terça-feira, 17 de maio de 2011

O DRAGÃO CHINÊS E O MUNDO PÓS-AMERICANO (I)

TEXTO 1. Na China, petição vira última esperança


Todos os anos, 12 milhões de chineses tentam obter justiça apresentando requerimentos que denunciam arbitrariedades em suas vilas


Reportagem na íntegra: http://digital.estadao.com.br/download/pdf/2011/04/24/A14.pdf



TEXTO 2. A América Latina não é a África


Convencer os chineses de que a América Latina não é a África é um dos grandes desafios de empresas e governos da região interessados em atrair investidores do país asiático, que não estão acostumados com o modelo de negócios praticado no Brasil e muitos de seus vizinhos.

A fórmula de atuação do país asiático em outras nações em desenvolvimento é dada pela África, onde o governo da China entra com financiamento e exige em troca que suas empresas realizem as obras e forneçam máquinas, materiais e muitos dos trabalhadores necessários para sua execução. Não há licitações e toda a relação é feita de governo a governo. Na maioria dos casos, o dinheiro do financiamento nem sai da China e é transferido diretamente para as empresas do país responsáveis pelas obras ou venda de equipamentos.

“Os chineses tendem a olhar para a América Latina e comparar a região com a África e nós não gostamos disso. Eles têm que jogar pelas regras do jogo da América Latina”, afirmou Vladimir Kocerha, conselheiro econômico e comercial do consulado do Peru em Xangai, durante seminário sobre investimentos chineses na região encerrado hoje em Pequim.

Entre as diferenças, uma das maiores é a existência de empresas nacionais fortes, capazes de realizar as obras normalmente executadas pelos chineses na África. A preferência por negócios entre Estados é outra. “Se há problemas, os chineses falam com o governo local. Se isso não funciona, pedem para o governo chinês falar com o governo do país onde investiram”, falou o advogado Xiangyang Ge, sócio do escritório Mayer Brown JSM.

“É preciso quebrar esse modelo governo a governo. Os chineses precisam falar com o setor privado”, falou da plateia Ian Monteiro de Andrade, da Camargo Corrêa. Bernardo Guillamón, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), disse que os chineses não estão acostumados a trabalhar com o modelo de concessões de serviços públicos adotado na América Latina e esperam sempre obter uma garantia soberana para suas operações. “Nós estamos ajudando os investidores chineses a compreenderem o ambiente regulatório da região, porque sem isso não haverá negócios.”

O vice-gerente da China Communications Construction, Chang Yunbo, pediu aos ouvintes que o ajudem a construir instituições que permitam a empresa a investir na região, sobretudo no Brasil. Segundo ele, “dinheiro não é problema”. A grande barreira é o modelo de negócios. “Nós temos dinheiro abundante e barato, mas temos dificuldade em lidar com o setor privado, porque estamos costumamos a fazer negócios com governos”, observou Chang. A China Communications Construction é um dos grandes conglomerados estatais do país e aparece na 341ª posição no ranking Global 500 da revista Fortune. Chang vê grandes possibilidades de investimento no setor de infraestrutura no Brasil, especialmente em razão da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. “O modelo de financiamento governo-governo é muito popular na China e foi usado com sucesso na África.”

O exemplo africano também foi citado na exposição do vice-presidente do Eximbank chinês, Zhu Xinqiang. “Usamos um modelo inovador na África para melhorar a infraestrutura da região e a América Latina e a África enfrentam os mesmos desafios.”
O advogado Ronaldo Veirano acredita que haverá choques culturais no processo de aproximação entre as duas regiões, que já ficaram claros no caso da construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico, para a qual os fornecedores chineses de equipamentos tentaram levar milhares de operários para o Brasil. “Obviamente, o governo brasileiro não aceitou.”

Os participantes reconheceram que há um processo de aprendizado e de compreensão das diferenças, que poderá reduzir o potencial de conflitos entre os dois lados. Kocerha citou o caso da estatal Chinalco, que comprou uma mina de cobre no Peru por US$ 2,4 bilhões no ano passado e tenta evitar os erros cometidos por mineradoras chinesas que entraram no país nos anos 90.

