uma enorme quantidade de nomes e conceitos para abarcar as questões da sustentabilidade, forçar a emergência de um conceito de Economia Verde – que ainda não tem uma definição muito clara e precisa – irá gerar mais dúvidas e conflitos do que soluções. E que muita energia será gasta com debates improdutivos, em vez de se manter o foco nas questões já conhecidas, que podem de fato engendrar mudanças. Nessa perspectiva, a colocação da Economia Verde no debate seria uma cortina de fumaça para, simultaneamente, fugir do enfrentamento dos problemas reais e criar novos campos para atuação de pesquisadores e consultores, abrindo oportunidades de negócio em vez de promover avanços reais.

c) Economia Verde como ferramenta de mudança
Uma perspectiva mais pragmática, também presente na sociedade civil, entende as críticas acima como alertas importantes, mas que não eliminam a importância da Economia Verde como proposta que visa articular diferentes instrumentos e práticas econômicas capazes de dar centralidade à conexão entre questões sociais e ambientais. A chave para isso seria traduzir em linguagem econômica tais questões, viabilizando sua rápida incorporação aos processos de análise e decisão cotidianamente adotados por consumidores, empresas, governos e demais atores sociais.

Nessa perspectiva, o desafio central da Economia Verde seria utilizar o poder da economia para dar centralidade e força às propostas de sustentabilidade com justiça social e ambiental, enquanto, ao mesmo tempo, se evitam os riscos e “efeitos colaterais” da apropriação distorcida dessas propostas pelo sistema hegemônico. Para isso, o caminho seria construir um sistema de instituições e políticas, com eficaz controle social, voltado a direcionar a atividade econômica no rumo desejado. Nesse sentido, a consistência nas práticas e propostas e a firmeza na sua adoção são vistas como mais importantes que a expressão Economia Verde ou sua conceituação.


http://www.radarrio20.org.br/index.php?r=conteudo/view&id=12&idmenu=20



15/06/2012 14:20


Economia verde poderia retirar milhões de pessoas da pobreza


Economia Verde, Inclusão social, Desenvolvimento Sustentável

CNO Rio+20
A rede Parceria Pobreza e Ambiente (PEP) apresentou no Riocentro nesta quinta-feira, 14 de junho, o relatório "Construindo uma Economia Verde Inclusiva para Todos". A PEP é composta por uma rede de agências bilaterais de suporte, bancos de desenvolvimento, ONU e ONGs internacionais.

Um das conclusões do documento é que a transição para uma economia verde poderia retirar milhões de pessoas da pobreza e mudar o sustento de muitas das 1,3 bilhão que ganham apenas R$ 2,58 (USD 1,25) por dia no mundo.

Entre os cinco pontos críticos da transição para a economia verde inclusiva está a mudança nos parâmetros para medir o progresso. Peter Hazlewood, diretor do World Resources Institute (WRI), afirma que o PIB (Produto Interno Bruto) precisa ser substituído por um indicador mais abrangente de progresso socioeconômico e que considere o capital natural de cada país.

Para Kitty van der Heijden, embaixadora de desenvolvimento sustentável da Holanda, o relatório une pela primeira vez diferentes mundos em torno do assunto da economia verde. "Finalmente convergimos para algo que faça sentido para todos", disse.

Também estiveram presentes no lançamento do relatório Nick Nuttall, porta-voz do PNUMA e Mustapha Kawal do UNEP.

A publicação foi elaborada pela equipe do Banco de Desenvolvimento Asiático, AusAid Austrália, Ministério dos Assuntos Exteriores da Finlandia, Agência para Cooperação Internacional, Alemanha (GIZ da sigla em alemão), Instituto Internacional para o Meio ambiente e Desenvolvimento, a União Nacional para Conservação da natureza, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Banco Mundial, Conselho Mundial de Negócios para o Desenvolvimento Sustentável e Instituto de Recursos Mundiais.

http://www.rio20.gov.br/sala_de_imprensa/noticias-nacionais1/economia-verde-poderia-retirar-milhoes-de-pessoas-da-pobreza




“O discurso para a Rio+20 vende a ideia de que a solução de todos os problemas está na tecnologia, e não está”

Commpartilhar/Favoritostexto originalmente publicado no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz


Pat Mooney. Crédito: Elevate Festival/Flickr.

