quarta-feira, 21 de julho de 2010

PODER DO ESTADO E DIREITOS DO CIDADÃO: OS LIMITES DA LIBERDADE

TEXTO 1


Artigos
Quarta, 21 de Julho de 2010 00h15
MARINA VANESSA GOMES CAEIRO: ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP sob Nº 221.435, PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS.


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A nova Lei do Divórcio

» Marina Vanessa Gomes Caeiro


Co-autor: LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON - Advogado. Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil junto a Faculdade Damásio de Jesus.



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Fora publicada nesta última quarta-feira, 14 de julho de 2010, no Diário Oficial do Congresso Nacional, a alteração na lei constitucional de família no que tange a matéria do Divórcio.

De proêmio, para agilizar o processo de divórcio consensual já está em vigor a nova lei de Divórcio.

Nessa seara de pensamento, casais que queiram se divorciar já encontram-se liberados do cumprimento prévio da separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos munidos de duas testemunhas, como previa expressamente o artigo 226, parágrafo 6º da Constituição Federal de 1988.

O texto de sua redação original rezava, in verbis: “§ 6º: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei”.

A Emenda Constitucional, em análise, suprimiu a expressão “na forma da lei”, constante na parte final do dispositivo constitucional.

As regras positivadas já encontram em plena vigência, irradiando seus efeitos supremos aos casais que concordarem indubitavelmente com a instituição jurídica do divórcio e desde que não possuam filhos menores de idade.

A lei vigente em fulcro, do divórcio no ordenamento jurídico pátrio, apresenta dois requisitos basilares e fundamentais, quais sejam: a) extingue a separação judicial; e b) extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial.

Atentemos sobre ambos aspectos separadamente, para uma absoluta compreensão do tema inédito e inovador, ora proposto.

Pedra angular que nos norteia em relação ao divórcio, há que se falar e sacramentar o rompimento do próprio vínculo matrimonial na sua mais pura concepção analítica, permitindo-se, de plano, novo casamento.

Com o advento da Emenda Constitucional sub judice, as pessoas judicialmente separadas, por meio de sentença proferida por juiz devidamente competente e investido de suas funções jurisdicionais ou ainda, por escritura pública lavrada em Cartório, não se tornam imediatamente divorciadas, exigindo-se-lhes o pleito perante um juízo competente para a decretação do divórcio já que não haveria mais a necessidade de cômputo de qualquer lapso temporal. Respeitando-se, desse modo, o tão consagrado e almejado ato jurídico perfeito (art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil).

Neste diapasão, dita-se ainda que, as pessoas já separadas judicialmente sob o efeito do trânsito em julgado, quando da entrada em vigor da Emenda Constitucional sub judice, não terão convertidas de plano sua situação jurídica em divórcio. Em paralelo, afirma-se que aquelas cujo processo de separação esteja em curso, terão a oportunidade de adaptarem o seu pedido ao novo sistema constitucional inaugurado pela nova Lei do Divórcio.

Sintetizando, importante dizer que com a promulgação da nova Emenda Constitucional, mostra-se suficiente do ponto de vista probatório, instruir o pedido de divórcio tão somente com a certidão de casamento dos nubentes; não havendo mais que se falar, em lapso temporal acerca separação fática do casal, porém sendo indispensável a presença de testemunhas para sacramentar o ato.

Assimetricamente, passa-se a vigora plenamente em nossa legislação constitucional pátria, o Princípio da Ruptura do Afeto como primordial sustentáculo para o instituto jurídico da nova Lei do Divórcio.

Neste diapasão indaga-se, se é plausível não existir um lapso temporal mínimo de reflexão para que os cônjuges amadureçam o pedido de extinção perpétua do vínculo matrimonial?

Nessa mesma esteira de pensamento, pergunta-se, ainda, se seria plausível a solução da Emenda Constitucional, ora em fulcro, no sentido de considerar o divórcio como o simples exercício de um direito potestativo e não-condicionado?

O sustentáculo de fundamentação de tal tema emblemático, se pensado prematuramente, concluir-se-à pelo descompasso da Emenda Constitucional em análise, uma vez que não se afiguraria justo admitir-se o divórcio sem que se fixasse um período mínimo de separação de fato, dentro do qual o casal pudesse refletir serenamente acerca da decisão de ruptura do tão sagrado vínculo matrimonial.