O caso clássico de estratégica desastrosa é o da Shougang, cuja presença no país é marcada por conflitos com trabalhadores. Segundo Kocerha, a Chinalco contratou peruanos para sua direção, levou em conta as expectativas da comunidade local e teve uma estratégia de comunicação.

Aproveitando o interesse da China Communications Construction pelo setor oficial, executivos da Caixa Econômica Federal (CEF) apresentaram à empresa uma lista de 80 projetos de infraestrutura para os quais estão buscando investidores. Luiz Carlos de Azevedo, representante da CEF no Japão, disse que a instituição criou um fundo de investimentos em participação para canalizar recursos a essas obras, que abrangem diversos setores.

Cláudia Trevisan. Estadão



TEXTO 3. Democracia e eleições com ‘características chinesas’


“Esta é uma eleição do Partido Comunista e não uma eleição americana”. A frase foi dita por um policial na semana passada no momento em que ele comandava a prisão de Liu Ping, desempregada e candidata independente ao Conselho de Representantes de sua cidade, na província de Jiangxi. Seu crime foi fazer campanha durante a eleição, algo absolutamente banal em vários lugares do mundo, mas inconcebível na “democracia com características chinesas”. Liu foi carregada pelos policiais e teve sua casa vasculhada.

Advogados chineses ressaltaram que não há nada na legislação do país que proíba candidatos de divulgarem seus nomes e propostas, mas o que menos conta quando os interesses do Partido Comunista estão em xeque é o que diz a lei.

A infeliz frase do policial se transformou de maneira instantânea em um hit da versão chinesa do Twitter, que é bloqueado no país. Chamada de Weibo (microblog), a ferramenta do site Sina tem 140 milhões de usuários registrados e, apesar da censura, se transformou em um importante canal de denúncia contra abusos de poder por autoridades desde que foi criado, em 2009.

É claro que o Weibo também está sujeito aos limites oficiais, o que se reflete no fato de que a frase “Esta é uma eleição do Partido Comunista e não uma eleição americana” foi deletada pelos censores e não podia mais ser encontrada ontem. Mas o nome “Liu Ping” continuava popular e havia se transformado em um símbolo da defesa dos direitos de voto dos cidadãos.

Contra todas as evidências, os líderes chineses repetem com frequência que seu país é uma democracia, diferente da ocidental, mas uma democracia. Entre os argumentos que utilizam estão os de que existem outros partidos além do Comunista (dos quais ninguém nunca ouve falar) e que há eleições para todos os órgãos de base da sociedade (realizadas em circunstâncias que restringem a liberdade de escolha dos eleitores, como os fatos recentes demonstram).

A mensagem implícita em “Esta é uma eleição do Partido Comunista e não uma eleição americana” é a de que nenhum resultado que contrarie os interesses dos ocupantes do poder é admissível. Os eleitores não precisam saber em quem estão votando, não há apresentação de propostas e tudo é absolutamente controlado pelo governo, que na China se confunde com o Partido. No fim, são “eleitos” aqueles previamente escolhidos pelos comunistas, que deixam mais uma vez clara sua falta de disposição para afrouxar o controle sobre o sistema político chinês.

Quanto a Liu Ping, ela continuava presa ontem, sob a suspeita de “esconder material de propaganda perigoso”, supostamente o mesmo que ela distribuía abertamente na porta do supermercado onde foi detida. A polícia revistou sua casa, confiscou o material “perigoso” e dois celulares. A eletricidade e a conexão de internet do local foram cortados.

Cláudia Trevisan. Estadão


TEXTO 4.Repórter explica influência doméstica na liderança global da China


Silvia Salek - Enviada especial da BBC Brasil a Pequim

A presidente Dilma Rousseff chega nesta segunda-feira a Pequim para a reunião do Bric, grupo que reúne os emergentes Brasil, Rússia, China e Índia e que passa a incluir também a África do Sul.

Mas, apesar do potencial crescente da nova entidade, os anfitriões já são muito maiores do que qualquer outro "Bric", vêm aumentando sua influência ao redor do mundo em um ritmo mais rápido do que se previa e caminham para assumir um papel de superpotência global.

Os indicadores econômicos são impressionantes. A China é hoje o país do mundo que mais exporta (após ultrapassar a Alemanha) e é o segundo que mais importa (ainda atrás dos Estados Unidos). Tem o maior superávit comercial e de conta corrente do mundo e detém um terço das reservas globais em moeda estrangeira (US$ 2,85 trilhões até o fim de 2010).