Em junho, o Rio de Janeiro vai sediar a Rio+20, conferência que, segundo a ONU, pretende “renovar o compromisso político rumo ao desenvolvimento sustentável”. No entanto, o canadense Pat Mooney, diretor do ETC Group, ONG que monitora novas tecnologias, alerta que a Rio+20 corre o risco de legitimar o desenvolvimento de tecnologias que podem causar enormes impactos sociais, econômicos e ambientais se empregadas indiscriminadamente, incluindo a apropriação dos recursos naturais por grandes corporações e alterações de larga escala nos sistemas naturais da Terra. Mooney, que há 40 anos integra entidades da sociedade civil ligadas ao monitoramento do comércio mundial de alimentos, produtos agrícolas e minérios, fala sobre aquelas que, segundo ele, são as principais tecnologias discutidas nos preparativos da Rio+20: a biologia sintética, a nanotecnologia e a geoengenharia. Segundo ele, empresas como Shell e Syngenta investem pesado nelas, bem como governos de países como os EUA.

Por que se acredita que essas tecnologias podem acabar com nossa dependência de recursos naturais e solucionar o problema climático?

A nanotecnologia permite a manipulação da matéria em escala nanométrica, ou seja, um bilionésimo de metro. Nessa escala, as características dos elementos químicos se alteram: sua condutividade elétrica, sua cor, a forma com que ele reage à pressão atmosférica, etc. Ela oferece a possibilidade de que seja usada muito menos matéria prima para produzir determinados produtos e acredita-se que com ela seja possível tornar determinadas commodities desnecessárias, sendo possível substituir uma por outra. Por exemplo, o giz que é usado nas escolas: manipulado na escala nanométrica, ele fica 100 vezes mais duro que o aço e mais leve. Então, acredita-se que algo barato como o giz poderá ter características que permitam que ele seja usado para construir prédios ou pontes.

A biologia sintética pode ser descrita como o lado biológico da nanotecnologia, pois possibilita a manipulação dos elementos que compõem o DNA dos organismos vivos. O que os investidores estão dizendo é que com o desenvolvimento da biologia sintética será possível criar qualquer tipo de organismo; ela possibilita a criação de uma nova forma de vida, o que, aliás, já foi feito no ano passado por um pesquisador chamado Craig Venter. Com isso acredita-se que seja possível sintetizar micróbios capazes de utilizar biomassa transformá-la em eletricidade, em combustíveis, em comida, no que for. Na teoria, seria possível sintetizar um micróbio capaz de produzir plástico, por exemplo, a partir da celulose presente nos vegetais. A diferença entre essa tecnologia e a engenharia genética, usada na criação dos organismos geneticamente modificados, é que a biologia sintética teoricamente possibilita a síntese do DNA a partir do zero, enquanto a engenharia genética ‘apenas’ transfere um ou mais genes de um organismo para outro. Pesquisas nessa área estão sendo feitas por todo o mundo, inclusive no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, há uma empresa norteamericana chamada Amyris, que tem parcerias com usinas de cana-de-açúcar brasileiras para utilizar a biologia sintética para a produção de melhores biocombustíveis utilizando-se de organismos artificiais.

A geoengenharia é basicamente uma estratégia que engloba várias tecnologias – inclusive biologia sintética e a nanotecnologia – para intervir em larga escala nos oceanos e na atmosfera, e está sendo proposta para lidar com a mudança climática. Os cientistas que estão trabalhando em projetos desse tipo alegam que é impossível reverter as mudanças climáticas a menos que consideremos utilizar a geoengenharia. Isso está sendo proposto de duas maneiras diferentes: uma é diminuir a quantidade de luz solar que chega à Terra, por meio de uma estratégia chamada de gestão da radiação solar. A ideia é bloquear a luz do sol bombardeando a estratosfera com sulfatos, para simular o que acontece quando um vulcão entra em erupção. Alguns pesquisadores alegam que é possível construir enormes ‘tubos’ com cerca de 25 quilômetros de altura, que ficariam espalhados por todo o mundo bombardeando a atmosfera com sulfatos e fazendo com que a temperatura se estabilizasse. A segunda estratégia de geoengenharia é a fertilização oceânica: a proposta é escolher uma parte do oceano que seja pobre em nutrientes, como ferro e uréia, e despejar nanopartículas desses nutrientes para criar uma proliferação de fitoplâncton [conjunto de organismos vegetais aquáticos microscópicos, principalmente algas]. Esse fitoplâncton absorveria o dióxido de carbono na atmosfera e quando morresse afundaria ficaria depositado no solo marítimo. Desde 1993 já foram conduzidos 13 experimentos desse tipo em todo o mundo, financiados principalmente por governos de países como os EUA, Inglaterra e Alemanha. E todos foram um fracasso, mas eles continuam tentando, cada vez gastando mais do que antes.