Mas, neste ponto, inevitável seria a elucidação sobre questão reflexa: seria dever do Estado estabelecer um prazo de reflexão para os nubentes em Estado iminente Divórcio? Seria de competência da autoridade Estatal invadir a tal ponto a esfera volitiva das partes, em flagrante violação ao Princípio da Intervenção Mínima do Direito Constitucional de Família?

Diante do exposto, assevera-se correto o norte oferecido pela Emenda Constitucional em estudo, pois, como dito, a decisão de divórcio insere-se em uma seara personalíssima, de penetração vedada por parte do Estado Democrático de Direito, ao qual não cabe determinar nenhuma esfera de lapso temporal acerca de qualquer tipo de reflexão do casal em processo de desapego.

Exponencialmente relevante constar, o esforço aqui demonstrado, no sentido de passar em revista alguns aspectos fundamentais da suso mencionada Emenda Constitucional do Divórcio, a qual denomina-se, Lei do Divórcio, onde fundamentalmente, guia-se pela provável supressão do instituto da separação judicial pátrio, tornando-se sem razão de ser a existência legal do prazo concernente a separação de fato para a concessão do divórcio.

Outrossim, nessa mesma seara de pensamento, o instituto jurídico do divórcio converter-se-á na única medida de extinção do vínculo matrimonial, banindo-se inexoravelmente a dualidade tipológica em divórcio direto e indireto, dado o esvaziamento prático do instituto em voga.

Consectário lógico do pensamento acima referido, outra conclusão não se mostra, que não a existência única do divórcio, afigurando-se como um direito potestativo e não-condicionado que possui por fim precípuo a extinção do vínculo matrimonial.

Diante de todo o exposto, temos que a nova Emenda Constitucional abarca, uma perspectiva socioafetiva e eudemonista do Direito Constitucional de Família, para permitir que os integrantes de uma relação frustrada possam partir para outros projetos de vida galgando em busca da tão almejada felicidade.

Conclui-se que, não constitui finalidade precípua do Estado Democrático de Direito, criar óbices indesejados ou procedimentos burocráticos na eterna busca da felicidade a que se predispõe todo ser humano em sua jornada terrena.

Por fim, destarte, clama-se pelo não intervencionismo do Estado, em questões personalíssimas atinentes ao matrimônio de per si. Deve-se evidentemente, deixar que as relações envoltas pelo afeto, sejam solucionadas pelas pessoas envolvidas e jamais por leis de cunho eminentemente Estatal.


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AUTORES COLABORADORES: MARINA VANESSA GOMES CAEIRO


LUÍS FERNANDO RIBAS CECCON





http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.27626



TEXTO 2


Divórcio Direto no Brasil: Direito de escolha e
responsabilidade


Extraído de: Instituto Brasileiro de Direito de Família - 08 de Julho de 2010


Em breve, o divórcio direto pode vir a ser uma realidade no Brasil. Instituído na legislação brasileira em 1997, o divórcio era permitido, mas com restrições. Era preciso cumprir um mês de seperação judicial ou dois anos de separação de fato para que fosse concedido.

Lei que agiliza o divórcio é aprovada em último turno...

Divórcio direto no Brasil

Artigo - Divórcio Responsável - Por Rodrigo da Cu...

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Caso seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 28/99), sugerida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) em tramitação do Senado, será atualizado o artigo 226 da Constituição da Republica Federativa do Brasil, suprimindo tais exigências.

Alem de redução de tempo e custo - e de maior autonomia para os interessados - o divórcio direto traz como benefício adicional a redução de conflitos e litígios das partes nos tribunais. Como avanço social e político, a redução interferência do Estado na vida privada, e o encolhimento da Igreja em assuntos de Estado. É o que nos propõe o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM.

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Por que defender o divórcio direto no Brasil?

Primeiramente, pelas vantagens que oferece àqueles que desejam se divorciar, e que podem ser percebidas, na prática. Os interessados não precisam mais cumprir um ano de separação judicial ou dois de separação de fato. Ao se eliminar o requisito da separação judicial, os interessados podem ingressar com apenas uma ação, reduzindo custos, desonerando o judiciário, e desempedindo as pessoas, mais rapidamente, para constituírem novas famílias . Mas há ainda outros ganhos, subjetivos, políticos e sociais, que devem ser considerados.

