quinta-feira, 4 de outubro de 2012

MORRE, AOS 95 ANOS, O HISTORIADOR ERIK HOBSBAWM

Um projeto e muitos Hobsbawm

Morreram vários Eric Hobsbawm. O que uniu este homem de tantas faces que escreveu durante décadas, tendo sido capaz de se reinventar ao longo de sua extensa trajetória? Certamente foi a defesa de um “engajamento legítimo”, de um historiador marxista que assumiu sua filiação teórica, tanto em condições históricas favoráveis, quanto em períodos em que o marxismo se tornou a “Geni” dos intelectuais. Muitos abandonaram o barco. Ele preferiu continuar a produzir o que mais sabia fazer: livros de história. Ao fazer isso, fez História e deixou uma marca indelével do que há de melhor no marxismo do século XX e XXI. Duvidam? Leiam o seu último trabalho: Como mudar o Mundo.
Muito se fala sobre a sua quadrilogia, mas vale a pena explicar que ela não é um todo monolítico. As Era da Revolução e Era do Capital não têm a mesma leveza que terão os livros seguintes: Era dos Impérios e Era dos Extremos. Os dois primeiros, escritos respectivamente em 1962 e 1975, carregam o peso de uma síntese com excesso de dados factuais, prisioneiros de uma época, onde o acesso à informação ainda era muito limitado às bibliotecas. Hobsbawm tem ali a ânsia de tudo explicar e às vezes se perde nos detalhes e pouco explica; principalmente para o leitor não europeu. Os dois outros livros, Era dos Impérios e Era dos Extremos, escritos em 1987 e 1994, são marcados por uma renovação de estilo do autor. Ele continua a nos deixar desconfortáveis (não poderia ser de outra maneira), mas já encontra uma forma mais sutil para nos dizer “como o gato subiu no telhado”. Em a Era dos Extremos temos – a meu ver – a melhor síntese já produzida sobre o século XX. Mesmo o não marxista mais convicto o lê, ainda que de portas trancadas, num sábado à noite. É sem dúvida, uma lição de história e de erudição.

Tantos Hobsbawm
Mas há tantos Hobsbawm que não vale a pena tentar falar de todos. Mas é possível falar de alguns. Em 1959, ele escreveu um livro intitulado: Rebeldes Primitivos. Nesta obra, traduzida para o português em 1965, o autor procurou estudar o que chamaria das formas arcaicas dos movimentos sociais dos séculos XIX e XX e que ele consideraria como movimentos pré-políticos, como os bandidos, a máfia, os anarquistas, o comunismo camponês e as seitas operárias. Na ocasião, ele identificou que aqueles movimentos sociais respondiam à introdução do capitalismo no campo, criando e fortalecendo laços de parentesco ou solidariedade tribal para responder à desorganização social provocada pelo processo de institucionalização do que se convencionou chamar de individualismo agrário.
Alguns anos mais tarde, Hobsbawm voltaria ao tema, agora mais centrado na questão do banditismo. Em 1969, ele publica Bandidos, traduzido no Brasil em 1975. Símbolo da resistência e da rebeldia dos mais pobres em face à riqueza e opressão dos fazendeiros ricos, os bandidos sociais podem se expressar na consagrada figura de Robin Hood, como um ladrão nobre que rouba dos ricos para dar aos pobres. Mas é preciso atentar as diferenças entre o mito que se constrói em seu entorno e a dinâmica de opressão que o bandistismo impõe numa sociedade camponesa. Ao introduzir o tema ainda em 69, com vários exemplos de bandidos presentes na Itália do século XIX, no México e no Brasil de Lampião, no início do século XX, este autor egípcio traz à luz um tema praticamente inédito naqueles anos. A historiografia brasileira e latino-americana deve muito a estas primeiras abordagens sobre a rebeldia popular. É verdade que muitos hoje negam a história da história dos estudos sobre os protestos populares e há muita gente por aí “reinventando a roda”, mas as novas reedições não nos deixam enganar. Como em qualquer obra, elas respondem às questões de uma época, mas como textos clássicos, elas inauguraram novas perguntas e inquietações dos historiadores. Logo, é sempre bom relê-las. Naquele mesmo ano de 1969, Hobsbawm escreveria, juntamente com George Rudé, a obra Capitão Swing, sobre o protesto camponês na Inglaterra do início do século XIX; outro exemplo notável de pesquisa histórica.

