sexta-feira, 3 de junho de 2011

MIRIAM LEITÃO / ALDO REBELO - REVISÃO DO CÓDIGO FLORESTAL

Código do Erro - Miriam Leitão


Código do erro - miriamleitao@oglobo.com.br


Por que o Código Florestal tem que ser mudado? Dizem que é para ter mais área para a agricultura. Especialistas da USP lançarão um estudo mostrando que o Brasil tem 61 mil hectares de área já desmatada de alta e média produtividade agrícola e que não está sendo usada. Proteger topo de morro, encostas íngremes e mata ciliar é impossível ou a coisa sensata a fazer?

Na próxima semana, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) apresentará seu relatório de mudança do código florestal. O deputado, pelo que disse ao GLOBO no domingo, está convencido de que a lei não pode ser cumprida e que os produtores devem ter uma moratória de cinco anos para se adaptar a ela. A lei tem 50 anos. Meio século pelo visto não foi tempo suficiente para os produtores respeitarem a lei.

Se o deputado Aldo Rebelo não apresentar alguém que foi preso pelo "crime" de tirar uma minhoca da beira de um rio, então seu argumento contra o atual Código Florestal será apenas mais uma das suas caricaturas. Como é caricatural a ideia de que quem luta pela preservação do meio ambiente é contra o desenvolvimento do país ou está à serviço de potências estrangeiras.

O deputado Rebelo pelo que ele já disse sobre seu projeto demonstrou que ouviu apenas as razões de uma das partes. Fazer audiências públicas com pessoas que divergem só vale se for para ouvir e ponderar o que cada parte tem a dizer. Se é para considerar apenas o que uma parte disse, então o ritual é figuração.

Ele quer provar que a lei é radical, protege exageradamente o meio ambiente. Precisará convencer que em 1965 a consciência ambiental era uma obsessão radical do governo militar. Quer provar também que a lei atende a interesses de ONGs que teriam o interesse maligno de conspirar contra o desenvolvimento do Brasil. Também será preciso convencer que os militares de então fizeram uma conspiração com as atuais ONGs para impedir o progresso brasileiro. Uma impossibilidade intertemporal; para não chamar de delírio.

A proposta de que se delegue aos estados o direito de fixar qual é a reserva legal que deve ser respeitada ou a delimitação das áreas de preservação permanente tem um precedente. Santa Catarina, depois da tragédias das chuvas em novembro de 2008, aprovou uma lei mais flexível. Foi uma decisão insensata depois de um aviso tão eloquente da natureza. As Áreas de Preservação Permanentes (APPs) não são um capricho da lei. São uma decisão racional: proteger as áreas mais frágeis como os topos de morros, terrenos mais inclinados, as matas ciliares dos rios, as encostas. No cenário das mudanças climáticas, com eventos mais extremos, ser mais permissivo pode ser contratar desastres.

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, explica que além disso é inconstitucional ter uma lei estadual mais flexível que uma lei federal:
- A lei estadual só pode ser diferente se for para ser mais rigorosa. Além disso, baseado em que vai se flexibilizar? Dizem que vão ouvir a ciência. Vão ouvir a ciência conveniente. O que é necessário é ouvir amplamente os cientistas de diversas correntes e áreas sobre os riscos dessas mudanças.

Ele diz que ficou cansado de ir a audiências públicas em que deputados e senadores apareciam, falavam absurdos, e se retiravam sem ouvir os contra-argumentos às suas teses:

- Sonho com um debate que não seja enviesado, um processo baseado nas perguntas certas e mediado por profissionais em resolução de conflitos ou estadistas. A pergunta deveria ser: quecódigo florestal precisamos para garantir a proteção e a produção? Os pontos polêmicos de cada questão deveriam ser objeto de estudos de especialistas.

O erro principal da mudança do Código Florestal é se basear na tese de que é preciso anistiar o que foi feito errado. Isso dá um sinal de que é bom desrespeitar a lei e que bobo é quem a respeita. Quem fez tudo direito será prejudicado quando seu vizinho que desrespeitou a lei for anistiado.

O relatório da Polícia Federal sobre a Operação Jurupari traz indícios das mais variadas fraudes para desmatar espécies nobres da Amazônia. São crimes contra o meio ambiente, cometidos por fazendeiros em conluio com funcionários públicos. Há inclusive manipulação de dados de um sistema de georeferenciamento de propriedades montado por uma empresa privada, que faz o trabalho de forma terceirizada, para quatro estados: Mato Grosso, Pará, Maranhão e Rondônia. O que fazer diante desses crimes? Anistiá-los porque a lei é rígida? Mudar a lei? Dar mais cinco anos para que eles cumpram uma lei que está em vigor há 50 anos? Ou combater o crime e exigir o cumprimento da lei?