Quem está investindo nessas tecnologias?

A nanotecnologia já conta com investimentos pesados, principalmente de governos como o dos EUA, Japão, Reino Unido e China. Somados, esses países gastaram em torno de US$ 50 bilhões em pesquisa em nanotecnologia desde 2001, apenas em pesquisa básica. Comparativamente, é mais dinheiro do que foi investido no Projeto Manhattan, que criou a primeira bomba atômica. Inicialmente, a maior parte desses gastos vinha dos governos, mas por volta de 2007 o setor privado começou a superá-los. E os investimentos vêm de empresas da área de energia, mineração, química, informática. Como exemplos de corporações que estão investindo nisso posso citar a Nestlé, a Monsanto, a Syngenta, entre outras. Os investimentos do setor privado em nanotecnologia já andam na casa dos US$ 7 bilhões anuais em pesquisa básica. Também impressiona o nível de investimentos destinados à biologia sintética. As maiores companhias petrolíferas, como Exxon e Shell, investiram maciçamente nessa área. Só a Exxon investiu US$ 600 milhões em uma empresa de biologia sintética no ano passado. O governo dos EUA investiu US$ 1 bilhão em pequenas empresas desse setor em 2010.

Já os gastos com geoengenharia ainda podem ser considerados modestos. Isso pode ser explicado pelo fato de que, no ano passado, a Convenção de Diversidade Biológica das Organizações das Nações Unidas estabeleceu uma moratória sobre os experimentos em geoengenharia que poderiam acarretar consequências que ultrapassassem as fronteiras dos países ou que tivessem efeitos de larga escala. Apenas pequenos experimentos foram permitidos. Essa determinação foi assinada por 193 países. Na verdade, existem duas moratórias contra a geoengenharia: a primeira foi colocada pela ONU em 2008 contra experimentos com fertilização oceânica. No ano seguinte, a Alemanha conduziu experimentos que violaram essa moratória e causou uma onda enorme de protestos, inclusive no próprio país, e desde então eles resolveram parar. Em 2010, essa moratória foi estendida para abranger também a gestão da radiação solar. Mas elas não impedem que os governos tentem fazer experimentos, desde que sejam em pequena escala. Já a biologia sintética e a nanotecnologia não estão submetidas a nenhum tipo de regulação praticamente.

O uso dessas técnicas como solução para os problemas ambientais possui credibilidade no meio acadêmico?

Muita. Se você olhar quem ganhou os últimos prêmios Nobel em física e em química, a maioria desses pesquisadores trabalha com nanotecnologia e biologia sintética. Todas as maiores universidades do mundo estão envolvidas nisso: Oxford, Cambridge, Harvard, MIT, Stanford. E não há debates acerca dos riscos envolvidos nessas tecnologias, há um consenso no meio acadêmico de que elas têm um enorme potencial. Ninguém está discutindo os riscos ambientais e para a saúde envolvidos no uso indiscriminado dessas tecnologias, não há nenhuma regulação. Também acho que há um risco relacionado ao potencial de transformar a economia global, porque não se sabe quem teria o controle sobre essas transformações, quem seria o dono dessas tecnologias. A Academia Nacional de Ciências dos EUA, a Sociedade Real no Reino Unido e outras instituições alemãs já produziram relatórios a respeito da geoengenharia. Todas dizem a mesma coisa: é extremamente perigoso e é um último recurso, mas devem ser feitos experimentos porque há a possibilidade de que não se consiga encontrar outra solução.

O sr. afirma que a proposta de utilizar essas tecnologias obedece a critérios políticos, e não científicos. O que quer dizer com isso?

Há uma suposição de que é possível usar a geoengenharia de maneira segura. Só que no momento que você a propõe como solução, os políticos podem alegar que não é preciso reduzir nossa emissão de gases causadores de efeito estufa e transformar nossas economias. Basta jogar sulfatos na estratosfera ou fertilizar a superfície dos oceanos que tudo ficará bem. No momento em que se diz que a geoengenharia é aceitável, ela deixa de ser uma questão científica e se torna uma questão política. E não dá para acreditar que os mesmos políticos que não tiveram coragem para tratar da questão climática até agora terão a integridade e a inteligência para utilizar a geoengenharia de maneira segura. E isso é verdade também para a biologia sintética e a nanotecnologia. Não há capacidade em nível global – como, por exemplo, dentro da ONU – para monitorar e avaliar novas tecnologias.

No caso da nanotecnologia, devido ao tamanho reduzido das partículas e ao fato de que as características dos materiais mudam muito, é necessário uma regulação especial, e os governos não têm implementado isso. Fui conversar com agências reguladoras nos EUA e na Europa e todas dizem que não têm como exercer maior regulação sobre a nanotecnologia e a biologia sintética até que haja um grande acidente envolvendo uma das duas. Os governos já investiram demais nessas tecnologias para desistir agora. Os reguladores sabem que estão de mãos atadas porque essa é uma questão política.

Isso viola o princípio da precaução, uma das principais conquistas da Rio 92, que diz que se não se sabe ao certo se uma tecnologia é segura, a precaução sugere que ela não seja usada até que se saiba mais. Só que, em 1993, os dois órgãos da ONU que tinham alguma competência para avaliar novas tecnologias foram praticamente ou completamente dissolvidos: a Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, que ocupava um prédio inteiro em Nova York, perdeu tantos recursos que hoje não passa de duas pessoas em uma sala no prédio das Nações Unidas em Genebra. Também em 1993 houve a dissolução da Comissão sobre as Empresas Transnacionais, que era o único órgão da ONU que monitorava o setor privado em nível global e as transferências de tecnologias entre empresas privadas. Essa teve seu orçamento cortado pelo governo dos EUA.

E quais os impactos envolvidos no emprego dessas tecnologias?

Com relação à nanotecnologia, uma grande preocupação é com as patentes que estão sendo concedidas, que de certa forma estão privatizando os elementos da tabela periódica. Por exemplo, você pode obter uma patente que se aplique a um fio produzido por meio de nanotecnologia a partir de qualquer um entre 33 elementos. Isso é como ser dono de um terço da tabela periódica. Ou então você obtém uma patente que diz que determinado produto usado na indústria eletrônica também se aplica à indústria farmacêutica, automobilística e assim por diante. Estamos falando de manipulação no nível mais básico da natureza e há grande possibilidade de que uma empresa monopolize um enorme pedaço da produção industrial.

Hoje é possível encontrar no mercado milhares de produtos que de alguma forma se utilizam da nanotecnologia. Filtros solares, cosméticos, roupas e outros produtos já usam nanopartículas. Mas há uma dificuldade na regulação porque as nanopartículas que estão sendo usadas são de materiais que historicamente eram usados na elaboração desses produtos. Um exemplo: hoje já é possível comprar filtros solares com nanopartículas de óxido de zinco em sua formulação, que são compostos que sempre foram usados, só que sem a utilização da nanotecnologia. Então os governos não exigem que as empresas refaçam os testes e nem regulam de maneira diferente. Mas quando você usa nanopartículas de um material ele se comporta de maneira completamente diferente. Particularmente, o óxido de zinco pode passar através da pele e ir parar nos nossos órgãos, e ninguém sabe ao certo os riscos que isso acarreta. Apenas nos últimos oito anos começaram a aparecer pesquisas que tentavam analisar o que acontece quando as nanopartículas penetram no organismo ou no meio ambiente. Todas elas dizem que há risco envolvido nisso e que é preciso fazer mais pesquisas.

