domingo, 25 de setembro de 2011

ORÇAMENTO DA SAÚDE: UM DEBATE NECESSÁRIO

1. SUS exige verba mas mídia vende tributação insuportável, diz Jatene


Em novo livro, diretor do Incor e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, diz que tecnologia impôs grandes mudanças à medicina em 40 anos. Frente a custos maiores e novo perfil epidemiológico do país, Sistema Único de Saúde precisa dobrar recursos. 'Esse é o grande problema', diz Jatene em entrevista exclusiva. 'Mídia faz população acreditar que carga tributária é insuportável.'
André Barrocal

BRASÍLIA – O diretor geral do Instituto do Coração (Incor) e ex-ministro da Saúde, Adib Jatene, lançou nos últimos dias, em dobradinha com o atual ministro, Alexandre Padilha, o livro “40 anos de medicina. O que mudou”. São 200 páginas abrangendo a experiência de metade de uma vida que Jatene, aos 82 anos, sintetiza apontando a tecnologia como principal elemento transformador.

O avanço tecnológico levou à descoberta de novos tratamentos, permitiu diagnósticos melhores, praticamente erradicou doenças. Mas também afetou a relação entre paciente e médico, que se tornou mais impessoal. E encareceu custos na medicina, exigindo cada vez mais investimentos de um Estado que assumiu o compromisso constitucional de dar saúde gratuita para toda a população.

O problema dos custos é de difícil solução, na opinião de Jatene, porque o debate sobre o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) tornou-se um tabu duro de quebrar.

"Quem controla a mídia faz a população acreditar que a carga tributária é insuportável", disse o médico à Carta Maior. "Mas, se você tirar a Previdência Social do orçamento, e a Previdência é um dinheiro dos aposentados que o governo apenas administra, vai ver que a nossa carga tributária está abaixo de 30%. É pouco para um país como o Brasil."

O leitor confere a seguir os principais trechos da breve entrevista exclusiva, concedida por telefone na última segunda-feira (19), antes de os deputados derrubarem a criação de um novo imposto para custear a saúde pública no Brasil.

Como o senhor resumiria o livro: o que mudou na medicina em 40 anos?

Jatene: O que mudou é realmente a tecnologia. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro. O diagnóstico à distância, por meio de exames, afastou o médico dos pacientes, a conversa ficou abreviada.

Mas a tecnologia também dever ter ajudado, não?

Jatene: Ajudou muito, criou vacinas contra poliomelite, sarampo. Hoje, são doenças que não existem mais. E também criou técnicas menos invasivas.

O perfil epidemiológico do brasileiro mudou muito também? Isso tem impacto nos custos da saúde, que ficam maiores?

Jatene: Claro, esse é o grande problema.

E O SUS, que está fazendo 21 anos, está preparado para essa nova situação?

Jatene: É preciso que as pessoas entendam aritmética: é preciso ter recursos. Eu estimo que o orçamento do SUS precise dobrar, mas não há nenhuma possibilidade de dobrar.

Então o senhor é a favor de um novo tributo?

Jatene: Quando estive no governo, eu defendi a CPMF. Mas não estou mais. Apontar as fontes de financiamento não é responsabilidade minha, mas do governo e do Congresso.

Com essa sua experiência de médico e gestor, o que o senhor diria que conta mais para melhorar a saúde no Brasil: gestão ou financiamento?

Jatene: As duas coisas ao mesmo tempo são importantes. Já avançamos muito na gestão, os grandes hospitais de São Paulo, por exemplo, buscam gestores públicos. Mas faltam recursos.

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2. 7° PIB, Brasil é 72° no ranking da OMS de gasto per capita em saúde


Invstimento público em saúde é de US$ 317 por brasileiro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Líderes do ranking de 193 países, Noruega e Mônaco gastam 20 vezes mais. Na América do Sul, Brasil perde para Argentina, Uruguai e Chile. No G-20, é o 15°. Segundo ex-ministro Temporão, dado é 'dramático'. Para Dilma Rousseff, baixa despesa per capita justifica mais verba à saúde. Secretário paulistano apoia novo imposto.
André Barrocal e Maria Inês Nassif

BRASÍLIA – O Brasil ocupa a 72ª posição no ranking da Organização Mundial de Saúde (OMS) de investimento em saúde, quando a lista é feita com base na despesa estatal por habitante. Os diversos governos gastam, juntos, uma média anual de US$ 317 por pessoa, segundo a última pesquisa da OMS, com dados relativos a 2008.

