sábado, 20 de agosto de 2011

TEMA DE REDAÇÃO PARA DISCUSSÃO EM AULA NOS DIAS 24 E 25 DE AGOSTO

Tomando como ponto de partida o conceito de utopia, as palavras de Zygmunt Bauman, um dos pensadores que mais têm produzido obras que refletem os tempos contemporâneos, e, considerando as ideias contidas na coletânea, escreva um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema:


A utopia é possível numa sociedade liquída?


I - Ao mesmo tempo em que o homem faz e pensa a história presente e a passada, ele sonha e projeta a história futura. Por isso é que ele é caracterizado como agente, ou melhor, sujeito histórico. Projetar a história rumo ao futuro ainda não realizado é uma das atividades vitais da práxis histórica do homem; nisso há um acordo geral. O problema está na radicalidade desse projetar o futuro da história. Quando a projeção desse futuro rompe o fio de continuidade da história corrente, quando a imaginação procura tomar o céu de assalto, quando a sociedade imaginada é em tudo diferente da sociedade real, temos então uma utopia. (Filosofia – iniciação à investigação científica, José Auri Cunha)

II - O conceito de utopia (...) passou a ser compreendido de diferentes maneiras no decorrer da história. Originalmente, a palavra provém do conceito grego ou-topos, que designa um “não-lugar” ou “lugar nenhum”. O escritor inglês Thomas Morus é quem, certamente, mais contribuiu para a difusão do termo, ao usá-lo para intitular sua obra mais famosa, indicando um território imaginário onde a sociedade por ele idealizada aboliu a propriedade privada e a intolerância religiosa, estando centrada nos valores da justiça e felicidade humana. Assim, o termo utopia passou a ser utilizado por muitos outros pensadores tanto para descrever “mundos ideais”, como A cidade do sol (Tommaso Campanella) e Nova Atlantis (Francis Bacon), como para designar o que já existia anteriormente com este significado no pensamento humano, como, por exemplo, A República de Platão. Confrontados com uma sociedade injusta e desigual “realmente existente”, muitos pensadores foram fundamentando sua crítica à “realidade” com base em uma projeção idealizada positivamente, uma idéia regulativa de mundo desejado. (Utopia e realidade, Antônio Inácio Andreoli) Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/056/56andrioli.htm

III - Diferentemente da sociedade moderna anterior, que chamo de "modernidade sólida", que também tratava sempre de desmontar a realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo está agora sendo permanentemente desmontado, mas sem perspectiva de alguma permanência. Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna: como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto-evidentes". Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições.
Como um exemplo dessa perspectiva, li outro dia que um famoso arquiteto de Los Angeles estava se propondo a construir casas que permanecessem lindas "para sempre". Ao ser perguntado o que queria dizer com isso, ele teria respondido: até daqui a vinte anos! Isso é "para sempre", grande duração, hoje. O que me interessa é, portanto, tentar compreender quais as conseqüências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano. Virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido. (Entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke) Em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702004000100015&script=sci_arttext

IV - Uma das características do que chamo de "modernidade sólida" era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.
Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.
Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas. Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem na Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculos aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, assim, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e a naturalização se tornam mais restritivas e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas.
Para confrontar sua condição existencial e enfrentar seus desafios, a humanidade precisa se colocar acima dos dados da experiência a que tem acesso como indivíduo. Ou seja, a percepção individual, para ser ampliada, necessita da assistência de intérpretes munidos com dados não amplamente disponíveis à experiência individual. E a sociologia, como parte integrante desse processo interpretativo — um processo que, cumpre lembrar, está em andamento e é permanentemente inconclusivo —, constitui um empenho constante para ampliar os horizontes cognitivos dos indivíduos e uma voz potencialmente poderosa nesse diálogo sem fim com a condição humana. (Entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke) Em: www.scielo.br


