sábado, 24 de setembro de 2011

TEMA PARA DISCUSSÃO EM AULA NOS DIAS 28 E 29 DE SETEMBRO: SÃO POSSÍVEIS E NECESSÁRIOS, EM NOSSA SOCIEDADE, LAÇOS AFETIVOS DURADOUROS?

Vivemos na Sociedade líquida e espetacular, cujas características são a inconstância, a não perenidade, o fim da intimidade, o desejo de aparecer. Assim, laços afetivos, que outrora eram sólidos (“até que a morte os separem”), simplesmente desvanecem na ultravelocidade dos nossos tempos.


A partir dos excertos da coletânea abaixo, faça uma dissertação sobre o seguinte tema: São possíveis e necessários, em nossa sociedade, laços afetivos duradouros?



COLETÂNEA


1. Quando o homem nasce – a raça humana assim como o indivíduo – é lançado fora de uma situação que era definida, tão definida quanto os instintos, para uma situação indefinida, incerta e exposta. Somente a certeza com relação ao passado – e, quanto ao futuro, apenas com relação à morte. O homem é dotado de razão: é a vida consciente de si mesma; tem consciência de si, de seus semelhantes, de seu passado e das possibilidades do seu futuro. Essa consciência de seu próprio e curto período de vida, do fato de haver nascido sem ser por sua vontade própria e de ter de morrer contra sua vontade, de ter de morrer antes daqueles que ama, ou estes antes dele, a consciência de sua solidão e separação, de sua impotência ante as forças da natureza e da sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e desunida uma prisão insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse libertar-se de tal prisão e alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de outra com eles, com o mundo exterior. (...) O homem – de todas as idades e culturas – vê-se diante da solução de uma só e mesma questão: a de como superar a separação, a de como realizar a união, a de como transcender a própria vida individual e encontrar sintonia. (A arte de amar. Erich Fromm. Ed. Itatiaia. 1966)

2. Se o amor é uma capacidade do caráter produtivo e maduro, segue-se daí que a capacidade de amar, num indivíduo que viva em qualquer cultura, dada, depende da influência dessa cultura sobre o caráter da pessoa comum. Se falamos de amor na cultura ocidental contemporânea, temos de indagar se a estrutura social da civilização ocidental e o espírito dela resultante são de molde a conduzir ao desenvolvimento do amor. Suscitar a pergunta é responder pela negativa. Nenhum observador objetivo de nossa vida ocidental pode duvidar de que o amor – amor fraterno, amor materno e amor erótico – seja fenômeno relativamente raro, sendo seu lugar tomado por numerosas formas de pseudo-amor que, em realidade, são outra tantas formas de desintegração do amor. (A arte de amar. Erich Fromm. Ed. Itatiaia. 1966)

3. Como nos ensina o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos numa era fluída, num tempo líquido, onde não existe mais espaço para a solidez. A modernidade líquida pode ser compreendida então como um tempo da volatilidade, onde nada é durável, nada é estável, inclusive, as relações humanas. Assim, as mudanças cada vez mais rápidas apresentam-se como uma das características mais marcantes desse nosso tempo.
A solidez não é mais uma característica interessante atualmente, visto que dificulta as mudanças, torna tediosa a convivência diária, pois tem a capacidade de teimar em não ceder aos imperativos que buscam a todo custo empurrar os indivíduos para os caminhos da ambivalência, instantaneidade, precariedade, vulnerabilidade e consumismo.
Num mundo frágil e imediatista, os laços humanos se constituem precariamente. A fluidez da Modernidade Líquida se revela através da vulnerabilidade, instantaneidade, efemeridade e precariedade das relações humanas. As pessoas estão desconectadas, sem redes de relação de apoio, sentindo-se perdidas e necessitadas de criar laços afetivos. (NOGUEIRA, 2006, p.22).
(...) Como tudo na modernidade líquida é encarado da mesma forma como é encarado os bens de consumo, a sexualidade também é regulada pelas leis do mercado “[...] que disseminam imperativos de bem-estar, prazer e satisfação imediata de todos os desejos.” (NOGUEIRA, 2006, p.14). Dessa maneira, os laços afetivos duram até quando oferecerem a possibilidade de satisfazer os desejos instantaneamente. O corpo do outro é visto então como uma espécie de playground, algo que pode ser desfrutado e depois abandonado quando o tédio se instalar — ou quando outra oportunidade mais interessante despontar no horizonte. (A sexualidade no contexto da modernidade líquida. Anderson Cristiano da Costa)
http://www.mundocontemporaneo.net/2011/05/sexualidade-no-contexto-da-modernidade.html