Com a biologia sintética, se é verdade que um dia será possível fazer o que eles alegam, ou seja, manipular o DNA para ‘construir’ qualquer coisa em laboratório a partir de biomassa, provavelmente o que aconteceria é que as pessoas famintas de todo o mundo teriam que competir com a indústria pela terra para produzir biomassa. Eu sempre ouço de investidores de risco que apenas 23,8% de toda a produção terrestre anual de biomassa do planeta está inserida no mercado global de commodities, o que significa que 76,2% não foi convertido em valores monetários. Para esses investidores, essa produção não está ‘sendo usada’, mas na verdade elas desempenham funções importantes no equilíbrio dos ecossistemas, ou então servem como áreas de pastoreio e cultivo para populações tradicionais, por exemplo. Mas não estão no mercado, e o objetivo é encontrar uma forma de lucrar com isso.

Outro risco é a liberação no meio ambiente de organismos que não existem na natureza. É provável que quase todos sejam incapazes de sobreviver fora do laboratório, mas pode ser que consigam. É impossível prever a velocidade com que eles seriam capazes de sofrer mutações ou desenvolver a capacidade de se reproduzir e dar origem a algo novo. O que nós sabemos é que os laboratórios, por mais seguros que sejam, não garantem que esses organismos fiquem confinados. Tome-se o exemplo do vírus da febre aftosa. Nos últimos dez anos, houve 15 casos em que ele escapou de laboratórios pertencentes ao governo em todo o mundo.

Já a geoengenharia ainda é muito teórica. Em princípio, ela funciona, haja vista que a humanidade, depois da Revolução Industrial, foi capaz de causar modificações climáticas que nos levaram à crise atual. O que está sendo defendido agora é que não há escolha a não ser transformar o planeta uma segunda vez e tentar reverter esse quadro. O que preocupa é que essas técnicas podem ser bem desleixadas. Simplesmente lançar sulfatos na estratosfera pode ser extraordinariamente perigoso. Por exemplo, se isso fosse feito na zona temperada, poderia causar efeitos indesejados sobre as chuvas de monção, que deixariam de passar por sobre a Ásia e passariam sobre o oceano. O impacto disso seria uma enorme seca em alguns países. Nós não sabemos o suficiente sobre os fenômenos climáticos do planeta para conseguir utilizar a geoengenharia de maneira segura. Mesmo aqueles que endossam a geoengenharia dizem que ela é extremamente arriscada. A certeza é que haverá um grande impacto. Mas não se sabe ainda como a geoengenharia afetaria o regime de ventos, as correntes oceânicas, a quantidade de chuva, e isso pode ter um impacto enorme ao determinar o que pode ou não ser cultivado em determinados lugares e quem pode ou não habitar determinadas regiões.

Qual é a relação entre essas tecnologias e a Rio+20?

Os países do Norte estão pressionando pela adoção, na Rio+20, da ideia de que a melhor maneira para sair da crise é a economia verde, em que a biologia sintética e a nanotecnologia desempenhariam um papel central. O que eles querem é o reconhecimento de que uma nova economia baseada nessas tecnologias é ‘limpa’, é ‘verde’. A Rio+20 será praticamente uma campanha por parte da Europa e América do Norte para tentar convencer o mundo de que essa é a solução para os nossos problemas. Eu estive no Brasil na época em que se falava da Teologia da Libertação, que defendia a participação da sociedade, dos movimentos sociais na busca por soluções para os problemas. O discurso agora para a Rio+20 é o da Tecnologia da Libertação, que advoga que a ciência e a tecnologia controladas pela indústria podem ‘tomar conta’ do planeta. Vende-se a ideia de que a solução de todos os problemas está na tecnologia, e não está.

E que análise o sr. faz do discurso da economia verde?

O discurso ambiental está sendo usado como uma oportunidade de criar novos mercados, com a financeirização da natureza. O sentimento por parte de alguns governos europeus é de que, com a crise, eles não têm dinheiro para preservar a natureza. Eles defendem que se há uma maneira de ganhar dinheiro preservando os ecossistemas, isso tornará a preservação ambiental atrativa, para que a natureza seja utilizada no mercado de compensação por emissões de carbono, por exemplo. Essa financeirização é vista como solução, mas ela está na origem da própria crise que estamos enfrentando. Tome-se o sistema de hipotecas do mercado imobiliário, que é um instrumento financeiro usado há séculos: pensava-se que os governos sabiam regular esse mercado e que a indústria sabia operá-lo, isso até 2007. Esse sistema deu origem a uma crise pela qual estamos pagando até hoje. E agora estão tentando nos convencer de que as mesmas pessoas que ‘desarrumaram’ nossa casa devem ter permissão para cuidar do jardim. E isso é ridículo. Enquanto estão ocupando Wall Street – e eu acho ótimo que estejam – Wall Street está tentando ocupar nossas florestas, nossos campos, nossa água e nossa atmosfera. E não podemos permitir que isso seja feito.

