quarta-feira, 13 de julho de 2011

OS VALORES E OS PREÇOS PARA A SOCIEDADE

LEITURAS RECOMENDADAS


TEXTO 1: Vende-se o Partenon


Mino Carta


2 de julho de 2011 às 10:39h


Miúda reflexão sobre a tragédia da Grécia e o mundo suicida.



Uma foto de Billy the Kid, tirada nos anos 80 do século XIX, a única existente do bandido cinematográfico, foi leiloada dias atrás nos Estados Unidos e arrematada por mais de 1 milhão de dólares. Pergunto aos meus botões quanto valeria o Partenon, ou um arquipélago do Mar Egeu. Inimaginável, respondem. Até um certo ponto, digo eu.

À deriva de uma Europa assolada pela crise econômica e financeira, à custa de um buraco negro, abismo vertiginoso de mais de 600 bilhões de euros, para cobri-lo a Grécia anuncia o propósito de pôr em leilão o seu inestimável patrimônio artístico e natural. Daí a lógica da pergunta acima. Poderia, porém, dirigir muitas outras ao Oráculo de Delfos. Que diria Homero? Ou, ao se falar no Egeu, o seu herói mais humano, o Odisseu? Ou a poetisa Safo, ou outro que versejava, Teócrito, a pressagiar Caymmi, escrevia “deixa que o mar azul quebre sobre a praia, mais doce a seu lado transcorrerei a noite”?

Penso na Itália, que, igual a outros países europeus, vive no fio da navalha. Quanto valem a catedral de Orvieto, o Vesúvio, o museu Degli Uffizi? E me vêm à memória filmes da minha mocidade, comédias à italiana, em que um Sordi ou um Totó conseguiam vender o Coliseu ao parvo turista americano de sandálias e bermudas. Digo, o precursor de um transeunte hodierno e comum da Avenida Paulista, ou da Rua Oscar Freire, a mais elegante do mundo, como todos sabem.

À espera de leilões inéditos, de certa forma aberrantes, meus severos botões se apressam a uma afirmação categórica: não é para rir, não. Assistimos a mais um quadro do segundo ato da tragédia, a da tentativa, por ora em andamento, do suicídio do globo terráqueo. O homem criou a situação terrificante, ou melhor, um grupo de homens dispostos a crer, a provar, a impingir que o ideal é produzir dinheiro, grana em atuação-solo, em lugar de bens, indispensáveis e nem tanto. Outros homens, em quantidade infinitamente maior, deixaram-se engodar. Outros ainda, muitos mais ainda, estão mergulhados no oblívio de quem nada sabe e nada percebe.

Este o enredo do primeiro ato, mas não levou ao repúdio do engano urdido por estranha competência na tessitura da desgraça, não alterou um milímetro, ou um suspiro sequer, os papéis dos protagonistas, banqueiros e especuladores financeiros. Todos a postos no alvorecer do segundo ato, a professarem o mesmo credo, nos Estados Unidos e na Europa. Alguns meses depois, volto a citar um documentário magistral, ganhador do Oscar deste ano, Inside Job. Mostrou a cara impávida de quem semeou a tempestade e impavidamente continua a alimentá-la, certo da impunidade. E a humanidade que se moa.

O segundo ato envereda pelo suicídio de um certo número de cidadãos gregos, que não acham saída para a tragédia, coletiva e também individual. O cenário, em todo caso, vai além desta específica crise, exibe sem disfarces outras faces, política, intelectual, moral. Leiam, se quiserem, em ordem inversa, moral em primeiro lugar, a abarcar em larga parte a política. Nunca a corrupção e a hipocrisia dos poderosos, a desfaçatez e a prepotência, ficaram tão impunemente expostas aos olhos do mundo, e este gênero de violência é tanto mais grave em uma quadra da história humana que se pretende de progresso nunca dantes alcançado.

Sim, assistimos a avanços científicos e tecnológicos notáveis e inegáveis, e nem por isso atravessamos de fato dias melhores. Somos, em tudo e por tudo, súditos do império do dinheiro, que alonga suas fronteiras por cima das nacionais, transcende-as como se fossem inexistentes ou inúteis. Com valia em todos os campos, na arte e no esporte, na educação e na saúde. É da percepção até do mundo mineral o quanto a humanidade, ao se multiplicar, emburrece, assim como cresce a implacável separação entre ricos e pobres.