Invenção das Tradições

Entre tantos Hobsbawm, escolho mais um, o que organizou, juntamente com Terence Ranger o livro: A Invenção das Tradições, publicado pela primeira vez em 1983 e traduzido para o português no ano seguinte. Os não marxistas ficam desconfortáveis com este trabalho, pois tanto a introdução quanto o último capítulo são de autoria de Hobsbawm e são de uma erudição desconcertante. É certo que nem sempre ele acertou em seus estudos sobre o nacionalismo, e reconheceu isso. Quando em 1991, publicou Nações e Nacionalismo, ele sugeriu, nas últimas linhas deste belíssimo trabalho, que a fase do apogeu do nacionalismo já havia passado. O livro era o resultado das conferências que havia feito em Belfast em 1985. Logo depois, os acontecimentos de fins do século redesenharam – mais uma vez - a complexa relação entre globalização e nacionalismo. Os jornalistas foram atrás dele e lhe cobraram explicação. Hobsbawm não se fez de rogado: assumiu a incompletude das discussões sobre o nacionalismo e deu uma aula de erudição!
Revolução Francesa
Ousado, ele ainda escreveu um livro sobre historiografia da Revolução Francesa em Ecos da Marselhesa, publicado em 1990. Ali, ele assumiu não ser nenhum especialista em Revolução Francesa, mas colocou a maioria dos especialistas “no chinelo”. Atreveu-se a discutir um tema caro aos franceses e publicamente descortinou o seu enfrentamento com os historiadores que negavam a importância da Revolução Francesa para a humanidade. Mais uma lição: desta vez, de análise historiográfica.
Este autor era mesmo genial. Foi embora, já cansado, mas deixou uma obra simplesmente memorável
(Por Márcia Maria Menendes Motta. Revista Caros Amigos. Outubro/2012)

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Hobsbawm botou pilha na minha utopia

Ouvi agora de manhã na Globo News uma entrevista que o repórter Silio Boccanera fez com Eric Hobsbawm, o historiador que tornou acessível aos comuns mortais a rebuscada linguagem acadêmica da historiografia. Nenhum outro intelectual marxista criticou com tanta propriedade (e veemência) o socialismo soviético e com tanta profundidade (e contundência) o capitalismo globalizado. Um único pensamento, expressado em outra entrevista à Globo News, mas desta feita ao Geneton de Morais, foi suficiente pra nos remeter ao descaminho trilhado por um e ao verdadeiro grau de perversidade encarnado pelo outro. Mas , tão dialético quanto didático, ele nos tranquilizava quanto a importância da utopia:
“O pecado capital do capitalismo é a injustiça social. O pecado capital do socialismo foi a falta de liberdade. Mas ainda há um vasto espaço para o sonho”

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Hobsbawm deixa obras essenciais para a história, diz professor