O desempenho brasileiro é 40% mais baixo do que a média internacional (US$ 517). A liderança do ranking de 193 países pertence a Noruega e Mônaco, cujas despesas anuais (US$ 6,2 mil por habitante) são vinte vezes maiores do que as brasileiras.

Apesar de o Brasil possuir a maior economia da América do Sul, três países do continente se saem melhor: Argentina, Uruguai e Chile.

No chamado G-20, grupo que reúne os países (desenvolvidos e em desenvolvimento) mais ricos do mundo, o desempenho do Brasil, no gasto por habitante, também não é dos melhores. Está na 15ª posição - ganha de África do Sul, China, México, Índia e Indonésia.

O baixo gasto estatal por habitante tem sido um dos argumentos usados pelo governo federal para defender a criação de fonte de recursos extras para a saúde – um novo imposto ou a elevação de um já existente.

Além de o Brasil ter uma na saúde uma performance internacional aquém do poderia de sua economia - é o sétimo maior produto interno bruto (PIB) mundial -, o governo também considera o gasto per capita diminuto, na comparação com a medicina privada.

As despesas a partir de convênios particulares movimentam mais do que o dobro das finanças do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é gratuito e atende os 190 milhões de brasileiros. Os planos privados beneficiam um quarto da população brasileira.

Nesta quarta-feira (14/09), a presidenta Dilma Rousseff defendeu a ampliação dos recursos para a saúde, usando o argumento do gasto por habitante, durante entrevista depois de um evento.

“O setor público gasta duas vezes e meia a menos do que o setor privado na área de saúde. Isso significa uma coisa que nós todos temos de ter consciência: se você quiser um sistema universal de saúde, gratuito e de qualidade, nós vamos ter de colocar dinheiro na saúde e colocar gestão na área de saúde, as duas coisas”, afirmou.

“O dado é dramático”, disse à Carta Maior o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão. “As famílias de classe média gastam cerca duas vezes aquilo que o SUS gasta para prover serviços de muita maior abrangência. Há uma disseminação de planos privados de cobertura insuficiente”, completou.

“Fico feliz que a presidente Dilma tenha aludido ao fato de que a saúde suplementar tem um orçamento que é 2,4 vezes superior ao do SUS. Esse é um parâmetro que deve ser considerado”, afirmou à Carta Maior Januário Montone, secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo que apoia a criação de um novo imposto para a saúde.


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3. Saúde precisa de mais verba até para melhorar gestão, diz Temporão


Segundo José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, reforço financeiro dos sistemas públicos está em debate no mundo todo. Avanço tecnológico e de expectativa de vida impõe alta de custos e exige novos recursos. Em entrevista à Carta Maior, Temporão defende subir taxação de cigarros e bebidas, condena 'aberração' brasileira de abater plásticas do IR e critica subsídio federal a convênio de servidor.
André Barrocal

BRASÍLIA – O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão embarca nesta segunda-feira (12/09) para a China, onde vai se juntar a três outros especialistas (inglês, australiano e tailandês) para fazer uma avaliação independente do modelo de saúde chinês, a pedido do governo local. Depois de estimular a medicina privada e reduzir o peso do investimento público, o país tenta reverter o que para Temporão foi um “equívoco grave” que produziu uma “crise”, e agora quer saber se as medidas estão funcionando.

“A saúde é um debate que está presente hoje na China, nos países europeus, nos Estados Unidos com a reforma Obama. Todos os países enfrentam problemas de financiamento de seus sistemas, de qualidade, de gestão, e no Brasil não será diferente”, afirma Temporão em entrevista exclusiva à Carta Maior.

Diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS), órgão com sede no Rio de Janeiro que promove troca de experiências no setor entre países do continente, Temporão diz estar “feliz” por ver “forte consenso dentro do governo e na sociedade” de que a saúde precisa de mais dinheiro.

Segundo o médico sanitarista, os sistemas de saúde estão em debate pelo mundo por três motivos principais, todos aplicáveis ao Brasil. Crescente envelhecimento das pessoas (mais gente idosa requer mais tratamento). Acelerada incorporação tecnológica à medicina (eleva custos). E gestão. “Para melhorar a gestão, vamos ter de aumentar o gasto. Como garantir a implantação do cartão SUS para todos os brasileiros sem investir em gestão, na formação de gerentes?”, diz.

Para ele, o Brasil tem um elemento complicador. O atual modelo de saúde foi concebido quando o país era mais pobre. À medida que se desenvolve, algumas doenças tornam-se coisa do passado, como sarampo, enquanto outras se disseminam. Em uma ou duas décadas, o perfil epidemiológico da sociedade brasileira será totalmente diferente.