Tornou-se o principal parceiro comercial não apenas do Brasil, em 2009, como também de uma série de países e tem investimentos crescentes em mais de 80 nações que chegaram a US$ 59 bilhões em 2010.

O poder econômico do “Império do Meio” se tornou incontestável nos últimos anos, e as projeções são quase unânimes em apontar uma mudança do eixo econômico mundial para a Ásia, resultado do chamado “efeito China”.

Com a mudança histórica, cresce a expectativa de que o país vá também exercer um papel de liderança além da esfera econômica. Em busca de sinais sobre que tipo de liderança será essa, as ações de Pequim são observadas com lupa, e uma nova postura chinesa, constantemente classificada de assertiva, tem preocupado alguns setores em diversos países.

Para o diretor do Centro de Pesquisas Econômicas da Universidade de Pequim, Yang Yao, a ascensão da China já foi bem vinda no Ocidente. Desde a crise financeira global, no entanto, o país passou a ser visto como uma nação em busca de dominação.
“A chamada assertividade da China é resultado do poder econômico e não de uma mudança estratégica que vá desafiar a ordem mundial”, disse ele à BBC Brasil.
Novo modelo

Apesar de não parecer haver uma estratégia clara sobre a liderança a ser assumida pela China, esse papel será uma consequência natural para o país nos próximos anos, segundo Eric Vanden Busche, sinólogo e pesquisador da Universidade de Taiwan. A China, entretanto, não vai seguir o mesmo modelo adotado pelos Estados Unidos.

“A China vai introduzir um novo modelo de ser potência. Você não vai ver uma China tentando controlar o mundo. Um dos princípios que regem a diplomacia chinesa é o da não-interferência. Mas veremos uma potência que lutará para se infiltrar economicamente principalmente em países fornecedores de matérias-primas”, disse à BBC Brasil o sinólogo formado pela Universidade de São Paulo (USP).

Silvia Salek. BBC Brasil



Revista Brasileira de Política Internacional
Print version ISSN 0034-7329
Rev. bras. polít. int. vol.45 no.2 Brasília July/Dec. 2002
doi: 10.1590/S0034-73292002000200005
PRIMEIRA INSTÂNCIA



Texto 4. A China frente à globalização: desafios e oportunidades



Viktor Sukup

Ex-professor de economia latino-americana, européia e internacional da Universidade de Buenos Aires






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RESUMO

Este artigo procura analisar as perspectivas da política externa e interna chinesa e o papel que será exercido pelo país nas próximas décadas. Há inicialmente uma análise histórica da evolução das instituições governamentais chinesas e de como o colonialismo europeu se manifestou na região. Ao final, busca-se entender o papel que essa potência em ascensão terá frente a globalização.

Palavras-chave: China; Hong Kong; Política Externa Chinesa; Globalização.


Introdução

A adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 consolida a crescente abertura do país de maior população do mundo. Tal fato foi marcado por vários anos de difíceis negociações com os principais parceiros internacionais, Estados Unidos e União Européia, com os quais teve que concluir prévios acordos sobre as modalidades concretas da mútua abertura das economias. Foi celebrada, portanto, mesmo que de maneira superficial, como uma forma de triunfo final da economia de mercado. Após mais de vinte anos de reformas liberais, acabou oficialmente o tradicional isolamento do maior dos países que, até tempos recentes, estava ainda bem fechado. A China será agora mais um parceiro da ordem global, embora de peso e natureza bem particulares. O acontecimento, com certeza, é histórico, pois amplia ainda mais a controvertida "globalização da economia" e dará à China um papel de destaque no mundo do século XXI, maior do que se tivesse ficado à margem da OMC. O comércio mundial e a divisão internacional do trabalho estão de parabéns com a inclusão de pleno direito da China. Ademais, sua adesão à OMC – simultaneamente à de Taiwan – chegou quase como uma notícia de salvação após uma série de golpes desastrosos para a globalização liberal como o fiasco de Seattle, o escândalo da Enron, a queda da new economy e até os ataques de 11 de setembro e a posterior "guerra antiterrorista". Tudo isso, conjuntamente com as simultâneas crises agudas da América Latina e do Oriente Médio, agravou sensivelmente o mal-estar econômico e as tensões políticas mundiais. Então, foi possível dar um novo otimismo, com certeza relativo, aos projetos de um "multilateralismo" renovado1 .

Os pragmáticos chineses parecem nutrir a idéia básica que permitiu no passado os êxitos do Japão e dos "tigres asiáticos": integrar-se ao mundo ainda dominado pelo Ocidente de maneira dinâmica, mas prudente, negociada e não imposta, sem deixar-se dominar.

Com um quinto da população da terra, uma economia e um comércio exterior já equiparado aos do Japão, os chineses pensam, com alguma razão, que só podem ser parceiros em condições de igualdade com as outras grandes potências, e não subordinados a estas. O "comunismo chinês", no fundo, sempre foi talvez mais "chinês" do que "comunista". Isto é, nacionalista e herdeiro de uma tradição milenar que considera a China não apenas como um país qualquer, mas como a civilização central da humanidade. Como salienta Eric Hobsbawm no seu olhar sobre o século XX, apesar dos seus atrasos e misérias, a China nunca teve os complexos de inferioridade cultural tão típicos da URSS e de outros países socialistas que queriam a qualquer preço "alcançar e ultrapassar" os países capitalistas avançados2 . Foi essa também, sem dúvida, a razão principal da ruptura sino-soviética, pois na época esse "modelo" ainda parecia bem-sucedido.

Em todo caso, os chineses preferem hoje um mundo realmente multipolar à hegemonia de uma superpotência. Daí as tensões recorrentes com os Estados Unidos e a importância que dão às suas relações com a Europa, o Japão, a Rússia, o Brasil etc. Assim, a entrada na OMC constitui não tanto a conversão do Império do Meio ao capitalismo liberal, mas um compromisso pragmático aceito pelos líderes chineses para reforçar e consolidar as novas correntes de exportação, o aporte de investimentos externos direto (IED) que dinamizam sua economia e para deixar de uma vez de ser uma espécies de outlaw comercial3 . Ao mesmo tempo, as pressões exteriores, agora mais previsíveis visto que são "regulamentadas" no âmbito da OMC, continuam agilizando as reformas internas que os líderes chineses querem impor com o objetivo de avançar rumo à "economia socialista de mercado". Ademais, acrescenta um observador, a China pensa em "encontrar na OMC uma tribuna à altura de suas ambições geopolíticas4 ", respaldada economicamente por um PIB quadruplicado em apenas duas décadas, período pelo qual a China entrou no segundo grupo de "tigres" ou "dragões"5 por meio das "quatro modernizações" muito bem-sucedidas de Deng Xiaoping (agricultura, indústria, ciência e tecnologia e defesa). Contudo, entrou nesse grupo com duas particularidades: mantém uma ideologia oficial totalmente diferente, comunista até no nome do partido dirigente, embora pouco compatível com a atual realidade social, e tem uma população que, sozinha, é bem maior que o conjunto de todos os demais países do Leste e Sudeste asiático, incluindo Indonésia, Filipinas, Vietnã e Birmânia.

É difícil prever a ideologia e a política econômica da China de amanhã. Entretanto, dado seu peso demográfico e agora também econômico e político, não há dúvida de que a China será um ator essencial no cenário mundial do século XXI. Para os demais países do mundo, e em primeiro lugar os países vizinhos, isso representa um desafio considerável de concorrência e também um fator de dinamização. Antes era o Japão, agora é cada vez mais a China que atua como locomotiva econômica regional. Para o resto do mundo, ela se apresenta ao mesmo tempo como um desafio e uma oportunidade ainda maior que o Japão das décadas de 60 a 80. Não é estranho que os empresários ocidentais, frente à conjuntura pouco satisfatória de seus países, entusiasmem-se ao falar das possibilidades de expansão no "maior mercado do mundo", nem que muitos deles tenham medo das futuras avalanchas de têxteis e outros produtos baratos provenientes da China. Isso será um grande desafio para os países menos desenvolvidos como os da América Latina. Independente de qual seja o papel da China no mundo de hoje e de amanhã, este só poderá ser compreendido, evidentemente, com uma rápida olhada sobre sua história.



Texto na íntegra: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292002000200005

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