Um dos intelectuais mais influentes do século XX, o historiador britânico Eric Hobsbawm morreu nesta madrugada em Londres, aos 95 anos. Ele deixa para trás uma vasta obra, considerada essencial para a compreensão da história atual. Luiz Dario Teixeira Ribeiro, professor de história contemporânea na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), descreve algumas obras do historiador - tais como a série A Era das Revoluções, Era do Capital, A Era dos Impérios e a Era dos Extremos - como fundamentais para o estudo da história contemporânea.
"Hobsbawm tem uma visão metodológica muito clara. Embora seja marxista, não se prende ao 'economicismo'. Ele traz uma história total, se preocupa com a totalidade da sociedade", afirma o professor. Ribeiro diz que, em parte por isso, os estudantes são "admiradores incondicionais" da obra do historiador. "Os alunos, muitas vezes, buscam seguir Hobsbawm como modelo, talvez também pela independência que ele tinha - apesar de não ter abandonado suas posições políticas fundamentais", assinala. Ribeiro menciona ainda o livro Invenção das Tradições, que, para ele, não pode ser deixado de lado na história contemporânea, por trazer a crítica das tradições existentes, além das obras Rebeldes primitivos e Bandidos.
Os quatro volumes da série mencionada por Ribeiro são considerados definitivos para a história dos séculos 19 e 20, abordando a trajetória europeia da Revolução Francesa à queda da União Soviética, entre outras obras. A publicação de Era das Revoluções dá início à análise, que abrange o período de 1789 a 1848. Na sequência vêm A Era do Capital (1848-1875) e A Era dos Impérios (1875-1914). As três obras abrangem o que ele denominou "o longo século 19". Em 1994 publicou A Era dos Extremos, que abrange o período subsequente à Revolução Russa de 1917 e que vai até queda do regime soviético, em 1991. O livro sobre o "breve século 20" foi traduzido para quase 40 línguas e recebeu prêmios internacionais.
No site do jornal britânico “Guardian”, o historiador Niall Ferguson lamentou a morte de Hobsbawm, de quem era amigo. Ele destaca que os dois eram de pólos políticos opostos e que ficou desapontado ao ler a autobiografia de Hobsbawm, na qual esperava que houvesse algum remorso pela decisão de se manter membro do Partido Comunista mesmo após a exposição dos crimes de Stálin. "Suas visões políticas não o impediram de ser um historiador verdadeiramente grande. Eu continuo crendo que sua tetralogia segue como a melhor introdução à história do mundo moderno em inglês", afirma, apontando que Hobsbawm nunca foi "escravo da doutrina marxista-leninista".
Ainda no jornal britânico, o também historiador David Priestland afirma que Hobsbawm é, entre todos os historiadores marxistas britânicos, " o autor mais lido atualmente, e isso é uma marca de sua extraordinária flexibilidade intelectual". Para Priestland, o historiador "reformulou o modo como os historiadores olham para o passado".
A professora de história Catherine Merridale, da Universidade de Londres, define Hobsbawm como um historiador brilhante. "Para um grupo de leitores, as gerações de estudantes que usaram suas obras como livros didáticos, a clareza e o dinamismo de sua escrita era muito mais importante do que a sua mensagem ideológica", acredita. "A maioria dos historiadores são, por natureza, escritores ou novelistas. Eric Hobsbawm era os dois", descreve o historiador Roy Foster.
Veja algumas frases de Hobsbawm destacadas pelo Guardian:
Sobre a carreira acadêmica: "Todo historiador ou historiadora tem seu tempo de vida, um poleiro privado do qual se examina o mundo. Meu próprio poleiro é construído, entre outros, de uma infância na Viena de 1920, os anos de ascensão de Hitler em Berlim, que determinou minha posição política e meu interesse em história, e a Inglaterra, e especialmente a de Cambridge, de 1930, que confirmou ambos." - 1933, aula em Creighton
Sobre história: "A história está sendo inventada em grandes quantidades... é mais importante ter historiadores, especialmente historiadores céticos, do que jamais foi." - entrevista ao Observer em 2002
Sobre comunismo: "Eu fui um membro leal do Partido Comunista por duas décadas antes de 1956 e, portanto, silenciei sobre uma série de coisas sobre as quais é razoável não ficar em silêncio." - entrevista dada em 2002
Sobre socialismo e capitalismo: "Impotência, portanto, enfrenta tanto aqueles que acreditam no que equivale a um puro capitalismo de mercado, sem Estado, uma espécie de anarquismo burguês internacional, e aqueles que acreditam em um socialismo planejado não contaminado por fins lucrativos privados. Ambos estão falidos. O futuro, como o presente e o passado, pertence a economias mistas nas quais público e privado estão juntos de uma forma ou outra. Mas como? Este é o problema para todos, atualmente, mas principalmente para aqueles à esquerda." - em artigo no Guardian, em 2009
Sobre a guerra no século 20: "Eu vivi a 1ª Guerra Mundial, quando de 10 a 20 milhões de pessoas foram mortas. Na época, os britânicos, os franceses e os alemães achavam que era necessário. Nós discordamos. Na 2ª Guerra, 50 milhões morreram. O sacrifício valeu a pena? Eu, francamente, não posso encarar a ideia de que não valeu. Eu não posso dizer que teria sido melhor que o mundo fosse dirigido por Adolf Hitler." - perfil no Guardian, em 2002
Sobre a guerra no século 21: "Uma previsão tímida: a guerra no século 21 não é susceptível a ser tão mortífera quanto era no século 20. Mas a violência armada, criando sofrimento e perda desproporcionais, seguirá onipresente e endêmica - ocasionalmente epidêmica - em grande parte do mundo. A perspectiva de um século de paz é remota." - artigo publicado no Counterpunch em 2002
Sobre as prateleiras de seu quarto de escrever: "A maioria delas, no entanto, está cheia de edições estrangeiras dos meus livros. Seus números me surpreendem e agradam, e continuam chegando na medida em que novos títulos são traduzidos e alguns mercados de vernáculos frescos - hindi, vietnamita - se abrem. Como eu não posso ler a maioria deles, eles não servem de nada além de como um registro bibliográfico e, em momentos de desânimo, como um lembrete de que um velho cosmopolita não falhou inteiramente em 50 anos tentando comunicar a história aos leitores do mundo." - artigo publicado no Guardian, em 2008.
(Luiz Dario Teixeira Ribeiro, professor de história contemporânea na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Disponível em: http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI6194189-EI8266,00-Hobsbawm+deixa+obras+essenciais+para+a+historia+diz+professor.html)

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PROGRESSOS E RETROCESSOS DA HISTORIOGRAFIA
Por Cristiano Catarin