“Isso vai mudar profundamente o sistema de saúde, e o Brasil não está preparado para isso. Um dos principais motivos é a fragilidade da base financeira. É um sofisma dizer que o problema é de gestão”, afirma.

Temporão defende que, em 10 anos, o Brasil empurre o investimento em saúde a 10% do produto interno bruto (PIB). Hoje, são mais ou menos 8%. A maior parte (56%) é despesa privada (planos, consultas particulares). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que só em um terço dos 192 países filiados, o gasto governamental perde para o privado, como no Brasil.

A despesas federais com saúde no ano que vem serão de R$ 71 bilhões, de acordo com a proposta de orçamento enviada ao Congresso. Dentre as alternativas surgidas nas últimas semanas como potenciais fontes de recursos novos para reforçar aquela cifra, o ex-ministro no segundo governo Lula diz ter “simpatia” pelo aumento da taxação de cigarros e bebidas.

Com uma bala, acertam-se dois alvos. Por um lado, consegue-se mais dinheiro. Por outro, desestimula-se o consumo de produtos que reconhecidamente fazem mal à saúde. Com 5 bilhões de maços de cigarro vendidos por ano, o aumento de dois reais no preço já renderia R$ 10 bilhões ao governo.

“Cigarro, cerveja e bebida no Brasil são dos mais baratos do mundo. Só que ninguém gosta de falar sobre isso porque é politicamente impopular”, afirma.

O ex-ministro aponta ainda um outro “problema delicado que ninguém ousa discutir” mas que, para ele, se enfrentado, ajudaria a fortalecer o orçamento público destinado à saúde. É a autorização da Receita Federal para pessoas e empresas descontarem do imposto de renda despesas particulares com saúde, o que tira alguns bilhões do erário. O gasto particular com saúde é, em média, duas vezes maior do que o gasto público, quando se faz a conta de forma per capita.

O problema, diz Temporão, é que, embora pagar planos de saúde ou cirurgias seja gasto com saúde, não obedece a uma lógica pública ou a uma política pública. “Significa que se alguém quiser fazer uma cirurgia estética porque não está satisfeito com o perfil do seu nariz ou tamanho das suas orelhas ou dos seus seios, pode abater integralmente do imposto de renda. Um disparate total, uma aberração bem brasileira”, diz.

O ex-ministro mexe ainda em um outro vespeiro que poderia ser enfrentado, na opinião dele, para garantir mais recursos à saúde. Ele critica o subsídio que o Estado dá aos funcionários públicos dos três Poderes (governo, Congresso e Judiciário) ao bancar parte do convênio deles. São mais ou menos R$ 15 bilhões por ano, algo entre 20% e 25% dos investimentos federais em saúde pública.

“O governo percebeu que se não colocar recursos adicionais na saúde, teremos problemas graves no curto e médio prazo”, afirma Temporão. “E é importante a sociedade ter clareza que, ao investir no SUS, estamos investindo num patrimônio que a sociedade construiu nos últimos 22 anos.”

Criado pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi regulamentado por uma lei (8.080, de 1990) que vai fazer aniversário na próxima segunda-feira (19/09).

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4. O custo da derrubada da CPMF


Para o líder do governo no Senado, Humberto Costa, o custo da derrubada da CPMF foi muito alto e está sendo pago até hoje. “Nós sofremos dupla derrota na votação da CPMF, em 2007: de um lado, perdemos R$ 40 bilhões; de outro, o discurso. Prevaleceu o discurso de que a Saúde tem dinheiro, que o problema é simplesmente de gestão. Está difícil recolocar o problema de financiamento do setor”. O artigo é de Maria Inês Nassif.
Maria Inês Nassif

Em 2000, quando foi aprovada a famosa Emenda 29, o presidente era Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e teoricamente a Saúde tinha como fonte financiadora a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O projeto de emenda previa que o governo federal teria que investir 10% de todo o seu Orçamento em Saúde; os Estados, 12%; e os municípios,15%.

Com ampla maioria nas duas casas legislativas, o governo federal conseguiu negociar uma emenda nos seguintes termos: Estados e municípios são obrigados a investir, no mínimo, 12% e 15% de suas receitas líquidas, respectivamente. A União, desde então, gasta com Saúde o correspondente ao que desembolsou no ano anterior, mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) nominal. É o chamado Piso Nacional.

FHC, portanto, “congelou”os gastos em Saúde da União, com a regra de reajuste do orçamento do setor do ano anterior pelo PIB, e não considerou a CPMF como financiamento adicional, incorporando-a simplesmente às suas receitas. Era o melhor dos mundos.