Neste segundo ato, padecemos a globalização da ferocidade de poucos oposta à debilidade de muitos, a riqueza e o poder à miséria e à indigência, a irresponsabilidade à resignação e à apatia. Em um único ponto talvez se verifique alguma igualdade: na ignorância, doença terrível, epidêmica. A prosseguir neste rumo, o terceiro ato não promete nada de bom.


Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br



http://www.cartacapital.com.br/politica/vende-se-o-partenon


TEXTO 2: Distinção entre Preço e Valor


Na linguagem comum do dia-a-dia usam-se de maneira intercambiável os termos valor e preço. De fato, define-se valor como “preço, medida de importância, qualidade que torna algo ou alguém estimável, validade, utilidade, préstimo, duração de nota musical” (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2003, p.530).

Em uma abordagem preliminar pode-se entender que o preço de um bem depende das condições de mercado enquanto o conceito de valor estaria associado às condições subjetivas de cada indivíduo sendo função de suas preferências e necessidades. O exemplo do valor de uma fruta talvez seja contundente. Certamente haverá uma grande diferença de valor de uma fruta para um sujeito que acabou de jantar e espera a sobremesa e para um indivíduo que passa fome há dois dias.

O enigma dos diamantes e água que deixou economistas intrigados durante anos pode nos ajudar a ter um entendimento conceitual da diferença entre preço e valor. Sabe-se que a água é fundamental para a sobrevivência, mas sem diamantes poucos morreriam. Contudo um balde de diamantes é vendido por um preço muito mais elevado do que um balde de água.O quebra-cabeça é resolvido pelo uso dos conceitos de utilidade (beneficio) marginal e utilidade (beneficio) total:

Se tivermos um lote inteiro de alguma coisa, o beneficio marginal de mais desta coisa pode ser muito pequeno. Dispomos de muita água; o beneficio marginal de outro balde é pequeno. Dispomos de poucos diamantes; o beneficio marginal de outro balde de diamantes é alto. Por outro lado, o beneficio total da água – o valor total de toda a água do mundo – é muito mais elevado do que o dos diamantes. (WESSELS, 2002, p. 31).

Portanto pode-se concluir que o conceito de valor associa as condições de mercado com as expectativas, julgamentos e condições pessoais de cada indivíduo ou de cada avaliador.

Mais recentemente no contexto da denominada “sociologia econômica” discutem-se os conceitos de “economia da qualidade” ou “economia das singularidades”.O consumidor de singularidades - ou qualidades específicas - faz julgamentos e não apenas cálculos. Trata-se aqui de mercados nos quais o consumidor é, antes de tudo um avaliador das qualidades do que pretende adquirir, ou seja, os bens e serviços que se destacam por suas singularidades onde os preços não são tudo e podem ser quase nada.

Tais qualidades não são comprováveis nem antes nem, muitas vezes, durante o consumo. Está se falando, então de “bens de crença” (aqueles cujas características não são observáveis diretamente) sujeitos a uma grande carga de incerteza. Assim a falta de informação mina as premissas da escolha racional e exige a negociação de sinais, outros que não os preços, para transmitir a confiança necessária para o funcionamento dos mercados (ANDRADE, 2007, p. 10).