Introdução
Diante das transformações mundiais registradas em ritmos cada vez mais acelerados, diante da renovação das “permanências”, dos valores e ações do homem, diante do resgate do tempo e do espaço, a escrita da história depara-se com um novo desafio e uma feliz proposta disposta a abordar as mais diversas intervenções do homem ou dos homens em diferentes períodos e circunstâncias, sem privilegiar personagens “ilustres”. Existe uma tendência consciente e decidida em problematizar e considerar as relações estabelecidas também no passado das resistências, das manifestações, dos personagens “iletrados”. Essa tendência procura visitar o “instante” e o “momento”, objetivando o sentido do tempo e das manifestações do homem neste mesmo tempo em relação á outros tempos.

Um passado sem futuro

A história positivista defendida por F. Simiand e P. Lacombe no século XIX representava e considerava o passado imutável, disposto a valorizar dimensões políticas e grandes personagens históricos da humanidade, era a chamada “história oficial”. Esta teoria positivista desconsiderava também as mudanças e inovações ocorridas, de maneira dinâmica, no âmbito privado. A história positivista e “tradicional” sempre buscou e defendeu uma representação unilateral do real e da “verdade histórica”. Uma nova tendência, uma nova maneira de se registrar a história percebeu-se que a dimensão positivista não dá conta de ampliar os elementos que estão envolvidos nos processos históricos.
A história positivista, factual e tradicional do século XIX mostrou-se insuficiente para atender os objetivos da atual produção historiográfica. O historiador Marc Bloc sempre defendeu a consideração e existência de um passado mutável e problemático, que, por meio da investigação histórica, permite representar (pesquisar) o homem agindo dentro de seu tempo ou tempos.
Bloch foi um dos precursores a defender uma nova formatação da pesquisa histórica por meio da chamada “Nova História”, considerando novas forças e uma nova visão do passado que não está alienado da interpretação, pois tem sim um sentido e diferentes representações a serem trabalhadas pelo historiador contemporâneo.
Uma nova abordagem histórica
Para o historiador Marc Bloch o passado deve ser abordado de outra maneira, valorizando outros elementos que compõe a história. O homem é um personagem histórico que não é imutável e sim dinâmico em seu tempo. A história positivista não considera relevante o contexto histórico inserido em diferentes personagens e representações do fato e sim numa única versão ou única “verdade”.
A revista dos annales criada por Bloch e Lucien Febvre ganhou sua primeira edição em 1929, “dando origem a um novo movimento de renovação da historiografia francesa e que está na base do que hoje chamamos de [nova história]”. Trata-se também de uma nova maneira de registrar e interpretar a história, trabalhando com múltiplas representações. A renovação caminha ao lado da inovação, ambas precisam constantemente consultar a história para serem bem sucedidas em seus objetivos de representar as “mudanças” e também o futuro.

A história para “todos”
A historiografia contemporânea felizmente está demonstrando disposição para a consideração de uma amplitude de temas. A escrita da história está ganhando novos espaços e também novos instrumentos, estabelecendo, por exemplo, diálogos interdisciplinares com outras importantes áreas do o conhecimento como a sociologia, a antropologia, a física, a economia, a geografia, etc. Esta dimensão reúne a capacidade de formatar um processo de investigação cada vez mais apurado e consciente do passado histórico, valorizando diferentes elementos da cultura humana no âmbito público e privado. As tendências da historiografia contemporânea estão revelando que a história do “outro” também contém significados e representações muito relevantes para compreensão do processo e “recorte” das ações do homem no tempo.
Esta preocupação historiográfica apresenta novos métodos de abordar o passado e suas múltiplas representações e integrações intelectuais, compondo a chamada “história cultural”.
Para o historiador Ronaldo Vainfas a história cultural “não recusa de modo algum as expressões culturais das elites ou classes [letradas], mas revela especial apreço, tal como a história das mentalidades, pelas manifestações das massas anônimas: as festas, as resistências, as crenças heterodoxas...”.
Vainfas diz ainda que este gênero historiográfico representa um refúgio da história das mentalidades, abordando a consideração do “mental”, sem contudo, desconsiderar a história como disciplina ou ciência, procurando corrigir os defeitos teóricos, segundo ele, deixados pela história das mentalidades. Para Vainfas a história cultural “... revela uma especial afeição pelo informal e, sobretudo, pelo [ popular]”.

