quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

MENSALÕES

"Mensalões" e questão moral

Cláudio Bernabucci

A questão moral não se esgota na necessidade de descobrir ladrões e corruptos nas altas esferas da política e da administração, denunciá-los e mandá-los para a cadeia. A questão moral deve ser vista na ocupação do Estado por parte dos partidos políticos... que hoje são, sobretudo, máquinas de poder e clientela, com escassas ideias e poucos ideais..."
Esse pensamento, que parece se adaptar muito bem às crônicas recentes, na realidade recente não é: pertence a Enrico Berlinguer, líder do eurocomunismo, que o manifestou em uma famosa entrevista ao jornal La Repubblica, em julho de 1981. Como muitas vezes acontece aos homens visionários, a história deu-lhe razão: a partir de 1993, os inquéritos chamados ManiPulite (Mãos Limpas) resultaram na eliminação dos partidos que tinham governado a Itália por 50 anos.
Longe de mim a tentação de estabelecer paralelismos mecânicos entre a situação italiana de então e a brasileira de hoje, colocadas em contextos políticos tão diferentes. Acredito, porém, que a reflexão histórica sempre desnude elementos úteis para entender o presente, assim como tempere asperidades polémicas contingentes habilitadas a ofuscar o pensamento.
Assistindo ao debate brasileiro sobre corrupção e política, a impressão do observador é de perigosa polarização e exasperação. Esquematizando, eu diria que, por um lado, se manifesta uma corrente de opinião que tende a dar ao processo do "mensalão" uma distorcida valência transcendental, atitude associada à tentativa de politizar ao máximo o processo para que a parte política sob juízo resulte mortalmente prejudicada. A agressividade desse movimento, liderado pela chamada grande imprensa, assume brados justiceiros que pouco combinam com leniências anteriores diante de outras tenebrosas transações do passado recente. Por outro lado, a corrente oposta expressa uma espécie de "relativismo" do pensamento crítico. Tal posição considera a corrupção como mal endêmico do Brasil, cuja história estaria cheia de "mensalões". Nas manifestações mais ingênuas dessa opinião, chega-se a minimizar a conduta dos réus, com a justificativa de que estes teriam sido só "alunos mal aplicados", sem habilidade na emulação de modelos alheios. Consequência: sendo a corrupção um mal comum a todos os partidos e a toda a sociedade, por que motivo começar a limpeza pêlos (ex) representantes da classe trabalhadora? Não é minha intenção tentar uma resposta à questão, mas apenas evidenciar que, entre posições extremas dominantes, a razão fica sacrificada.
Outra impressão das polêmicas em curso é que se debate muito sobre teorias e precedentes jurídicos, sobre corruptos e corruptores, mas muito menos sobre as medidas de combate à corrupção daqui para a frente.
A corrupção não é prerrogativa tropical ou latina, mas um mal ligado intrinsecamente ao poder, de qualquer dimensão e latitude. Portanto, não se combate com saltuárias companhas de moralização ou pela aplicação de virtudes episódicas, e sim com o fortalecimento constante da democracia. A corrupção não pode ser derrotada, mas pode ser limitada através do fortalecimento da independência dos Três Poderes, graças a instituições transparentes e a uma rica articulação de pesos, contrapesos e controles dos poderes, sejam políticos, sejam econômicos. Informação pluralista, assim como participação ativa e vigilância das organizações da sociedade, deveria ser necessária para reduzir ao mínimo as ameaças sempre presentes desse câncer da sociedade. Fazer boa política, poderíamos dizer em síntese, é o melhor antídoto contra a doença. Portanto, a ilusão de que, fora da política ou contra a política, é possível moralizar a sociedade, seria simplesmente trágica.
O caso italiano, desse ponto de vista, é exemplar e mereceria ser estudado. O aniquilamento dos partidos de governo, seguido aos "históricos" processos contra os corruptos da Primeira República, abriu espaço à experiência populista e subversiva de Sílvio Berlusconi. Apresentando-se como o antipolítico por excelência, com a promessa de cortar impostos e redimensionar o Estado, fundou um partido de sua propriedade e passou a ocupar o Estado com ainda maior voracidade do que os antecessores, endividando-o até quase a falência.
No Brasil, analogamente, a crise da política representa o ponto mais vulnerável do sistema nacional e o "mensalão" é o seu mais evidente epifenômeno. O julgamento final do Supremo provavelmente punirá com severidade a parte política envolvida, mas não há dúvida de que a política brasileira na sua totalidade será abalada. Evitando a tentação suicida do aniquilamento recíproco, os partidos bem fariam em promover uma profunda reforma da política, único antídoto contra a deriva atuaL e a refletir, em paralelo, se a definição da questão moral, acima citada, pode ser aplicada ou não à história brasileira.

Carta Capital/10de outubro de 2012

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