Coletânea


1. O possível não é o provável. Esse é o previsível, isto é, algo que podemos calcular e antever, porque é uma probabilidade contida nos fatos e nos dados que analisamos. O possível, porém, é aquilo criado pela nossa própria ação.É o que vem a existência graças ao nosso agir. No entanto, não surge como "árvore milagrosa" e sim como aquilo que as circunstâncias abriram para nossa ação. A liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias, nos permitem ultrapassá-la. (Convite à Filosofia. Marilena |Chauí)


2. A própria palavra utopia indica ruptura radical entre a ordem social vigente e a ordem social imaginada. Significa literalmente “lugar que não existe”, isto é, um ato pelo qual a imaginação cria admiráveis mundos novos. Porém é preciso esclarecer: o utopista não é simplesmente uma sonhador ingênuo, um contestador gratuito, um indivíduo desajustado em sua sociedade. Ele pode até ser muito bem ajustado do ponto de vista prático, profissional ou político, mas o que o caracteriza é que ele não está satisfeito com o grau de felicidade que a ordem social instituída garante. De fato, muito dos grandes utopistas, a começar por Platão (filho abastado da aristocracia ateniense), passando por Francis Bacon (lorde chanceler do rei Jaime I, da Inglaterra), ou mesmo Thomas More (criador do termo utopia, que também chegou a ocupar o cargo do governo britânico no tempo de Henrique VIII), foram homens que ocuparam lugar privilegiado nas sociedades em que viveram. Desse último se diz que “nesse posto trabalhava arduamente, varando noites para examinar com cuidado cada caso que se apresentava; de dia era acessível a todos, justíssimo juiz e verdadeiro amigo dos pobres”. Esses não são, pois, exemplos de homens ingênuos ou desajustados. (Filosofia – iniciação à investigação científica, José Auri Cunha)


3. Zygmunt Bauman – Para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A primeira é a forte sensação (ainda que difusa e inarticulada) de que o mundo não está funcionando adequadamente e deve ter seus fundamentos revistos para que se reajuste. A segunda condição é a existência de uma confiança no potencial humano à altura da tarefa de reformar o mundo, a crença de que “nós, seres humanos, podemos fazê-lo”, crença esta articulada com a racionalidade capaz de perceber o que está errado com o mundo, saber o que precisa ser modificado, quais são os pontos problemáticos, e ter força e coragem para extirpá-los. Em suma, potencializar a força do mundo para o atendimento das necessidades humanas existentes ou que possam vir a existir. (Entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke) Em: http://www.scielo.br


4.Vivemos uma época de imensas transformações no campo do relacionamento humano. Os atos de relacionamento político internacional são demonstrações do mais alto grau dessa nova situação. Isto é demonstrado de forma global pelos atos de terrorismo e de violência institucionalizada, que se efetua a nível das empresas transnacionais que impõem seus modelos econômicos e sua política de manipulação das necessidades e do imaginário histórico do povo. A situação atual criou um modelo unidimensional da moral nos mais variados sistemas. Esse modelo define-se nos princípios de gerenciamento dos bens públicos e por uma ideologia que se caracteriza por uma maximização e quantificação das atividades da vida humana pelas exigências dos múltiplos planos estratégicos, pela ideologia da qualidade total e pelo processo de mundialização. A mundialização impôs-se em pouco tempo como um lugar comum do debate público. Os conceitos mundialização e globalização são utilizados numa perspectiva para enumerar e denunciar vítimas do processo de exclusão social. No entanto, a história da última década exige muito para ser decifrada e para que se possam costurar todos os detalhes dessa etapa da história.Ainda continuamos a viver uma época de agonia das grandes utopias. E quando uma sociedade não é mais capaz de conceber e sustentar utopias, ela mostra-se doente. A utopia e o mito fazem parte essencial do individual e do coletivo humano. Somos muitas vezes tomados por um ceticismo utilitarista que transforma em ofensa os sonhos visões dos jovens, e considera como fraqueza humana a cultura da esperança. (Multiculturalismo: desafios para a educação na América Latina., Antônio Sidekum)
Em: http://www.uca.edu.sv/facultad/chn/c1170/sidekum.pdf


