sábado, 16 de outubro de 2010

O perigo da radicalização política

Por que não devemos nos deixar influenciar pelo obscurantismo

Por Rodrigo A. Correia


A revista Bussinessweek trata em sua edição desta semana de um tema bastante interesssante e controverso: “Por que o empresariado não confia no Tea Party”. O Tea Party é um movimento político norte-americano pretensamente apartidário, mas que na prática apresenta-se como a extrema direita do partido Republicano. É o “o não-partido mais direitista no cenário político americano”.

O Tea Party apresenta-se como um grupo que representa as pessoas comuns, propondo uma retomada dos valores tradicionais da democracia americana, entretanto, segundo Lucas Mendes, colunista da BBC radicado nos EUA, o movimento é sustentado por bilionários conservadores, interessados em confrontar Barack Obama e sua política social. Outra fonte de apoio são as empresas de mídia, interessados em expressar seus pontos de vista de ultra-direita como a Fox News, do empresário Rupert Murdoch. Tanto a farta distribuição de recursos por parte do Big Business quanto o apoio incondicional da mídia mais conservadora têm marcado a tônica da ascenção deste movimento.

Uma característica marcante do Tea Party é o envolvimento em casos de violência e corrupção, além do radicalismo de suas posições políticas. Christine O'Donnel, por exemplo, a candidata apoiada pelo Tea Party para o senado em Delaware, tem um histórico de desfalques e calotes, além de um controverso passado “bruxaria” na universidade... Ainda segundo Lucas Mendes, na coleção de caricaturas do Tea Party temos Sharon Angle, candidata ao Senado por Nevada, que promete acabar com a Previdência Social, e a assistência médica para idosos, e Carl Paladino, candidato a governador de Nova York, que até agora era mais famoso pelas amizades suspeitas e pelos e-mails pornográficos e racistas. A lista segue com inúmeros outros exemplos.

Sarah Palin, a grande estrela do Tea Party, e famosa pela capacidade de autopromoção, é um dos diversos membros do movimento conservador a conseguir emprego na Fox News, num fenômeno que marca uma interessante inversão de valores: ao invés de a imprensa apoiar (ou trabalhar para) o movimento ou partido, são os atores políticos que tornam-se funcionários da imprensa.

Citando o caso das eleições na Carolina do Sul, a Businessweek descreve como o candidato ao governo do Estado, Nikki Haley, foi preterido pela “South Carolina Chamber of Commerce”, apesar de ele mesmo ser um homem de negócios e em tese ter o perfil ideal para ser apoiado pela instituição. As palavras-chave que levaram a Câmara de Comércio a negarem apoio ao candidato (apesar de seu favoritismo) foram justamente estas que vêm balançando o sistema político americano nos últimos anos: “Tea Party”. A radicalização conservadora e o discurso raivoso assustam o empresariado norte-americano que não tem postura politizada e não tem acesso tão direto ao poder. Só os milionários conservadores radicais apóiam o movimento.

As eleições brasileiras têm assumido contornos bastante parecidos, especialmente agora com o segundo turno das eleições presidenciais. A mídia nacional passou a apoiar abertamente o campo conservador e assumiu para si a tarefa de fazer de José Serra no novo presidente do Brasil.

Assim como o Tea Party, o movimento político informal criado em torno da candidatura Serra (mídia conservadora, neopentecostalismo, alas radicais do catolicismo, partidos dpolíticos de direita) adota uma postura radical e abraçou o obscurantismo como ferramenta política. A transformação do aborto da religião em grande tema do debate político nacional é uma demonstração clara disso.

Serra posa como paladino da família, da moral e da religião exatamente como o faz Sarah Palin. Outra similaridade interessante é o fato de que tornou-se difícil afirmar com certeza quem trabalha para quem. A coligação política PSDB-DEM, trabalha para a “coligação” informal Veja-Folha-Estadão, ou o oposto?

Assim como as caricaturas do Tea Party, o movimento que apóia José Serra conta com nomes de calibre como Paulo Preto, ex- diretor do Departamento Estadual de Rodovias S.A do Governo de São Paulo (Dersa) que segundo reportagem da ISTO É, montou um esquema de arrecadação de caixa dois para o tucano e fugiu com o dinheiro, e Aloysio Nunes, Senador eleito pelo estado de SP, que comprou apartamento com dinheiro “emprestado” por Paulo Preto. Tais informações são criminosamente sonegadas pelo bloco de mídia que comanda a coordenação da campanha tucana, enquanto o caso de nepotismo, envolvendo o filho da ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra foi explorado à exaustão, embora em nada estivesse relacionado com estas eleições.

Curiosamente, renegando seu passado de líder estudantil e de resistência contra o regime militar, José Serra adota uma postura tão radicalmente conservadora que poderia constranger os tradicionais membros da direita do DEM, antiga base de sustentação política do regime militar. Ao optar pelo fervor religioso de ocasião, pela prática do obscurantismo no debate sobre o aborto (apesar de sua própria esposa, segundo consta, ter abortado justamente por causa das dificuldades do casal em função da perseguição política e do exílio. A coreógrafa Sheila Canevacci Ribeiro ex-aluna de Mônica Serra, afirmou que em 1992 Mônica Serra discutia o tema em sala de aula e disse ter feito aborto ela mesma, fato confirmado por outras alunas do Instituto de Artes da UNICAMP), José Serra prestou um grande serviço ao atraso. Dificilmente o Brasil estaria preparado para a adoção do aborto como política pública de saúde, até porque não se consegue oferecer a contento nem mesmo serviço dentário. Oferecer esta “liberdade” para a mulher em relação ao próprio corpo, num país onde a violência doméstica ainda é endêmica, é um retrato da hipocrisia nacional no trato do tema. Certamente Dilma Roussef, como mulher sabe disso, e ao invés de criar clínicas abortivas, apoiará uma política de educação e valorização da mulher, seja ela ou não pessoalmente favorável ao aborto.

Ao renegar todas as conquistas democráticas daqueles que fizeram resistência tenaz ao regime militar e pagaram preço elevado pela liberdade do povo brasileiro, tachando injustamente Dilma Roussef de terrorista, Serra assume o mesmo discurso daqueles que o obrigaram ao exílio. Isso mancha sua própria biografia, expondo um traço de caráter (ou falta dele) que predispõe seu grupo político-midiático ao vale-tudo, à polarização de ódio.

O empresariado médio americano entendeu que é perigoso se colocar nas mãos de um grupo de fanáticos obscurantistas, que usam a religião, o medo, a ignorância e a desinformação como armas políticas.

Não estará na hora de toda a sociedade brasileira começar fazer o mesmo?



Rodrigo Alves Correia

Cientista político,
Professor do Curso de Relações Internacionais da UNESP Campus de Marília SP

Artigo publicado em : http://www.panoramamundi.com/2010/10/16/o-perigo-da-radicalizacao-politica/

Nenhum comentário: