segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

“Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração."


A minha intenção hoje era apresentar uma lista de livros que para mim são verdadeiros tesouros. Contudo, sem abandonar o propósito inicial, decidi que, antes da apresentação da referida lista, era preciso escrever algo que introduzisse essa apresentação.
Eis, então, que me lembrei de que, há anos, copiei um trecho de Monteiro Lobato dizendo exatamente o que eu gostaria de dizer hoje: “Todos nós (...) temos o vago sonho de encontrar um livro que nos seja como uma casa definitiva – a casa de sonho que procuramos.”
E, diante disso, adiei a lista de livros para a próxima semana. Nesta, transcrevo emocionada não só a frase acima, mas também o texto – uma carta – em que ela está inserida. Encontrar esse trecho, copiado num outubro distante foi, simbolicamente, o meu melhor presente de Natal. E, com vocês, compartilho-o. Feliz Natal!


S. Paulo, 3.6.1944.
Anísio,
Passou por aqui um engenheiro baiano, Nery, que muito me falou de você; e também um moço da livraria do Otales, que te levou meu abraço. Mas esta não é para nada disso. – nem para comentar a entrada americana em Roma, o grande fato do dia de hoje. É para te comunicar algo muito mais importante.
Todos nós, Anísio, temos o vago sonho de encontrar um livro que nos seja como uma casa definitiva – a casa de sonho que procuramos. Um livro no qual moremos, ou passemos a morar como um rato dentro de um queijo. Um livro que seja casa e comida. E se como D. João saltava duma mulher para outra em busca da única, ou da certa, nós vivemos como gafanhotos, a pular de livro em livro, é que nunca aparece o nosso livro. Quando Sto. Agostinho dizia temer o homem de um só livro, ele se referia ao perigo que é o homem que encontra o seu livro.
Pois creio que encontrei o Meu Livro – o queijo para casa e comida do rato velho que sou. E chama-se A Grande Síntese, de Pietro Ubaldi. (…) Temos de lê-lo de rabo a cabo – começando pelo fim. Estou a vagar no alto mar desse livro e tonto, deslumbrado, maravilhado!(…) E leia-o como estou fazendo: sem pressa nenhuma, com a simpatia aberta como uma flor; leia-o digerida e traduzidamente, isto é, retraduzindo mentalmente em palavras tuas, ou mais próprias, os períodos que o tradutor obscurece com seu excesso de bom português. Estou ainda pouco avançado na leitura tanto me deslumbro e paro pelo caminho; e tenho um medo imenso de que com você não se dê a mesma coisa. Mas há-de dar-se. Impossível que você não veja o que esse livro é. E sabe que A Grande Síntese está cá em casa há quase dois anos, e só agora eu a descobri? Purezinha morou nela todo esse tempo, e foi essa persistência que me atraiu a atenção. Abri-a ao acaso, comecei a lê-la… e eis-me evangelizante! Eis-me a escrever ao Anísio para que a leia também. Por que ao Anísio e não a outro qualquer? Porque você é a inteligência pura, Anísio, e tenho a certeza de que a tua opinião sobre o livro pode coincidir com a minha – e que glória para mim por tê-la indicado?
Mas se acaso seguires meu conselho e leres A Grande Síntese, não quero que me escreva logo após a leitura – e sim um ano depois; isto é, depois que a leitura amadurecer, como os vinhos…
Adeus. (...) Mil abraços do
Ass. LOBATO

Profª Márcia Garcia
Mestre em Letras e Especialista em Literatura e Ensino de Literatura pela UNESP. Professora de Gramática, Literatura e Redação no CENAPHE (Centro de Aperfeiçoamento Humano Educacional Profª Márcia Garcia).
e-mail: marciaagarcia@yahoo.com.br

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