5. O "fim das utopias", no meu ponto de vista, se remete ao fim das lutas de classe e as tentativas de transformações sociais, ou estagnação delas, dessas lutas.
A clínica do quotidiano nos permite constatar que, efetivamente, uma série de paradigmas e valores de nossa sociedade, circunstâncias que se mantiveram relativamente estáveis no decurso de várias gerações que nos antecederam, são contestadas, modificadas e mesmo, substituídas por outros muito diferentes. Esta observação pode ser descrita como o "advento" da condição pós-moderna ou "a lógica cultural do capitalismo tardio" (Jamelson), ou seja, a etapa intermediária entre o "esgotamento" da modernidade e o período que a irá suceder e que não sabemos, exatamente, como será. (Fonte: http://www.rededemocratica.org)


6. (...)o oposto do pensamento utópico é o conservadorismo e o espontaneísmo. O conservadorismo afirma que, tal como é, a realidade histórica é boa, e deve ser mantida. O espontaneísmo afirma que, deixando a história entregue à sua própria lógica, ela, por si mesma, encontrará o seu destino bom. O utopista não aceita submeter-se nem a uma coisa nem a outra: ele exercita o pensamento, imagina situações novas, cria cenários impossíveis, e com isso força as coisas a acontecerem, acreditando que o homem não teria vindo ao mundo apenas para se sujeitar à ordem natural estabelecida, mas para, transgredindo o plano das continuidades causais e históricas, criar o “reino da liberdade” em universos desconhecidos.
(...) Aparentemente, as conquistas tecnológicas do homem o capacita a realizar qualquer sonho. No entanto, a miséria e a fome, isto é, a ausência de uma das mais primitivas liberdades, a liberdade de sobreviver, ainda é o que predomina. Para a grande maioria dos habitantes do planeta, o mínimo de condições dignas de vida ainda é um sonho. Então, por que se diz, citando John Lennon, um dos símbolos da contracultura dos anos 60, que o sonho acabou? (...) O sonho hoje é realizável, por isso acabou; isto é, já existem condições para liberdade, o problema é querer conquistá-la. (Filosofia – iniciação à investigação científica, José Auri Cunha)


7. Mário de Andrade, um dos fundadores do movimento modernista no Brasil, era muito claramente, um poeta da utopia. Ele propôs, através de sua poesia, a observação e a reinvenção do Brasil. Seu pensamento crítico era, ao mesmo tempo, ufanista e transformador, cheio de esperanças em relação a uma mudança de conduta da nação no que dizia respeito à cultura brasileira. Tomemos como exemplo dessa expressão poética, o poema O Rebanho, publicado em Pauliceia Desvairada (1922), contendo o renomado texto inicial “Prefácio Interessantíssimo” e diversos poemas cuja temática é a vida do indivíduo em uma cidade como São Paulo. (O pensamento utópico na poesia modernista: MÁRIO DE ANDRADE E T.S. ELIOT, Priscilla Pellegrino de Oliveira - Mestranda em Literaturas de Língua Inglesa- UERJ)


8. Se as coisas são inatingíveis... ora! / não é motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos, se não fora/ mágica presença das estrelas! (Das utopias, Mário Quintana)


9. "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar" (Eduardo Galeano).


10. não era esta a independência que eu sonhava / não era esta a república que eu sonhava / não era este o socialismo que eu sonhava / não era este o apocalipse que eu sonhava (A marcha das utopias, José Paulo Paes)


11. (...) toda a realidade é uma construção social e, como tal, pode ser desconstruída e reconstruída. (...) Continuamos, portanto, a afirmar "um outro mundo é possível!” (Pelo resgate da Utopia. Em: www.espacoacademico.com.br)



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