terça-feira, 21 de agosto de 2012

TRABALHO ESCRAVO

Trabalho e liberdade

O trabalho escravo atinge principalmente índios, negros, mulheres pobres e crianças


Marcelo Barros


CADA ANO, no dia 23 de agosto, a ONU celebra o dia internacional da lembrança do tráfico de escravos e de sua abolição. Durante toda a semana, acontecerão eventos e conferências sobre o assunto em vários países, principalmente naqueles mais marcados por essa terrível chaga da história que foi a escravidão negra. No entanto, até pelo título das comemorações da ONU, alguém pode pensar que se trata apenas de uma lembrança longínqua e uma memória do passado. Infelizmente não é essa a verdade.
Quando os escravos foram libertados, não receberam nenhuma indenização, nem ajuda para viver. Foram jogados nas ruas e favelas. Seus descendentes até hoje sofrem consequências dessa injustiça. Além disso, o racismo continua vigente em muitos países do mundo. A escravidão mudou apenas de forma. Embora ilegal, o tráfico de seres humanos permanece fonte de riqueza para máfias internacionais, especializadas em prostituição forçada e em migrantes clandestinos que lhes rendem dinheiro. Os escravagistas do século 21 não operam mais em navios negreiros e sim em jatos de última geração.
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os lucros provenientes do tráfico humano são de 32 bilhões de dólares por ano. No mundo de hoje, 12.3 milhões de pessoas já passaram por alguma forma de trabalho forçado ou de servidão. Destas,9.8 milhões foram exploradas por agentes privados, incluindo mais de 2.4 milhões em trabalho forçado resultante do tráfico humano. Os dados mais elevados encontram-se na Ásia, com cerca de 9.4 milhões, seguidos de aproximadamente 1.3 milhões na América Latina e nas Caraíbas, e de pelo menos 360.000 nos países industrializados e considerados do “primeiro mundo”. Perto de 56 % das pessoas vítimas de trabalho forçado são mulheres e jovens menores de idade.
Quanto à escravidão no campo, em países como a República Dominicana, o Paraguai e mesmo o Brasil, a cada dia, aparecem denúncias de novos casos, descobertos e constatados. Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra, em 2011, se registraram no Brasil 249 casos de trabalho escravo em fazendas e empresas rurais, com 4348 pobres trabalhadores que viviam como escravos. Desses, foram resgatados e libertados pela fiscalização federal 2505 pessoas. E as outras? A maioria desses casos aconteceu no Pará, em Goiás, em Minas Gerais e Maranhão. Algumas fazendas são distantes de tudo e perdidas no nada das terras ocupadas no Oeste, mas outras estão bem próximas da chamada civilização. De acordo com esses dados, muitas indústrias de ferro e aço empregam mão de obra escrava, assim como há uma relação estreita entre o desmatamento da Amazônia e o emprego de trabalho forçado. E isso para falar somente do campo.
Em pleno centro de São Paulo, indústrias de fundo de quintal e empresas de tecelagem empregam bolivianos em situação ilegal e obrigados a morar no lugar de trabalho, com horários extenuantes e sem salários fixos. Trabalham para pagar dívidas que crescem ininterruptamente e exigem mais trabalho.
Há cinco anos, o governo federal e alguns organismos da sociedade civil elaboraram um pacto nacional para a erradicação do trabalho escravo. Essas medidas têm ajudado, mas a má erva precisa ser extirpada na semente e nas raízes. A raiz da escravidão é o sistema social que perpetua a desigualdade social e considera o dinheiro mais importante do que a vida. O trabalho escravo atinge principalmente índios, negros, mulheres pobres e crianças. Ele atenta contra a dignidade das vítimas, mas também de toda a sociedade que convive com uma barbaridade dessas.
O trabalho escravo ainda persiste porque os que o praticam encontram pessoas com tal fragilidade social que se tornam mais vulneráveis a isso. Cada um/uma de nós é responsável por criar uma cultura, na qual esse tipo de crime se torne impossível. Principalmente, quem está ligado a alguma tradição espiritual deve assumir esse compromisso pela justiça como testemunho de sua fé em um Espírito que é amor e ternura solidária. Há muitos anos, um poeta escreveu: “Quem trabalha pelo pão de cada dia, faz avançar no mundo o projeto divino. Quem varre a rua e recolhe o lixo está preparando o reino de Deus”.

Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo.


http://www.brasildefato.com.br/sites/default/files/BDF_494.pdf

(de 16 a 22 de agosto de 2012)

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