segunda-feira, 19 de setembro de 2011

LEITURAS IMPORTANTÍSSIMAS PARA AS AULAS DE 28 E 29 DE SETEMBRO: RESENHAS DO LIVRO "AMOR LÍQUIDO", DE ZYGMUNT BAUMAN

1. A fragilidade dos laços humanos

A OBRA:
BAUMAN, Zygmunt.
Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos.
Rio de Janeiro: ZAHAR, 2004

Em Assim falou Zaratrusta, Nietzsche profetiza que somente um tipo de homem é capaz de livrar-se das garras dos tempos modernos. Consolidifica, então, o conceito central da filosofia nietzscheniana: o conceito de super-homem. Porém, para que o homem alcance tal façanha, de acordo com Nietzsche, é necessário tornar-se uma espécie de ermitão, viver anos e anos nas montanhas para, desse modo, buscar a reflexão dos re: repensar, refletir e redirecionar sua conduta sócio-cultural-econômica e até espiritual, quem sabe.
Para elaborar uma equação desse problema, com a pretensão de ter uma resposta para isso, o homem não necessariamente precisa tornar-se um ser introspectivo no seu mais alto grau e viver isolado, boa parte da vida, para se reencontrar. Pelo contrário. O próprio ambiente midiático deve, com todas as suas armas de aprisionamento, servir como suporte ao super-homem de Nietzsche. O homem, contudo, ainda permanece refém desse meio e, por conseguinte, acostumou-se a resolver problemas com base em clicks e com base na velocidade do provedor. E é justamente sobre esse ponto que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman discute em seu livro Amor Líquido, publicado no Brasil pela Zahar, em 2004.
Os tempos modernos e, agora, os tempos pós-modernos (para alguns) causaram um estado de fusão na sociedade humana, de acordo com o estudo de Bauman (2004). Para ele, houve uma transformação do estado sólido para o líquido. Evidencia-se, então, o conceito de “líquido mundo moderno” – algo similar à frase antológica de Marx: “tudo o que é sólido desmancha no ar”.
Amor Líquido é, destarte, uma reflexão crítica do cotidiano do homem moderno, que ressalta “a fragilidade dos laços humanos”. Dividido em quatro capítulos (Apaixonar-se e desapaixonar-se; Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociedade; Sobre a dificuldade de amar o próximo; Convívio destruído), Bauman (2004, p. 8) considera o “cidadão de nossa líquida sociedade moderna” como Der Mann ohne Verwandtschaften – o homem sem vínculos – e objetiva, no livro, “traçar um painel de esboços imperfeitos e fragmentários, em lugar de tentar produzir uma imagem completa”. Remete-me, esse foco central do estudo, ao aforisma 489 de Humano, demasiado humanoIndo profundamente demais:
Pessoas que compreendem algo em toda a sua profundeza raramente lhe permanecem fiéis para sempre. Elas justamente levaram luz à profundeza: então há muita coisa ruim para ver (NIETZSCHE, 2000, p. 266).
Nos dois primeiros capítulos, Bauman (2004) esmiúça a fragilidade que o “líquido mundo moderno”, de certa forma, impôs ao relacionamento humano. Em Apaixonar-se e desapaixonar-se, o autor atrela amor à cultura consumista. Hoje, amar é como um passeio no shopping center, visto que “tal como outros bens de consumo, ela [vida] deve ser consumida instantaneamente (não requer maiores treinamentos nem uma preparação prolongada) e usada uma só vez, “sem preconceito”.
A cultura consumista do amor, então, serve de cenário para o segundo capítulo Dentro e fora da caixa de ferramentas da sociedade. O sentimento do imediatismo oferece conseqüências à “líquida, consumista e individualizada sociedade moderna”. O resultado de intensificação da velocidade globalizante é pontificada por Bauman (2004) na sentença: “a solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor”.