Quais seriam os ganhos sociais?


A redução da interferência do Estado na vida privada é uma grande conquista da sociedade brasileira. Não cabe ao Estado, neste caso, sob a forma de uma legislação contaminada por valores morais e religiosos, determinar às pessoas, adultas, quanto tempo devem demorar para se divorciar. Era uma pressão para a manutenção de um antigo modelo familiar, superado, inclusive, pela própria Constituição brasileira, que já prevê outros modelos familiares, como as uniões estáveis (sem a formalidade do matrimônio) e as famílias monoparentais, constituídas por um dos genitores e seus filhos. Alem disso, outras leis, como a da guarda compartilhada, já admitia como realidade o fenômeno das famílias recompostas ou reconstituídas. Ou seja, aquelas formadas por pessoas vindas de outros relacionamentos, que estabelecem um novo núcleo familiar - com ou sem filhos de um ou dos dois genitores, ou de filhos em comum.

O divórcio direto não contribuiria para a falência das famílias brasileiras, justamente em um momento em que a sociedade apresenta uma série de sintomas de desestruturação familiar - incluindo a violência de jovens?

Devem se tranqüilizar aqueles que temem que este foi um passo a mais para destruir e desorganizar as famílias. A família é indestrutível. Ela foi, é, e continuará sendo o núcleo básico e essencial da formação e estruturação dos sujeitos, e, consequentemente, do Estado. O divórcio não é o fim da família. Ele apenas transforma a família nuclear em binuclear, ou seja, permite a formação de novas famílias mais livres e mais felizes.

Mas o divórcio direto não pode ser um estímulo para as separações, na medida em que fica cada vez mais fácil romper os vínculos matrimoniais?

Ninguém escolhe o casamento ou a separação em virtude de leis. Já havia a possibilidade do divórcio no Brasil, embora com restrições que apenas dificultavam e encareciam os procedimentos. Além disso, o que importa não é a manutenção de vínculos, muitas vezes beligerantes, mas, sim a possibilidade de constituição de famílias que permitam uma vida em harmonia. O critério, segundo estabelece o Estatuto das Crianças e dos Adolescentes (ECA)é o melhor interesse das crianças e adolescentes, que devem ser atendidos em suas necessidades materiais e afetivas. Importante ressaltar que ninguém está isento dessas responsabilidades só porque se separa, se divorcia ou constitui novas famílias. A autoridade parental é uma responsabilidade dos pais ou guardiões, atribuída pela constituição brasileira.

Os filhos não são os primeiros a sofrer com o divórcio?

Essa mudança traz consigo a superação de antigas concepções, como a que predominava em relação às conseqüências do divórcio para os filhos. Isto é, filhos de pais divorciados não são necessariamente problemáticos. Na verdade, problemáticos são os filhos de pais que litigam. Essa Lei põe fim aos argumentos que sustentam a briga pela causa da dissolução do casamento

Mas como o divórcio direto pode contribuir para a redução das brigas entre os cônjuges, especialmente no ato da dissolucão do casamento?

A facilitação do divórcio desestimulará os conflitos, os eternos e tenebrosos litígios judiciais, na medida em que não haverá mais necessidade de se discutir a culpa pelo fim de casamento, um dos maiores sinais de atraso do ordenamento jurídico brasileiro. Em segundo lugar, implicará mais responsabilidade das pessoas pelas suas escolhas afetivas, na medida em que não haverá mais o controle do Estado sobre o tempo de duração da intimidade, do desejo e do amor entre um casal.

Como o senhor avalia a votação, pelo Legislativo? Há certo amadurecimento da sociedade quanto à necessidade de os pares afetivos assumirem suas responsabilidades, sem a intervenção do Estado?

A aprovação da Emenda Constitucional alterando as regras básicas para o divórcio significa uma revolução paradigmática para o Direito de Família brasileiro. Em 1977, quando foi introduzido o divórcio no Brasil, houve uma vitória do princípio da liberdade sobre o princípio da indissolubilidade do casamento. Após mais de três décadas, a mudança constitucional proposta pelo IBDFAM através de dois projetos de Lei - que, por questões de tramitação, apresentam o mesmo teor - significa a vitória do princípio da responsabilidade. Com a facilitação do divórcio, as pessoas deixarão de ser tuteladas pelo Estado, que impõe prazos e regras, e terão uma responsabilidade maior com a manutenção, ou não, do vínculo do seu casamento. Isto está diretamente ligado à tendência mais contemporânea do Direito Civil, que é a autonomia privada, ou seja, o princípio da menor intervenção do Estado na vida privada das pessoas.

A redução da intervenção do Estado na vida privada seria um sinal de que os indivíduos querem assumir a responsabilidade por suas escolhas?

Uma das grandes questões do Direito de Família na atualidade é exatamente esta: qual é o limite da intervenção do Estado na vida privada das pessoas? Mas não é apenas no campo do Direito de Família que esta questão está posta. Ela é uma das grandes questões do Direito Civil. A autonomia privada é uma tendência nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e está ligada não apenas à responsabilidade e responsabilização dos sujeitos, mas também à democracia e cidadania.

Até que ponto o Judiciário pode contribuir para que os indivíduos ocupem a posição de sujeito e assumam as suas responsabilidades?

Uma nova ética para os operadores do Direito é não se permitirem ser instrumentos de "gozo" com as demandas judiciais. Refiro-me a um termo psicanalítico que, resumidamente falando, significa estacionar em um ponto de prazer, ainda que pela via do sofrimento. Não estaremos ajudando, ou contribuindo para a felicidade de nossos clientes, se incentivarmos, ou sustentarmos o litígio a qualquer custo. Os restos do amor que são levados ao judiciário, geralmente, significam uma perpetuação da relação através da briga. É preciso cortar este jogo perverso que alimenta a degradação do outro. O judiciário, de certa forma, sempre sustentou este "gozo com o sofrimento", na medida em que acredita, e procura um culpado pelo fim dos relacionamentos, por exemplo. É preciso substituir o discurso da culpa, que é paralisante do sujeito, pelo discurso da responsabilidade, que ajuda a construir e dar autonomia às pessoas, para que elas possam ser sujeitos da própria vida. O outro não pode ser culpado pela minha infelicidade. Se o outro me fez infeliz é porque fui eu mesmo quem permitiu.

De que modo os operadores de Direito devem se preparar para abandonar o conceito (moral) de culpa para adotarem o princípio (ético) da responsabilidade?

O judiciário é o lugar onde as partes depositam os seus restos, os restos do amor. A incapacidade de resolver os próprios conflitos transfere para um terceiro esta responsabilidade. Mas o litígio significa, muitas vezes, uma forma de não se separarem, já que as partes ficam ali unidas pelo ódio, que, aliás, une muito mais do que o amor. O processo judicial é a materialização da realidade subjetiva das partes ali envolvidas, que transferem para um "Grande-Outro" (o juiz) a responsabilidade de dizer quem tem razão. Neste sentido, a sentença judicial tem a importante função de dizer "pare de gozar". Esses longos e tenebrosos processos judiciais poderiam ser evitados se as pessoas se responsabilizassem mais pelas suas escolhas e atentassem mais pela subjetividade que atravessa toda a trama dos processos litigiosos. Atualmente, uma ótima e necessária técnica de dirimir conflitos tem sido a mediação, que está afinada com o discurso da responsabilidade, uma vez que o que ela tenta fazer é implicar os sujeitos com as suas próprias questões. A mediação, inclusive, deveria ser usada não apenas paralelamente ao judiciário, mas principalmente na "ante-sala" do judiciário, não apenas como eficaz técnica de ajudar a dirimir conflitos, mas principalmente como uma alternativa ao caótico assoberbado poder judiciário.

Autor: Ascom IBDFAM



http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2273672/divorcio-direto-no-brasil-direito-de-escolha-e-responsabilidade



TEXTO 3



FAMÍLIA, DIREITOS HUMANOS, PSICANÁLISE E INCLUSÃO SOCIAL

Sumário:

1. Introdução: a família pela ótica dos direitos humanos
2. As novas concepções da família e a interdisciplinariedade: psicanálise e direito
3. A família como estrutura: revisitando o artigo 16 da Declaração dos Direitos Humanos
4. Dois grandes desafios: limites de intervenção do estado na vida privada e a subjetividade na objetividade jurídica
5. Concluindo: toda demanda é uma demanda de amor
6. Bibliografia.