A presidenta Dilma Rousseff, depois do recuo governista de bancar a aprovação da Contribuição Social da Saúde – que previa uma alíquota de 0,1% sobre a movimentação bancária do país, algo em torno de R$ 20 bilhões anuais – correu o risco de ficar no pior dos mundo: sem dinheiro novo para a Saúde e com 10% de suas receitas líquidas vinculadas ao setor. Ela também tem ampla maioria nas duas casas legislativas.

Segundo o documento de discussão “Modelo de Financiamento para a Saúde”, apresentado pelo secretário municipal de São Paulo, Jairo Montone, ao Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), o grande incremento nos gastos com a área vieram da vinculação orçamentária de Estados e Municípios. A CPMF, que começou como Imposto sobre Movimentações Financeiras em 1993 teoricamente destinado à Saúde, foi sendo absorvida pelo Orçamento da União.

Em 2000, o Orçamento do Ministério da Saúde era 8,1% da receita corrente em 2000; em 2007, 6,7%. Se os gastos da União com a Saúde tivessem permanecido no patamar de 2000, a área teria R$ 10 bilhões a mais. Se a vinculação dos gastos da União em 10% tivesse ocorrido, hoje a Saúde teria R$ 35 bilhões a mais do que os cerca de RS$ 60 bilhões de hoje.

No governo Fernando Henrique Cardoso, a vinculação de 10% da receita líquida da União para a Saúde não aconteceu e a CPMF não virou dinheiro adicional. Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo. Em 2007, ainda sob a vigência da contribuição, o então senador Tião Viana (PT-AC) apresentou a proposta de regulamentação da emenda 29, prevendo novamente a vinculação em 10%. Segundo o hoje governador do Acre, a proposta foi apresentada após ele ter ouvido de Lula o compromisso de destinar integralmente o dinheiro da CPMF para o setor. Em dezembro, o Senado derrubou a contribuição. Em abril do ano seguinte, aprovou a regulamentação da emenda 29 proposta por Viana, mantendo a vinculação dos recursos da União.

O projeto que saiu da Câmara, e foi para o Senado, colocou o governo Dilma Rousseff nesta situação. Com uma maioria avassaladora no Legislativo, o governo só perde uma votação se for abandonado por sua base parlamentar – ou, como aconteceu agora, se deixar à vontade os parlamentares para fazerem o que quiserem, em vésperas de eleição.

Quando abriu mão da CSS, a base governista tinha a avaliação de que estaria dando discurso à oposição, a exemplo do que aconteceu em 2007 – os adversários do governo assumiram rapidamente o discurso de que o país vivia sob uma tributação insuportável. Desconheceu o poder de pressão dos governadores sobre o Senado para aprovar a vinculação orçamentária, mesmo sem uma nova fonte de financiamento da Saúde – e o fato de que aprovar recursos para a área é um capital eleitoral que pode tentar a sua base no Senado, às vésperas das eleições municipais.

O especialista em gestão pública, Amir Khair, concorda quem em 2007, na votação da CPMF, a oposição ao governo Lula faturou com a derrubada da contribuição. “É um impasse politico. Dilma não caiu na cilada política que Lula caiu”, afirmou. Para o líder Humberto Costa, o custo da derrubada da CPMF foi muito alto e está sendo pago até hoje. “Nós sofremos dupla derrota na votação da CPMF, em 2007: de um lado, perdemos R$ 40 bilhões; de outro, o discurso. Prevaleceu o discurso de que a Saúde tem dinheiro, que o problema é simplesmente de gestão. Está difícil recolocar o problema de financiamento do setor”.

Khair aponta outras possibilidades de tributação: uma parte do Imposto de Renda ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. “A CSLL pode servir a isso, preferencialmente se houver uma taxação maior dos bancos, que não têm poder de mobilização da sociedade e hoje são vistos pelos cidadãos comuns como agiotas; o aumento do compulsório dos bancos;ou, ainda, a tributação de cigarros”. Esses recursos não poderiam ser “carimbados” para a Saúde, mas podem ser destinados ao setor, “o que facilitaria à União, aos Estados e municípios cumprirem a emenda 29”. “Neste primeiro momento, o foco do debate é a destinação integral do DPVAT para a Saúde e o aumento dos produtos nocivos à saúde; depois, vamos pensar em novas fontes”, afirma Costa.