Mas você se diz otimista com relação a Rio+20. Por quê?

Porque os governos se prepararam mal para a Rio+20 e há muita controvérsia entre países do Norte e do Sul a respeito da economia verde. Acho que a sociedade civil pode desempenhar um papel significativo na Conferência, pela própria desorganização dos governos. Podemos chamar a atenção do mundo para a falsidade da economia verde, que é apenas retórica, não significa nada. Precisamos alertar para o perigo da geoengenharia. Nenhum país ou grupo de países do mundo tem o direito de se apoderar do termostato do planeta. Nós queremos um acordo entre os países de que a geoengenharia é muito perigosa para ser levada a cabo, e há uma boa chance de conseguirmos. Eu acho que também podemos obter na Rio+20 um entendimento mais amplo da biologia sintética e da nanotecnologia, de modo que a ONU, no mínimo, chegue à conclusão de que é preciso restabelecer um sistema de avaliação de tecnologias que seja transparente, que possibilite que todos nós possamos acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias desde o laboratório até o mercado, e que possamos interferir. E o mais importante é chamar a atenção da sociedade civil, porque nenhum acordo ou tratado entre países vale alguma coisa se a sociedade não estiver atenta. Mas também pode ser que a Rio+20 se torne um grande evento em que se chegue a um consenso entre os países, como se todos dissessem: ‘agora sim nós aprendemos com os erros do passado, agora entendemos o que precisamos fazer para implantar o desenvolvimento sustentável que foi proposto na Rio 92, ou seja, implantar uma ‘economia verde’ por meio do incentivo à novas tecnologias ‘limpas’”.



http://www.ibase.br/pt/2012/01/o-discurso-para-a-rio20-vende-a-ideia-de-que-a-solucao-de-todos-os-problemas-esta-na-tecnologia-e-nao-esta/


RIO+20, UM GUIA: Os objetivos, as discussões e as apostas da conferência

Por Sávio de Tarso

EM TESE, A CONFERÊNCIA Rio+20 deveria servir como mais um passo para definir a face do futuro da humanidade. Há alguns consensos globais em relação à degradação ambiental e à necessidade de redução das desigualdades. Concordâncias no atacado, mas muitas dúvidas no varejo. Desde que a conferência foi proposta pelo ex-presidente Lula, durante a abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2007, iniciou-se uma infindável série de consultas para fechar uma agenda capaz de contemplar os interesses de quase duas centenas de países participantes. Dois eixos foram definidos pela ONU para os debates no Rio de Janeiro: "A Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e da Erradicação da Pobreza" e "Governança Global para o Desenvolvimento Sustentável".

A chamada economia verde é alvo de polêmica, enquanto propõe aplicar tecnologias para reduzir as emissões de carbono com a criação de empregos decentes e inclusão social, o conceito poderia servir como maquiagem para uma reforma superficial do atual modelo econômico, sem alterar substancialmente as atuais regras de mercado, sujeitas a crises periódicas e que perpetuam desigualdades.

No outro vértice está a governança global, que, diferentemente do que acontecia em 1992, encontra um campo mais fértil nos governos que atuam fortemente para superar crises originadas pelo excesso de desregulamentação dos mercados e diminuição do papel do Estado.

Desta vez, a sociedade civil terá maior participação nos debates

A Rio+20 conta com instrumentos novos para o debate e implantação de modelos de gestão para as mudanças de rumo necessárias, tanto na economia quanto na governança. O principal documento a ser publicado ao final da conferência, sob o expressivo título O Futuro Que Queremos, será uma declaração de intenções de quase duas centenas de chefes de Estado e de governos. Não será um tratado global com força de lei, mas uma nova bússola para o desenvolvimento da economia e da governança global. A novidade é que o documento estará na internet, em dezenas de idiomas e sendo discutido, criticado e apoiado por bilhões de seres humanos. Algo impensável em 1992.