O Brasil está diante de uma encruzilhada importante. É grande produtor de alimentos. Será cada vez mais vulnerável às barreiras se continuar desmatando para produzir. Os grandes frigoríficos do Brasil não conseguiram em seis meses comprovar que seus fornecedores não estão desmatando, exigência do pacto contra o desmatamento. Ganharam mais seis meses de prazo. O Ministério Público começou uma forte campanha com filmes e áudios tentando sensibilizar o consumidor de carne produzida na Amazônia de que ele pode estar incentivando o desmatamento.

A encruzilhada é: apertar o cerco a quem pratica crime ambiental ou mudar a lei para beneficiar quem a descumpriu? Se for a segunda opção, o país tem que se perguntar até que ponto vai flexibilizar, porque, não sejamos ingênuos, novas concessões serão exigidas para anistiar novos crimes.


http://www.apedema.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=119%3Acodigo-do-erro-miriam-leitao&catid=1%3Anotas&Itemid=5


Miriam Leitão: Por que mentir?

Aldo Rebelo


O artigo “Código do Erro”, assinado por Miriam Leitão, expressa a pilhéria de Charles Dana de que o “jornalista separa o joio do trigo, e publica o joio”. Miriam é tida como jornalista bem informada mas seu texto sobre o Código Florestal é uma sucessão de inverdades e erros carregados de má-fé e piores intenções.

Produtividade inativa – Miriam Leitão fala de “61 mil hectares de área já desmatada de alta e média produtividade agrícola e que não está sendo usada”, quando deveria dizer 61 milhões, erro que pode ser atribuído, talvez, ao desconhecimento da jornalista sobre o valor do hectare (10.000 m²). Aguardo com ansiedade o suposto estudo de “especialistas da USP” que vai nos revelar essa medida cabalística de produtividade em terra inativa…Espero que tal eldorado verde não sejam, obviamente, pastagens degradadas.

Caricatura e realidade – A possibilidade de um brasileiro ser preso por tirar uma minhoca da terra está prevista na lei n.º 9.605, de 1998 e no decreto n.º 6.514, de 2008. O que Miriam chama de caricatura em minhas citações é uma fotografia da realidade: o lavrador Josias Francisco dos Anjos foi cercado a tiros pela Polícia Florestal e preso por raspar a casca de uma árvore medicinal na beira do córrego Pindaíba, em Planaltina, perto de Brasília. Josias usava raspas do caule para fazer chá para sua mulher vítima da doença de Chagas. Foi algemado e encarcerado na delegacia. Por essa e outras, o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. classificou a lei ambiental do Brasil como “um desastre. É a legislação mais envergonhante do Direito brasileiro. Eu a chamei de a lei hedionda dos crimes ambientais´”. E deu um exemplo tão burlesco quanto perturbador: “Se você escorrega e amassa a begônia do jardim do vizinho é crime.”

Mudanças alopradas na lei – O Código Florestal não tem 50 anos. Foi promulgado há 77, em 1934, reformado em 1965 e sucessivamente adulterado por decretos, leis, medidas provisórias, portarias, resoluções da burocracia ambientalista encastelada no Estado. Boa parte dos produtores rurais foi posta na ilegalidade por supostos crimes cometidos antes da tipificação. A reserva legal de 80% na zona de floresta da Amazônia, por exemplo, é de 2000, mas antes disso o próprio Estado incentivava o pequeno lavrador que ele próprio levava como colono a derrubar a mata para ter direito ao lote e acesso a crédito. Com a mudança na lei, virou delinquente.
Audiências pluralistas – Soa como insulto desqualificar as 64 audiências públicas que realizamos. Foram ouvidas todas as correntes de opinião. Grupos como o Greenpeace foram a quase todas e falaram à vontade. Aliás, em matéria de pluralismo, o artigo de Miriam Leitão é um caso acabado de uniopinião: ouviu um pesquisador do Imazon, contra meu projeto, evidentemente. Tal ONG é financiada por organizações como Fundação Ford, WWF-Usaid, Banco Mundial e Comissão Européia/Joint Research Center. Daí minha insistência em apontar a relação comercial e geopolítica entre essas entidades e os interesses econômicos que movem os Estados.