4. Em nosso mundo de furiosa “individualização”, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência. É por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto, e no topo de sua agenda existencial.
(...) Nos compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento permanente percebe a dependência incapacitante. Essa razão nega direitos aos vínculos e liames, espaciais ou temporais. Eles não têm necessidade ou uso que possam ser justificados pela líquida racionalidade moderna dos consumidores. Vínculos e liames tornam "impuras" as relações humanas — como o fariam com qualquer ato de consumo que presuma a satisfação instantânea e, de modo semelhante, a instantânea obsolescência do objeto consumido. Os advogados de defesa das "relações impuras" teriam de se esforçar para tentar convencer os jurados e obter sua aprovação. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

5. Essa “fluidez” associada à sociedade contemporânea tem suas conseqüências nas relações afetivas. Os laços humanos, como sistemas abertos, são marcados pela vulnerabilidade e efemeridade, já que num mundo movido pelo novo a cada minuto, lógica fortemente apoiada no consumismo, os longos e fortes laços não têm sentido algum. Paradoxalmente, segundo Bauman (2004), mesmo diante de tendências tão individualistas, as pessoas não deixam de procurar a interação, companheirismo e porque não dizer, amor, no relacionamento uns com os outros:
“(...) homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados nos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar em um momento de aflição, desesperados por “relacionar-se”. É, no entanto, desconfiados da condição de “estar ligado”, em particular de estar ligado “permanentemente”, para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer consigo encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para – sim, seu palpite está certo – relacionarse...”. (BAUMAN, 2004: p.08). (Paixão, Ciúme e Traição: A “liquidez” das relações humanas no ciberespaço. Brena Freire, Diolene Machado, Fabrício Queiroz, Larissa Bezerra, Raphael Santos Freire, Andreza Jackson de Vasconcelos_e Kalynka Cruzy. Universidade Federal do Pará, Belém, PA)

6. A mais fundamental espécie de amor, que alicerça todos os tipos de amor, é o amor fraterno. Entendo por isto o sentimento de responsabilidade, de cuidado, de respeito por qualquer outro ser humano, o seu conhecimento, o desejo de aprimorar-lhe a vida. Desta espécie de amor é que a Bíblia fala, quando diz: ama o teu próximo como a ti mesmo. O amor fraterno é amor por todos os seres humanos; caracteriza-se pela própria falta de exclusividade. Se desenvolvi a capacidade de amar, então não posso deixar de amar meus irmãos. No amor fraterno há a experiência da união com todos os homens, da solidariedade humana, do sincronismo humano. O amor fraterno baseia-se na experiência de que todos somos um. As diferenças de talento, inteligência, conhecimento são mesquinhas em comparação com a identidade do núcleo humano comum a todos os homens. (A arte de amar. Erich Fromm. Ed. Itatiaia. 1966)

7. Aceitar o preceito do amor ao próximo é o ato de origem da humanidade. Todas as outras rotinas da coabitação humana, assim como suas ordens pré-estabelecidas ou retrospectivamente descobertas, são apenas uma lista (sempre incompleta) de notas de rodapé a esse preceito. Se ele fosse ignorado ou abandonado, não haveria ninguém para fazer essa lista ou refletir sobre sua incompletude. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