A inexistência de um acordo forte não autoriza uma avaliação antecipada que aponte o fracasso da Rio+20. Secretário (com status de ministro) do Meio Ambiente durante a Rio 92, o professor José Goldemberg lembra que naquela conferência foi feito um grande esforço para adotar medidas mandatórias. "Um ponto muito bom foi a adoção da Agenda 21, que tem caráter parecido com o da Rio+20. É um conjunto de exortações e de propostas. Não tem metas, simplesmente delineia caminhos. A Agenda 21 não foi aprovada em 1992, os governos não votaram. Ela tornou-se um compromisso voluntário, mas curiosamente milhares de prefeitos, em todo o mundo, acabaram adotando muitas daquelas medidas e avançaram em direção à sustentabilidade", lembra o ex-ministro.

Sem mandato para voos mais ambiciosos, a Rio+20 deve gerar uma "Plataforma de Compromissos" voluntários de governos, empresas e organizações sociais, um conjunto de "Recomendações da Sociedade Civil" como resultado dos Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável e, finalmente, a declaração dos chefes de Estado e de governo: O Futuro Que Queremos.

Uma inovação do governo brasileiro foi a criação de quatro dias de "Diálogos", que devem atrair ao Riocentro até 50 mil participantes - de organizações não governamentais, empresas e movimentos sociais do mundo todo - para "gerar propostas de como a sustentabilidade pode ser aplicada a uma série de questões", de segurança alimentar a migrações, passando pelo complexo tema da produção e do consumo sustentáveis. Os diálogos acontecem entre 16 e 19 de junho, encravados entre a Prepcon, conferência preparatória que de 13 a 15 reúne a alta diplomacia internacional para dar contornos finais ao documento O Futuro Que Queremos, e a cúpula de governantes propriamente dita, entre 20 e 22.

"Pela primeira vez estamos promovendo um diálogo da sociedade civil com os chefes de governo e de Estado a partir de uma pauta específica", comemora a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. "Antes você ficava com o chefe de Estado num mundo à parte, encastelado. Agora não. Estamos colocando no cenário político o setor produtivo e a sociedade civil, mulheres, negros, todos os movimentos sociais, para debater temas estratégicos da agenda mundial.

A mais espessa das nuvens de interesses que separa os dois mundos, sociedade e governos, resume-se a uma questão simples para os céticos da economia verde: Quem vai pagar a conta? Ao fim da rodada extra de negociações, que ocorreu de 29 de maio a 2 de junho, em Nova York, para refinar a declaração dos governantes, o secretário-geral da Rio+20, Sha Zukang, disse existir a expectativa de que os países desenvolvidos "avancem mais rapidamente para mudar os padrões de consumo insustentáveis" e "cumpram a promessa de ajuda ao desenvolvimento".

Era uma referência ao fato de que os 129 bilhões de dólares doados pelos países ricos, em 2010, representam menos da metade dos 0,7% do PIB que, em setembro de 2000, eles aceitaram oferecer anualmente às agências da ONU para ajudar os mais pobres a atingir em 2015 os Objetivos do Milênio (ODM), um conjunto de oito metas que devem ser alcançadas para melhorar a qualidade de vida das populações mais carentes. Já os países em desenvolvimento, segundo o diplomata chinês, "precisam evitar o modelo de crescimento convencional, baseado no uso intensivo de recursos naturais".

A avaliação de Zukang indica que a Rio+20 é, em essência, uma conferência que pretende estabelecer rumos para o desenvolvimento sustentável no médio e longo prazo, a despeito da urgência imposta pela confluência de crises, a ambiental, a financeira e a social. No curto prazo, os líderes dos países ricos estarão frente a frente, nos dias 18 e 19, com os governantes das oito maiores nações emergentes na reunião do G-20.

Evidentemente terão impacto na cúpula do Rio as decisões desse encontro, que acontece no México. Se a economia verde pode oferecer instrumentos para a sonhada mudança estrutural da economia global, uma fresta se abrirá nesta data, quando a maior parte dos chefes de Estado e de governo voará de Los Cabos, na Califórnia mexicana, para debater o Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro.

O embate continua o mesmo: quem vai pagar a conta da transição?