Ora, a imposição ardilosa, configurada dentro da aldeia global, transformou o relacionamento entre humanos como o mais (im)perfeito produto oferecido pelo mercado, haja vista os avanços na área genética. Doravante, será concretizada a configuração, não somente interna como externa, da prole humana. Pais poderão montar seus filhos de acordo com a conta bancária de cada um. Mesmo que essa realidade esteja imbuída em um contexto diminuto, é assustador imaginar os limites da ganância humana. Deus não está somente morto. Os homens querem seu trono.
Quem seria, portanto, o responsável? De acordo com Bauman (2004), é o próprio homem mediante a (des)configuração do líquido mundo moderno competitivo. Hoje, mais do que nunca, o homem necessita de produtos pré e/ou fabricados. Até mesmo o tempo livre e as férias são programadas por meio de tais produtos impostos pelo mercado. Destarte, é justamente dessa lógica que o sociólogo polonês trata na metade final de Amor Líquido.
Em Sobre a dificuldade de amar o próximo, o autor perscruta a atmosfera do relacionamento humano pelo conceito bíblico de amar ao próximo como a si mesmo. Segundo Bauman (2004), “o amor próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros”. Evidencia-se a construção de amar a si mesmo somente quando há o mesmo sentimento – no caso, amor – manifestado por outros que “devem nos amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos”, finaliza.
Finalmente, no quarto e último capítulo de Amor líquido, o autor reflete sobre a vertiginosa indústria do medo que criou um novo espectro: o da xenofobia. Os imigrantes são acusados como sendo os principais causadores da epidemia financeira do líquido mundo moderno, hoje. São eles, segundo a indústria do medo, que dão à sociedade os graves males dos Estados-nação. Somente os imigrantes são os criminosos. E é dentro dessa tangente xenofóbica que a mídia encontra sua menina dos olhos de ouro. Ou seja, a pauta, dentro dessas redações, são e continuaram sendo as mesmas. Roubos, assassinatos e, principalmente, atentados terroristas são reflexos da invasão imigratória de indivíduos oriundos de países periféricos e/ou miseráveis. Exemplos, não faltam no noticiário internacional.
Qual é, então, o papel dos meios de comunicação de massa nesse ambiente líquido moderno? Ora, a atmosfera midiática protagoniza justamente a socialização do homem dentro da líquida razão moderna. Hoje, os seres humanos buscam contatos com seus pares mediante um mundo virtual em que podem, segundo a imposição do próprio sistema de irmandade do final do século XX e início do terceiro milênio, substituir “fracassos”, “frustrações” e até “conquistas” com a agilidade e velocidade da Internet. Bauman (2004) utiliza como reflexo da metamorfose da relação humana o testemunho de um universitário polonês que afirma categoricamente que dentro do líquido mundo moderno tudo se resolve na base do delete – um simples toque no mouse e tal como um passe de mágica, os problemas desaparecem. Basta limpar a lixeira e pronto.
Intensifica-se, de maneira avassaladora, a substituição de contatos físicos. Tudo acontece hoje somente àqueles que estão conectados. O resultado não pode ser pior e está traduzido no subtítulo do estudo de Bauman (2004): “a fragilidade dos laços humanos”. A partir do momento em que os verdadeiros cidadãos perceberem o tamanho do labirinto onde se encontram e se mobilizarem para solucionar o problema é que se dará o primeiro passo rumo à socilialização humana. Senão,mesmo coma capacidade do homem em se adaptar aos imbróglios, a sociedade continuará correndo atrás do próprio prejuízo. Tudo isso nos remete ao pensamento de Antonio Gramsci (ano): “sou um pessimista pela inteligência, mas um otimista por desejo”.