8. A mudança que a modernidade líquida está provocando nos relacionamentos afetivos e na maneira de considerar o amor está afetando também, segundo Bauman, a possibilidade de amar o próximo. Esta dificuldade está ligada à nova situação que, no mundo Ocidental, se criou por causa das grandes migrações, por meio das quais milhões de pessoas emigram dos países pobres em busca de condições de vida melhor nos países ricos. E, assim, os migrantes são considerados “forasteiros”, “estranhos”, “diversos”, “desconhecidos”, que produzem medo. Lidar com os “estranhos” está se tornando o grande problema dos moradores das cidades dos países ricos, que não sabem como lidar com tantas pessoas “diferentes”. Em várias circunstâncias e em vários livros, Bauman analisa esta nova situação que afeta o mundo ocidental. Em “Amor líquido”, o autor tenta aprofundar o sentido que esta estranheza provoca no valor antigo da acolhida, do respeito do estrangeiro, no mandamento evangélico de amar o próximo. “Se você não for mais duro e menos escrupuloso do que todos os outros será liquidado por eles, com ou sem remorso. Estamos de volta á triste verdade do mundo darwiniano: é o mais apto que invariavelmente sobrevive. Ou melhor, a sobrevivência é a derradeira prova de aptidão (Bauman, 2003 p. 110)”. (Identidade, Afetividade e a Mudanças Relacionais na Modernidade Liquida na Teoria de Zygmunt Bauman. Paolo Cugini)

9. Há bases bastante sólidas para se ver o amor, e em particular a condição de “apaixonado” como — quase que por sua própria natureza — uma condição recorrente, passível de repetição, que inclusive nos convida a seguidas tentativas. Pressionados, a maioria de nós poderia enumerar momentos em que nos sentimos apaixonados e de fato estávamos. Pode-se supor (mas será uma suposição fundamentada) que em nossa época cresce rapidamente o número de pessoas que tendem a chamar de amor mais de uma de suas experiências de vida, que não garantiriam que o amor que atualmente vivenciam é o último e que têm a expectativa de viver outras experiências como essa no futuro. Não devemos nos surpreender se essa suposição se mostrar correta. Afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraia seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”: Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor”. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

10. Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino – aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor. “A satisfação no amor individual não pode ser atingida sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras”, afirma Erich Fromm – apenas para acrescentar adiante, com tristeza, que em “uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista”. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

11. O dispositivo espetacular cria o controle social pela sedução imagética da exposição alheia, suprimindo, todavia, a difícil relação intersubjetiva da alteridade; com efeito, a própria experiência da compreensão da subjetividade da figura do Outro se torna fragmentada a partir do mecanismo espetacular, como destacado por Guy Debord: "O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens".³ O ser humano se torna, assim, um simulacro imagético, desprovido de substancialidade e autonomia em sua vida cotidiana, direcionada apenas para o consumo de imagens sedutoras, que suprimem paulatinamente a noção de uma experiência interior inalienável. Na dimensão espetacular, vivemos sob a égide da moral da exterioridade, tudo deve ser visível. Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl argumentam que "dependemos do espetáculo para confirmarmos que existimos e para nos orientarmos em meio a nossos semelhantes, dos quais nos isolamos". (Apareço, logo existo (por Renato Nunes Bittencourt) – Revista de Filosofia Ano V nº 57. Editora Escala)

12. A transformação da nossa intimidade em objeto espetacular mediante o uso dos aparatos midiáticos mantém a distância de nossa individualidade com o mundo exterior, pois esse processo não ocorre de modo verdadeiramente interativo. O que ocorre, na verdade, é um esvaziamento das relações humanas, pois a ânsia de ver o comportamento íntimo do outro pela captação das imagens retira dessa pessoa observada a condição simbólica de ser humano, tornando-a como uma espécie de coisa consumível e descartável, cuja serventia maior é a de fornecer entretenimento para a anônima coletividade social, que projeta os seus próprios valores particulares nas pessoas monitoradas pelas câmeras televisivas, esperando que elas atuem de acordo com os critérios estabelecidos externamente. Vemos assim o caráter normativo presente na experiência espetacular, não obstante a atmosfera de entretenimento e gozo que ela pretende transmitir publicamente; entretanto, a melhor maneira de se exercer o controle sobre a coletividade social é por sua sedução existencial pelo fluxo contínuo de imagens espetaculares. (Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman – Ed. Zahar 2003)

13. Seguindo as trilhas de Erich Fromm, Bauman (2004: p.17-21) considera a capacidade de amar uma rara conquista, num mundo carente de humildade, fé e coragem. O amor não possui história própria, sendo um evento que não se controla ou planeja. Com o enfraquecimento do amor romântico, as experiências amorosas podem ser mais facilmente medidas do que antes, apesar da visível redução dos elevados padrões de amor. (‘O teu amor é uma mentira, que a minha vaidade quer’: A (des)confiança no amor em Zygmunt Bauman. Marcela Zamboni.) http://www.cchla.ufpb.br

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