1 INTRODUÇÃO: A FAMÍLIA PELA ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS

A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo. Certamente essas mudanças têm suas raízes históricas atreladas à Revolução Industrial, com a redivisão sexual do trabalho, e à Revolução Francesa, com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um “declínio do patriarcalismo” e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as constituições democráticas. Em outras palavras, todos os países que pretendem ter uma Constituição democrática têm, necessariamente, que trazer em seus princípios a dignidade da pessoa humana, sustentáculo dos Direitos Humanos, afinal declarados e reconhecidos pela Assembléia da Organização das Nações Unidas - ONU, em 1948.

Os Direitos Humanos são indissociáveis da democracia e, conseqüentemente, da cidadania, palavra de ordem da contemporaneidade, que é hoje um imperativo categórico, à semelhança do imperativo categórico ético de Kant.

O Direito de Família é o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão disso, e também pelo sentido ideológico e histórico de exclusões, é que se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cujas bases e ingredientes estão, também, diretamente relacionados à noção de cidadania.

Cidadania significa não-exclusão. É, portanto, a inserção das várias representações sociais da família, da valorização do Sujeito de Direito em seu sentido mais profundo e ético. É a inclusão e a consideração das diferenças como imperativo da democracia.

O Direito, ideologicamente, vai incluindo ou excluindo pessoas do laço social. Não podemos permitir que a história das exclusões se repita, ou resista. Por exemplo, no Brasil, até 1888, os negros não eram Sujeitos de Direito; as mulheres, até 1932, não podiam votar e só foram consideradas juridicamente capazes em 1962; os filhos havidos fora do casamento, além de receberem o selo oficial de ilegítimos, não podiam ser reconhecidos na ordem jurídica; famílias sem a formalidade do casamento civil não eram legitimadas/reconhecidas pelo Estado.

A história do Direito de Família no Brasil, e em quase todos os ordenamentos jurídicos, é marcada por vários registros de exclusão. Não podemos dar as costas à História, sob pena de continuarmos perpetuando injustiças.

Essa reflexão significa, em sua essência, a invocação dos artigos 16 e 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Artigo 16:

I – os homens e mulheres de maioridade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

II – O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

III – A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 25:

II – A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.”

2 AS NOVAS CONCEPÇÕES DA FAMÍLIA E A INTERDISCIPLINARIEDADE: PSICANÁLISE E DIREITO

A família foi, é e continuará sendo o núcleo básico de qualquer sociedade. Sem família não é possível nenhum tipo de organização social ou jurídica. É na família que tudo principia. É a família que nos estrutura como sujeitos e encontramos algum amparo para o nosso desamparo estrutural. A tão propalada “crise” da família nada mais é que o resultado de um processo histórico de alteração das formas de sua constituição. Quando o artigo 25 da Declaração Universal de Direitos Humanos preceitua que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade”, ele não está excluindo as diversas outras possibilidades de constituição de família, além daquela formada pelo matrimônio.

No final da segunda metade do século XX, quando foi feita a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os ideais de liberdade já estavam bem consolidados, pelo menos para o mundo ocidental. Aliás, justamente esses foram ideais que autorizaram e trouxeram a necessidade de se fazer tal Declaração. No contexto desses ideais de liberdade, está inserida a liberdade das pessoas escolherem outras formas de constituição de família para além daquelas formadas tradicionalmente. A partir de então, os Estados Nacionais passaram a reconhecer várias formas de constituição de família. No Brasil, isto se deu oficialmente em 1988, com a nova Constituição da República: família constituída pelo casamento, pelo concubinato não-adulterino e as famílias monoparentais, ou seja, por qualquer dos pais que viva com seus descendentes. Antes dessa data, outros países já haviam reconhecido a “família plural”, assim como, até hoje há aqueles que só reconhecem a família constituída pelo casamento/matrimônio. Entretanto, diante desses ideais de liberdade trazidos pela concepção dos Direitos Humanos, pode-se afirmar que há uma tendência em todos os países do mundo de se “legitimar” e reconhecer as várias representações sociais da família.

Associada aos ideais de liberdade dos sujeitos, em todos os seus sentidos, está a necessidade de buscarmos um conceito de família que esteja acima de conceitos morais, muitas vezes estigmatizantes. Assim, devemos buscar um conceito de família que possa ser pensado e entendido em qualquer tempo ou espaço, já que família foi, é, e sempre será a célula básica da sociedade.