http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos82008/172.pdf





TEXTO 3: Valores do mercado


FREI BETTO *


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Na sociedade neoliberal cresce a produção de bens supérfluos, oferecidos como mercadorias indispensáveis. O consumidor, massacrado pela publicidade, acaba se convencendo de que a saúde de seu cabelo depende de uma determinada marca de xampu. Melhor cortar a cabeça do que viver sem o tal produto...
Para o neoliberalismo, o que importa não é o progresso, mas o mercado; não é a qualidade do produto, mas seu alcance publicitário; não é o valor de uso de uma mercadoria, mas o fetiche que a reveste.
Compra-se um produto pela aura que o envolve. A grife da mercadoria promove o status do usuário. Exemplo: se chego de ônibus na casa de um estranho e você desembarca de um BMW, acredita que seremos encarados do mesmo modo?
Para o neoliberalismo, não é o ser humano que imprime valor à mercadoria; ao contrário, a grife da roupa “promove” socialmente o seu usuário, assim como um carro de luxo serve de nicho à exaltação de seu dono. Passa a ser visto pelos bens que envolvem a sua pessoa.
Em si, a pessoa parece não ter nenhum valor à luz da ótica neoliberal. Por isso, quem não possui bens é desprezado e excluído. Quem os possui é invejado, cortejado e festejado. A pessoa passa a ser vista (e valorizada) pelos bens que ostenta.
O mercado é como Deus: invisível, onipotente, onisciente e, agora, com o fim do bloco soviético, onipresente. Dele depende a nossa salvação. Damos mais ouvidos aos profetas do mercado — os indicadores financeiros — que à palavra das Escrituras.
Idolatrias à parte, o mercado é seletivo. Não é uma feira-livre cujos produtos carecem de controle de qualidade e garantia. É como shopping center, onde só entra quem tem (ou aparenta ter) poder aquisitivo.
O mercado é global. Abarca os milhardários de Boston e os zulus da África, os vinhos da mesa do papa e as peles de ovelhas que agasalham os monges do Tibete. Tudo se compra, tudo se vende: alfinetes e afetos; televisores e valores; deputados e pastores. Para o mercado, honra é uma questão de preço.
Fora do mercado não há salvação — é o dogma do neoliberalismo. Ai de quem não acreditar e ousar pensar diferente! No mercado, ninguém tem valor por ser alguém. O valor é proporcional à posição no mercado. Quem vende ocupa maior hierarquia do que quem compra. E quem comanda o mercado controla os dois.
Mercado vem do verbo latino mercari, “trocar por algo”, que deu também origem a mercê, “o que se dá em troca de algo”, donde mercearia e mercenário. Comércio vem de “com mercê”, com troca. Portanto, é dando que se recebe. Quem não tem capital, produtos ou saber para oferecer no mercado, só entra ofertando a força de trabalho, o corpo ou a imbecilidade (vide TV aos domingos).
O mercado tem suas sofisticações. Não fica bem dizer “tudo é uma questão de mercado”. Melhor o anglicismo marketing, que significa “ciência do comércio”. É uma questão de marketing o tema da telenovela, o sorriso do apresentador de TV, o visual do candidato e até o anúncio do suculento produto que prepara o colesterol para as olimpíadas do infarto. Vende-se até a imagem primeiromundista de um país atulhado de indigentes perambulando pelos sertões à cata de terra para plantar.
Outrora, olhava-se pela janela para saber como andava o tempo. Hoje, liga-se o rádio e a TV para saber como se comporta o mercado. É ele que traz verão ou inverno às nossas vidas. Seus arautos merecem mais espaço que os meteorologistas. Dele dependem importações e exportações, inversões e fugas de capitais, contratos e fraudes.
Nem todos merecem o mesmo status no mercado. Freguês, quitandeiro ou barraqueiro é quem trabalha no mercado de alimentos. Executivo ou investidor, quem opera no mercado financeiro. Marchand, quem atua no mercado de arte. Corretor, quem agencia no mercado imobiliário. Sujeito de sorte, quem hoje se encontra no mercado de trabalho, ainda que condenado ao salário-mínimo. E quem opera no mercado de capitais? Especulador. Mas quem ousa apresentar-se com tal marketing?
É no mínimo preocupante constatar como, hoje, se enche a boca para falar de livre mercado e competitividade, e se esvazia o coração de solidariedade. A continuar assim, só restarão os valores da Bolsa. E em que mercado comprar as nossas mais profundas aspirações: amor e comunhão, felicidade e paz?
O mercado desempenha, pois, função religiosa. Ergue-se como novo sujeito absoluto, legitimado por sua perversa lógica de expansão das mercadorias, concentração da riqueza e exclusão dos desfavorecidos. Já reparou como os comentaristas da TV se referem ao mercado? “Hoje o mercado reagiu às últimas declarações do líder da oposição”. Ou: “O mercado retraiu-se diante da greve dos trabalhadores”.
Parece que o mercado é um elegante e poderoso senhor que habita o alto de um castelo e, de lá, observa o que acontece aqui embaixo. Quando se irrita, pega o celular e liga para o Banco Central. Seu mau humor faz baixar os índices da Bolsa de Valores ou subir a cotação do dólar. Quando está de bom humor, faz subir os índices de valorização das aplicações financeiras.
Para Jesus, “ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mateus 6, 24). Mas quem se interessa em servir a Deus se ele é invocado pelo fundamentalismo de Bush e Bin Laden? Enquanto os senhores da guerra tomarem o Seu Santo Nome em vão, estaremos distante da tão almejada paz.

Frei Betto é escritor, autor de “Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Ática), entre outros livros.



http://www2.uol.com.br/debate/1314/colunas/colunas03.htm

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