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5. Só no Brasil há saúde gratuita e universal mas gasto privado maior


Aos 21 anos, Sistema Único de Saúde (SUS) vive 'paradoxo'. É gratuito e aberto a todos mas tem menos dinheiro do que iniciativa privada gasta para atender menos gente. Em nenhum outro país é assim, segundo a OMS. Despesa estatal brasileira é um terço menor do que a média mundial. Para especialistas, SUS exige mais verba. 'Orçamento precisa dobrar', diz Adib Jatene.
André Barrocal e Maria Inês Nassif

BRASÍLIA – O Sistema Único de Saúde (SUS) completa nesta segunda-feira (19) 21 anos exibindo um paradoxo. O Brasil é o único país do mundo que tem uma rede de saúde gratuita e aberta a toda a população e, ao mesmo tempo, vê o mercado (convênios e consultas particulares) gastar mais dinheiro do que o Estado.

O motivo da contradição, dizem especialistas, é a falta de recursos públicos para fazer com que o SUS se realize plenamente, tal qual previsto na Constituição, o que exigiria pelo menos dobrar seu caixa.

As despesas com saúde no Brasil são de 8,4% do chamado produto interno bruto (PIB), a soma das riquezas produzidas pelo país durante um ano. Deste ponto de vista, o investimento está em linha com a média global, de 8,5% anuais, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A distinção está em quem puxa os gastos. No Brasil, 55% são privados (e beneficiam cerca de 46 milhões de conveniados) e 45%, públicos - favorecem todos os 190 milhões de brasileiros.

A fatia estatal representa 3,7% do PIB, um terço mais baixo do que a média internacional, de 5,5% do PIB, de acordo com a OMS. No resto do mundo, o gasto público equivale a 60% do total investido em saúde.

Quando se faz comparação com países com sistemas similares ao SUS – universais e gratuitos -, a disparidade é maior.

No Reino Unido, cujo modelo montado depois da Segunda Guerra Mundial é considerado clássico e inspirou o brasileiro, a despesa pública com saúde gira em torno de 7% do PIB. O Estado britânico responde por 82% dos gastos totais, os quais são de patamar semelhante aos do Brasil (8,7% do PIB).

No Canadá, que também conta com sistema público, o governo gasta cerca de 7% do PIB em saúde e o setor privado, 2,8%.

Em dois países escandinavos que são exemplo na área, Noruega e Suécia, o Estado gasta mais de 6% do PIB e responde por 72% do investimento em saúde.

“Se comparado com outros países do mundo que adotaram o sistema universal de saúde, o Brasil gasta muito pouco”, diz o médico e ex-ministro da Saúde Humberto Costa, atual líder do PT no Senado.

“O SUS tem um saldo positivo inegável nesses anos todos, mas tem esse paradoxo: é um sistema público e universal que gasta menos do que o setor privado”, diz Solon Magalhães Vianna, um dos relatores da Conferência Nacional de Saúde que, em 1986, esboçou o SUS.

Novas fontes
Para Vianna, o gasto público em saúde deveria duplicar, o que requer novas fontes de recursos para o setor. É a mesma posição do ex-ministro da Saúde Adib Jatene.

“Quando o SUS foi criado, diziam que era inviável, que os contituintes tinham sido irresponsáveis ao não apontar fontes de financiamento. Mas a Constituição apontou as fontes, nas disposições transitórias, só que elas nunca foram regulamentadas”, diz Jatene. “Eu estimo que o orçamento do SUS precise dobrar, mas não há nenhuma possibilidade de dobrar.”

Na avaliação de outro ex-ministro, José Gomes Temporão, é “significativo” o dado da OMS sobre o gasto privado superar o público no Brasil. Especialmente porque, enquanto o investimento estatal obedece a uma política nacional, o privado às vezes termina em plásticas.

“Na Argentina, 70% dos gastos com saúde são públicos. Aqui no Brasil, quem está arcando com o acesso à saúde são as famílias”, disse. “É importante a sociedade ter clareza que, ao investir no SUS, está investindo num patrimônmio que a sociedade construiu nos últimos 22 anos”.

O secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo, Januário Montone, tem a mesma visão orgulhosa do sistema que faz aniversário. “O SUS foi uma vitória fantástica. É um sucesso, não existe nenhum sistema de saúde desse tamanho em nenhum lugar do mundo”, disse.

Ele é defensor da ampliação dos recursos para a saúde. Mas acredita que, depois de 23 anos da Constituição, o país precisa rediscutir o sistema de saúde e decidir se a iniciativa deve ou não participar dele. E, na opinião dele, deve. Até porque o próprio Estado precisa contratar serviços privados.

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