O Direito talvez não baste para ajudar-nos a encontrar a resposta. Devemos, então, buscar ajuda em outros campos do conhecimento, como na Antropologia e Psicanálise, para aprofundarmos a questão.

Na Antropologia, a partir de Claude Levi Strauss, com seu estruturalismo. Na Psicanálise, “inventada” por Freud e em sua forma mais evoluída por Jacques Lacan, poderemos trazer para o Direito uma noção mais profunda de família. Isto se torna particularmente importante em um Congresso Internacional como este, onde há operadores do Direito do mundo inteiro, o que significa dizer que há pessoas dos mais variados ordenamentos jurídicos, influências de todas as culturas e religiões, do Ocidente ao Oriente, de países ricos e pobres. Apesar de toda essa variedade e diversidade de cultura, religião e credos, valores morais, seria possível encontrar um elemento comum a todos nós, ou seja, seria possível estabelecer um CONCEITO UNIVERSAL DE FAMÍLIA? A Psicanálise lacaniana vem nos dizer que sim.

3 A FAMÍLIA COMO ESTRUTURA: REVISITANDO O ARTIGO 16 DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS

A partir de Lacan e Levi Strauss, podemos dizer que FAMÍLIA É UMA ESTRUTURAÇÃO PSÍQUICA EM QUE CADA MEMBRO OCUPA UM LUGAR, UMA FUNÇÃO. Lugar de pai, lugar de mãe, lugar de filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. Tanto é assim, uma questão de “lugar”, que um indivíduo pode ocupar o lugar de pai ou mãe, sem que seja o pai ou a mãe biológicos. Exatamente por ser uma questão de lugar, de função exercida, que existe o milenar instituto da adoção. Da mesma forma, o pai ou a mãe biológicos podem ter dificuldade em ocuparem este lugar de pai ou de mãe, tão necessários e essenciais à nossa estruturação psíquica e formação como seres humanos e Sujeitos de Direitos.

É essa ESTRUTURAÇÃO FAMILIAR que existe antes, e acima do Direito, que nos interessa trazer para o campo jurídico. E é sobre ela que o Direito vem, através dos tempos, e em todos os ordenamentos jurídicos, regulando e legislando, sempre com o intuito de ajudar a mantê-la para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão (sem esta estruturação familiar, na qual há um lugar definido para cada membro, o indivíduo seria psicótico) e trabalhar na construção de si mesmo, ou seja, na estruturação do ser-sujeito e das relações interpessoais e sociais, que possibilitam a existência dos ordenamentos jurídicos.

Nossa velha e constante indagação persiste: o que é que garante a existência de uma família? Certamente não é o vínculo jurídico e nem mesmo laços biológicos de filiação são garantidores. Essas relações não são necessariamente naturais. Elas são da ordem da cultura, e não da natureza. Se assim fosse não seria possível o milenar instituto da adoção, por exemplo. Devemos, então, a partir da compreensão, e da constatação, de que é possível estabelecer um conceito universal para família, revisitar o inciso III do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, já que família não é natural, mas essencialmente cultural.

4 DOIS GRANDES DESAFIOS: LIMITES DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA VIDA PRIVADA E A SUBJETIVIDADE NA OBJETIVIDADE JURÍDICA

Ultrapassado esse grande desafio do atual Direito de Família, que é a definição e o conceito de família, deparamo-nos, ainda dentro desses ideais de liberdade e respeito à dignidade da pessoa humana, com duas grandes questões do Direito de Família pós- Declaração dos Direitos Humanos.

A primeira é saber qual o limite de intervenção do Estado na vida privada do sujeito-cidadão. No momento em que a tendência do Estado é afastar-se cada vez mais da vida privada do cidadão é de se perguntar se o Estado poderia impor que existe um culpado pelo fim do casamento, como ainda acontece em vários países, inclusive no Brasil. É de se indagar também se o Estado não estaria intervindo em excesso na vida privada do cidadão ao estabelecer textos normativos regulamentando o concubinato, e promovendo ações de investigação de paternidade como tem sido feito no Brasil e em vários outros países.