O papel dos militares – Não me cabe convencer a ninguém de que a versão do código de 1965 correspondeu a uma “obsessão radical do governo militar”. A reforma do Código de 1934, que gerou a lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965, não foi uma iniciativa dos militares, mas da presidência democrática de João Goulart. Com base em propostas formuladas desde 1950, o governo do primeiro-ministro Tancredo Neves encaminhou o projeto ao Congresso em 1962. Para a aprovação da lei em 1965, não havia, naturalmente, conluio entre caserna e ONGs, que são um produto contemporâneo da globalização e do neoliberalismo com a pretensão de ao menos influir nas decisões dos Estados nacionais. Para os militares, a pior poluição era pobreza, e daí se inferem suas preocupações ambientais.

Terra não é problema – Não defendo o desmatamento de terras virgens para uso da agropecuária. A Confederação Nacional da Agricultura é que diz defender o “desmatamento zero”, com o que não concordo completamente, pois há Estados do Nordeste com porções de Cerrado que podem ser exploradas de forma sustentável para a produção de alimentos. Fixei em meu projeto uma moratória de cinco anos, que corresponderia ao período estabelecido para a regularização das propriedades postas fora da lei. Mas há pressões, até do Executivo, para que esta salvaguarda seja retirada. O problema é impedir o agricultor de usar a terra que tem e está diminuindo. Os censos do IBGE registram que entre 1996 e 2006 foram expropriados da agropecuária 23,7 milhões de hectares.

Anistia é para erro – Quando a redatora afirma que “o erro principal da mudança do Código Florestal é se basear na tese de que é preciso anistiar o que foi feito errado” segue o padrão de não saber o que diz. À situação dos agricultores aplica-se o chiste do Barão de Itararé: “Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram.” Ademais, meu projeto não inventou anistia alguma. Ela foi concebida e concedida pelo governo do presidente Lula e seu ministro ambientalista Carlos Minc, pelo decreto n.º 7029, de 10 de dezembro de 2009, promulgado sem nenhum debate.

Massacre dos 5 ha – Metade das propriedades do nordeste tem até 5 hectares, e apenas 0,6% da área com APP e Reserva Legal. Miriam e seus aliados querem confiscar 20% desse espaço para Reserva Legal e se um riachinho cruzar a propriedade (30 metros de mata ciliar de cada lado) mais 60% da área. Ao infeliz restaria quase nada para cultivar e sobreviver. Comigo, não, senhora jornalista.


Tags: Aldo Rebelo, ambientalistas, Código Florestal, desmatamento, Miriam Leitão, ruralistas



MARTINELLI, L.A., JOLY, C.A., NOBRE, C.A. & SPAROVEK, G. A falsa dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção agropecuária. Biota Neotrop. 10(4): http://www.biotaneotropica.org.br/v10n4/pt/abstract?point-of-view+bn00110042010.


Resumo: Este artigo mostra através da análise de dados censitários sobre uso da terra no Brasil que a possível dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção de alimentos na realidade não existe.
Demonstramos que o Brasil já tem uma área desprovida de vegetação natural suficientemente grande para acomodar a expansão da produção agrícola. Demonstramos também que a maior expansão se dá nas áreas ocupadas pelas chamadas culturas de exportação – soja e cana-de-açúcar – e não propriamente nas áreas ocupadas por arroz, feijão e mandioca, que são consumidos de forma direta pelo mercado nacional. Pelo contrário, a área colhida de arroz e feijão tem inclusive decrescido nas últimas décadas, enquanto a área colhida de mandioca encontra-se praticamente constante há quatro décadas. Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil não se devem a restrições supostamente impostas pelo Código Florestal, mas, sim, à enorme desigualdade na distribuição de terras, a restrição de crédito agrícola ao agricultor que produz alimentos de consumo direto, a falta de assistência técnica que o ajude a aumentar a sua produtividade, a falta de investimentos em infraestrutura para armazenamento e escoamento da produção agrícola, a restrições de financiamento e priorização do desenvolvimento e tecnologia que permita um aumento expressivo na lotação de nossas pastagens.


Palavras-chave: alimentos, uso do solo, preservação, leis ambientais, Código Florestal Brasileiro.


Ler o texto na íntegra em:

http://www.biotaneotropica.org.br/v10n4/pt/fullpaper?bn00110042010+pt

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