Jorge Marcos Henriques Fernandes - é mestrando em Comunicação e Cultura Midiática junto à Universidade Paulista.
Rua José Bonani, 226
Bel recanto - Taubaté-SP
CEP 12031-260
Email: jmhfernandes@uol.com.br


TRAMITAÇÃO

Texto recebido em: 08/07/2005
Aceito para publicação: 06/10/2005

Rev. ciênc. hum, Taubaté, v. 11, n. 2, p. 173-174, jul./dez. 2005. 174




2. AMOR LÍQUIDO – As Fragilidades dos Laços Humanos

29 29UTC abril 29UTC 2008 às 14:53 (1)

ENSAIOS
Gioconda Bordon

O título do livro do sociólogo polonês Zigmunt Bauman é sugestivo e, sobretudo, apropriado para um sentimento que não se submete docilmente a definições. Professor emérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, ele tem vários livros traduzidos para o português, e o tema recorrente em sua obra são os vínculos sociais possíveis no mundo atual, neste tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade.

A noção de liquidez, quando se refere às relações humanas, tem um sentido inverso ao empregado nas relações bancárias, a disponibilidade de recursos financeiros. A liquidez de quem tem uma conta polpuda no banco, acessível a partir de um comando eletrônico é capaz de tornar qualquer desejo uma realidade concreta. É um atributo potencializador. O amor líquido, ao contrário, é a sensação de bolsos vazios.
É preciso deixar claro que Bauman não se propõe a indicar ao leitor fórmulas de como obter sucesso nas conquistas amorosas, nem como mantê-las atraentes ao longo do tempo, muito menos como preservá-las dos possíveis, e às vezes inevitáveis, desgastes no decorrer da vida a dois. Não há como assegurar conforto num encontro de amor, nem garantias de invulnerabilidade diante das apostas perdidas, nunca houve. Quem vende propostas de baixo risco são comerciantes de mercadorias falsificadas.
A área de estudo principal de Bauman é a sociologia, o campo do pensamento que vai ser o ponto de partida e o foco fundamental do retrato sobre a urgência de viver um relacionamento plenamente satisfatório dos cidadãos pós-modernos. Digamos que as dificuldades vividas por um casal refletem o estilo que uma comunidade mais ampla estabelece como padrão aceitável de relacionamento entre seus vizinhos, entre os que habitam um espaço comum. Bauman é realista. Sabe que “nenhuma união de corpos pode, por mais que se tente, escapar à moldura social e cortar todas as conexões com outras facetas da existência social”. Portanto, partindo do seu campo específico de estudo, ele faz uma radiografia das agruras sofridas pelos homens e mulheres que têm que estabelecer suas parcerias no mundo globalizado.
Mundo que ele identifica como líquido, em que as relações se estabelecem com extraordinária fluidez, que se movem e escorrem sem muitos obstáculos, marcadas pela ausência de peso, em constante e frenético movimento. Em seus livros anteriores, já traduzidos e disponíveis para o leitor brasileiro, Bauman defende a idéia de que esse processo de liquefação dos laços sociais não é um desvio de rota na história da civilização ocidental, mas uma proposta contida na própria instauração da modernidade. A globalização, palavra onde estão contidos os prós e os contras da vida contemporânea e suas conseqüências políticas e sociais, pode ser um conceito meio difuso, mas ninguém fica imune aos seus efeitos. A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarreta nas decisões diárias; qualidades e produtos que ficam obsoletos antes do prazo de vencimento; a incerteza radicalizada em todos os campos da interação humana; a falta de padrões reguladores precisos e duradores são evidências compartilhadas por todos os que estão neste barco do mundo pós-moderno. Se esse é o pano de fundo do momento, ele vai imprimir sua marca em todos as possibilidades da experiência, inclusive nos relacionamentos amorosos. O sociólogo Zygmunt Bauman mostra como o amor também passa a ser vivenciado de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, e, no entanto, nunca os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter o rumo da relação.
O apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pelo ardor da paixão, sempre disposta a enveredar por caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis, a encenar episódios românticos variados, assim como os seriados de televisão e seus personagens com quem se identificam homens e mulheres do mundo inteiro. Seus equívocos amorosos divertem os telespectadores, suas dificuldades e misérias afetivas são acompanhadas com o sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de esconde-esconde amoroso.
A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas a distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão.
Zygmunt Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.
Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman, mostra-nos que hoje estamos mais bem aparelhados para disfarçar um medo antigo. A sociedade neoliberal, pós-moderna, líquida, para usar o adjetivo escolhido pelo autor, e perfeitamente ajustado para definir a atualidade, teme o que em qualquer período da trajetória humana sempre foi vivido como uma ameaça: o desejo e o amor por outra pessoa.
O mais recente título do sociólogo polonês, que recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, pelo livro Modernidade e Holocausto), e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra), é uma leitura precisa e eloqüente, um convite a uma reflexão aberta não apenas aos estudantes e interessados em trabalhos acadêmicos. O seu texto claro, apesar de fortemente estruturado numa erudição consistente, não deixa de abrir espaço para o leitor comum, interessado em compreender como as estruturas sociais e econômicas dos tempos atuais, tentam dar conta da complexidade do amor que, com a permissão de citá-lo mais uma vez, é “uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”.


Nota do Editor

Ensaio gentilmente cedido pela autora. Publicado no caderno “Fim de Semana”, da Gazeta Mercantil, em 31 de julho de 2004.

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