Segunda. Não se pode mais desconsiderar que na objetividade dos atos e fatos jurídicos permeia uma subjetividade. Por que os sujeitos pagam ou não pensão alimentícia, reconhecem ou não a paternidade, casam-se e separam-se e levam os restos do amor para o Judiciário? E o amor, quem diria, foi parar na Justiça!

Freud, ao revelar ao mundo a existência do INCONSCIENTE, fundou a Psicanálise que, além disso, trouxe-nos à consciência a compreensão da estrutura e funcionamento do nosso aparelho psíquico. Ele revelou, também, ao mundo que a sexualidade é algo muito mais profundo e que não se reduz à genitalidade. Sexualidade é uma dimensão presente na totalidade da existência humana. A energia libidinal é o que dá vida à vida. Faz-nos trabalhar, produzir, criar e descansar; amar e sofrer; ter alegria, prazer e angústia. É o DESEJO, que começa com a vida, termina com a morte e sustenta-nos por toda a vida. Começou a vida, instalou-se o desejo. Acabou o desejo, acabou a vida. É ele que mantém vivo o “arco da promessa”.

Assim, pode-se dizer que o “sujeito-de-direito” é também um “sujeito-de-desejo” e, portanto, um sujeito-desejante. É este sujeito-desejante que pratica atos jurídicos, faz e desfaz negócios.

Se somos sujeitos de desejo, é importante indagar o que é o desejo. A fisiologia do desejo é estar sempre desejando um algo mais. Desejo é falta. É assim nossa estrutura psíquica. Somos sujeitos da falta. Está sempre faltando algo para nos completar, embora, às vezes nos iludimos com o nosso ideal de completude. Somos mesmo de falta e algo em nós sempre faltará. Daí a definição de Lacan: “Desejo é desejo de desejo”.

Compreender o funcionamento da estrutura psíquica é compreender também a estrutura do litígio conjugal, em que o processo judicial se torna, muitas vezes, uma verdadeira história de degradação do outro. É a mistura e a confusão da subjetividade na objetividade, que fazem os sujeitos ali envolvidos estarem sempre com a sensação de que estão perdendo algo. Na verdade, naquele eterno e degradante litígio é uma tentativa de tamponarem, às vezes, inevitável perda da separação.

5 CONCLUINDO: TODA DEMANDA É UMA DEMANDA DE AMOR

O pensamento contemporâneo tomou um outro rumo a partir do discurso psicanalítico.As noções de inconsciente, desejo, e libido instalaram um outro discurso sobre a sexualidade, que não está necessariamente ligada à genitalidade, mas muito mais ao AFETO. Essa sexualidade está também vinculada a uma moral sexual dita civilizatória, segundo Freud. Por isso podemos dizer que todas as questões com as quais lidamos no Direito de Família, direta ou indiretamente, passam pelo crivo de um viés da moral sexual vigente. Por exemplo: quando se está investigando uma paternidade, mesmo com a possibilidade de prova via exames de DNA, discute-se a conduta da moral sexual da mãe; quando se está litigando em um processo de separação, na maioria das vezes o cerne é saber quem traiu, quem foi infiel; as discussões sobre anulação de casamento estão associadas à homossexualidade, frigidez, impotência etc; as destituições de pátrio poder, na maioria das vezes, dão-se em razão de um abuso sexual.

Em nome dessa moral sexual, dita civilizatória, é que muitos já foram excluídos do “laço social” e da legitimação e do reconhecimento do Estado, como os filhos havidos fora do casamento, famílias ilegítimas por não terem recebido o selo da oficialidade do casamento etc, etc. Até quando os ordenamentos jurídicos continuarão excluindo as formas de relações diferentes daquelas tradicionalmente instituídas? Em nome de qual moral os ordenamentos jurídicos se autorizam ainda a excluir, por exemplo, as relações homoafetivas? Não estaria na hora de reconhecer, em nome da dignidade da pessoa humana, base de sustentação dos Direitos Humanos, a liberdade de as pessoas estabelecerem suas relações e estarem, seja qual for sua forma de expressão do amor, incluídas no laço social?