A diplomacia brasileira aposta que a anunciada ausência do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a da chanceler alemã, Angela Merkel, será amplamente compensada pela presença maciça dos emergentes - o grupo de países que mais cresceram e transformaram a economia global nas duas décadas recentes. Em consequência dessa transformação, o Brasil teria 7% dos empregos formais gerados por ernpreendimentos "verdes", de acordo com estudo publicado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) em colaboração com a Organização Internacional do Trabalho. O estudo defende que uma economia mais verde gera mais empregos.

Uma forma de facilitar o engajamento da sociedade global nos esforços para construir uma economia verde pode ser a adoção de uma proposta tomada pelo governo da Colômbia, o estabelecimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que, a exemplo dos Objetivos do Milênio, seriam compromissos com metas, prazos e resultados definidos. Mas a crise financeira global e a diversidade de estágios das economias nacionais são barreiras que impedem os representantes de mais de 190 países chegar a um consenso, a desgastante fórmula de negociação de tratados internacionais adotada pelas Nações Unidas. O que se espera agora, mais modestamente, é uma declaração de princípios, com prazo para negociação de metas até 2015.

Seja qual for o nível de ambição dos consensos pactuados para a implantação da economia verde com inclusão social, a governança global para o desenvolvimento sustentável também passará por uma revisão. Uma das opções em estudo, considerada modesta, mas apoiada abertamente pelo governo brasileiro, é melhorar o status do Pnuma, que hoje funciona à mercê das doações (às vezes "carimbadas" para financiar atividades específicas) de um grupo reduzido de 58 países. O programa seria transformado numa agência com mandato semelhante ao da Organização Mundial do Comércio para negociar políticas e impor sanções.

Com tantas implicações políticas e econômicas de gravidade extrema, é mais provável que surja na conferência uma proposta de criação de um Conselho do Desenvolvimento Sustentável, com suporte político da Assembleia Geral das Nações Unidas, com autonomia na formulação de diretrizes para a economia verde.

Outro tema que desperta paixões e vai emergir na Rio+20 é a substituição do conceito de Produto Interno Bruto (PIB) para medir a atividade econômica. "Você destrói uma floresta inteira, mas como existe atividade e um produto gerado, isso vai aumentar o PIB. Isso é certo?", pergunta o ex-ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, ao defender o estabelecimento de uma nova métrica. "É fundamental substituir o PIB por um indicador de desenvolvimento sustentável, que além do crescimento econômico tenha indicadores de redução da pobreza e outros que sirvam para quantificar o passivo ambiental que você acaba produzindo no curso do desenvolvimento.

Outro defensor da tese de que o PIB não pode mais ser um indicador de sucesso é o economista Ladislau Dowbor, que faz uma conta simples: "Produzimos no mundo 2 bilhões de toneladas de grãos, o que equivale a 800 gramas por pessoa por dia, sem falar de outros alimentos. Se dividirmos os 63 trilhões de dólares do PIB mundial pelos 7 bilhões de habitantes da Terra, são 5,4 mil dólares por mês por família de quatro pessoas". Para ele, a medida do sucesso deveria ser justamente a capacidade de se oferecer condições dignas e qualidade de vida para todos os habitantes da Terra. E lembra: "Essa conta foi feita para os atuais 7 bilhões de seres humanos, mas em 2050 devemos ser 9bilhões".

Por trás de todo o debate às vésperas da Rio+20, na fronteira do conceito de economia verde encontra-se o paradoxo entre os limites de um planeta finito e as possibilidades de superação das crises que a inovação tecnológica proporciona. "Até hoje, todas as previsões de catástrofes iminentes ou quase iminentes foram superadas por revoluções tecnológicas", pondera Goldemberg. "Um dos problemas mais agudos, o do suprimento de energia limpa, seguramente tem solução porque há uma fonte inesgotável, o Sol. Nós a estamos usando apenas parcialmente, com a eólica e as células fotovoltaicas, que são energias solares."

Goldemberg alerta, no entanto: "As revoluções tecnológicas não resolvem o problema da equidade, o problema de atender às necessidades dos mais pobres sem provocar a reação adversa dos mais ricos". Talvez seja esse o sintoma mais agudo de decadência de um sistema, que o também físico Fritjof Capra identificou como ponto de mutação para uma nova ordem na sociedade humana.


08/06/2012
Fonte: Revista Carta Capital