A dinâmica do passado
Falar de história sempre implica em grande responsabilidade e, sobretudo, cautela frente às novas tendências historiográficas e novos elementos que vem sendo abordando e incorporando historicamente.
Quem já não se deparou com a frase: a história é a ciência que estuda o passado para melhor compreender o presente, talvez na tentativa de não cometer os mesmos erros do passado no futuro.
Para o historiador Marc Bloch esta afirmação é pobre e incorreta. Limitar a história ao conhecimento e deslocamento ao passado não explica a complexidade contida na abordagem das mudanças proferidas pelo homem, ou pelos homens, no tempo ou nos períodos. Qualquer vestígio de alteração provocada por um ato social, por menor que este seja, compromete-se com a história. Bloch diz ainda que “a própria idéia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto de ciência é absurda. Como, sem uma decantação prévia, poderíamos fazer, de fenômenos que não tem outra característica comum a não ser não terem sido contemporâneos, matéria de um conhecimento racional?”
A aceitação e consideração de “todos” os elementos contidos numa representação do passado é uma característica das tendências da historiografia contemporânea. A chamada história cultural trás para si um sólido comprometimento com os paradigmas e transformações do passado, desconstruindo uma abordagem imutável e pobre de significados.
Para Hobsbawm “o passado é uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana.” Hobsbawm entende ainda que o historiador tem a responsabilidade de abordar a origem do “sentido do passado”. Esta responsabilidade empregada ao historiador revela a necessidade da utilização das considerações da história cultural. Por outro lado, isto não significa uma desconsideração por completo da história positivista ou tradicional. A história cultural tem a capacidade de considerar tais elementos (que eram abordados frequentemente) e ampliar a “esfera” de significados que permeiam as representações do passado histórico.
Apesar do ritmo avassalador das mudanças contemporâneas, o passado, segundo Hobsbawm ainda é uma ferramenta fundamental para lidar com tais mudanças, porém, de uma nova forma. O passado (se converte) “na descoberta da história como um processo de mudança direcional, de desenvolvimento ou evolução”.

A história e o futuro
A inovação beneficia-se da história para elaboração do processo de significados e também da estruturação da forma do futuro.
Para Hobsbawm a história é dinâmica de tal forma que consegue reunir a capacidade de colaborar com previsões teleológicas. Por mais dinâmico e acelerado que sejam os ritmos da humanidade contemporânea que tem alcance a altíssimos níveis de tecnológica, ainda assim, as estruturas intelectuais recorrem à história como mecanismo imprescindível na elaboração e re-elaboração de significados e representações do real. Há história em toda ação social, independente do ritmo aplicado conseqüente duma transformação de curta ou longa duração.
Concomitante a esta apresentação, não deixa de ser intrigante o fato de procuramos entender a história como instrumento de apoio na “previsão” de aspectos futuros. Vejamos o que o historiador Eric Hobsbawm diz a respeito:
“ ..., passado, presente e futuro constituem um continuum. Todos os seres humanos e sociedades estão enraizados no passado – o de suas famílias, comunidades, nações ou outros grupos de referencias, ou mesmo de memória pessoal – e todos definem sua posição em relação a ele, positiva ou negativamente. Tanto hoje como sempre: somos quase tentados a dizer “hoje mais que nunca”. E mais, a maior parte da ação humana consciente, baseada em aprendizado, memória e experiência, constitui um vasto mecanismo para comparar constantemente passado, presente e futuro. As pessoas não podem evitar a tentativa de antever o futuro mediante alguma forma de leitura do passado. Elas precisam fazer isto. Os processos comuns da vida humana consciente, para não falar das políticas públicas, assim o exigem. E é claro que as pessoas o fazem com base na suposição justificada de que, em geral, o futuro está sistematicamente vinculado ao passado, que, por sua vez, não é uma concatenação arbitrária de circunstancias e eventos. As estruturas das sociedades humanas, seus processos e mecanismos de reprodução, mudança e transformação, estão voltadas a restringir o numero de coisas passiveis de acontecer, determinar algumas das coisas que acontecerão e possibilitar a indicação de probabilidades maiores ou menores para grande parte das restantes.”

Considerações finais
Os rumos anunciados pela historiografia contemporânea estão gerando expectativas consistentes para historiadores favoráveis as abordagens estabelecidas pelo gênero, por exemplo, da história cultural. Alguns estudiosos mencionam um retorno da narrativa. Para o historiador Ronaldo Vainfas a história sempre foi uma narrativa, independente das opiniões recentes de pesquisadores acadêmicos. O fato é que a história está acumulando, com o passar do tempo, maior credibilidade e estrutura metodológica.


Bibliografia de apoio


HOBSBAWM, Eric (1997) Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras
BLOCH, Marc (2001) Apologia da História ou Oficio de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor
CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.) [1997] Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus

(Disponível em: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=950)

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