Em síntese, e para terminar, as bases principiológicas dos Direitos Humanos pressupõem-se como sustentáculo da liberdade do sujeito. Entretanto, não é possível pensar em liberdade se as pessoas não puderem ser sujeitos da própria vida e do próprio destino e desejo. A verdadeira liberdade é aquela em que os Sujeitos-de-Direito não estejam assujeitados aos ordenamentos jurídicos excludentes das diferentes e diversas formas de constituição de famílias, ou nos ordenamentos jurídicos que sobrepõem a forma à essência e ainda não consideram o afeto como norteador e condutor da organização jurídica sobre a família. A verdadeira liberdade e ideal de Justiça estão naqueles ordenamentos jurídicos que asseguram um Direito de Família que compreenda a essência da vida: dar e receber amor.

6 BIBLIOGRAFIA

FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade - Relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. In: Obras Psicológicas Completas. Trad. Orizon Carneiro. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v. XII.

HATTENHAUER, Hans. Conceptos fundamentales del derecho civil - Introducción-dogmatica. Barcelona: Ariel, 1987.

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 20. Trad. M.D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

Complexos familiares. Trad. Marco Antônio Coutinho Jorge e Potiguara Mendes da Silveira Júnior. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

LEGENDRE, Pierre. L'amour du Censuer - Essai sur l'ordre dogmatique. Paris: Édition du Seiul, 1974.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A sexualidade vista pelos tribunais. – 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

PETRAZYCKI, Leon. Law and Morality. Tentieth Century Legal Philosophy series, v. VII, Cambridge (Mass), 1955.

STRAUSS, Claude Levi. Estruturas elementares do parentesco. Trad. Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1982.

VILLELA, João Baptista. “A desbiologização da paternidade”. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, ano XXVII, n. 21, 1979.

As novas relações da família. In: Anais da XV Conferência Nacional da OAB em Foz do Iguaçu. São Paulo: JBA Comunicações, 1995.

VINDELOV, Vibeke. Family Lawin Denmark. In Family, Law and social policy - OÑATI - Valério Pocar and Paola Ronfani, 1991.

*Publicdo em The International Survey of Family Law, 2002 (Braszilian Family Law in the Twenty-First Century and Psychoanalyis e na Revista Brasileira de Direito de Família, número 16, 2003.

*Palestra proferida em 3/8/2002, na 11th World Conference the International Society of Family Law, numa viagem de navio, de Copenhagen para Oslo.

*Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado em Direito de Família em Belo Horizonte/MG. Professor na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Brasil. Mestre em Direito Civil. Autor dos livros: “Concubinato e União Estável”; “Direito de Família: uma abordagem psicanalítica”; “A sexualidade vista pelos Tribunais”. Organizador das obras: “Direito de Família Contemporâneo”, “Direito de Família e o Novo Código Civil”, todos pela Editora Del Rey. E-mail: rcp@rodrigodacunha.adv.br


http://www.rodrigodacunha.com.br/artigos_pub05.html


TEXTO 4

TENTATIVA DE INTERFERÊNCIA DO ESTADO NA VIDA FAMILIAR.

POR: MARCO PASSOS


Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PL 2654/2003), de autoria da parlamentar Maria do Rosario PT/RS, que proíbe os pais de aplicar castigos físicos moderados em seus filhos, inclusive prevendo punições e até cadeia. Não se está falando de punição para abusos (pois sobre abusos já há legislação própria de proteção à criança e ao adolescente). Um simples puxão de orelha ou palmada poderá ser considerado crime, se essa lei vier a entrar em vigor. E o bonde está andando, o projeto já passou na Comissão de Constituição e Justiça.

É mais um tentativa de construir um Estado que limita a ação do indivíduo, com ingerências na vida familiar. Algo inteiramente inaceitável. Mas não é a primeira tentativa de tentar criar controles estatais além de suas prerrogativas: Primeiro tentaram controlar a imprensa, não deu certo; depois foi o desarmamento, mas houve o repúdio nas urnas. E agora mais essa, como que invadindo nossas casas e ditando como devemos ou não educar nossos filhos, como se eles os sustentassem com comida, roupa, moradia, escola e saúde de boa qualidade.

Essa mania esquerdista por Estados totalitários e fortes, em detrimento das liberdades individuais, encontra ânimo em governos autoritários como da Venezuela, Coréia do Norte, Cuba e lá vai. Parece coisa do Livro 1984 de George Orwell, o Estado na figura do Grande Irmão.

Não estamos aqui a defender castigos físicos, muito menos abusos na criação dos filhos. Mas há limites para a interferência do Estado na vida privada.


Postado por MARCO ANTONIO às 14:45


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