terça-feira, 14 de junho de 2011

TEMA DE REDAÇÃO: A PESQUISA CIENTÍFICA DEVE SER SUBMETIDA A UM CÓDIGO DE ÉTICA PREESTABELECIDO PARA O BEM DA COLETIVIDADE?




IMPORTANTE: MUITAS REDAÇÕES NOTA 10, ASSIM COMO O TEXTO 1 ("UM NOVO OLHAR PARA A CIÊNCIA"), INICIAM-SE COM UMA ILUSTRAÇÃO: UM MITO, UMA FÁBULA, UMA MÚSICA, UM FILME.

SUGESTÃO: ANTES DE INICIAR A LEITURA DO TEXTO 1, LEIA A REDAÇÃO "ÍCARO, 'IPOD' E COCA-COLA QUENTE", A QUAL, POR COINCIDÊNCIA, INICIA-SE COM O MESMO MITO DESSE
TEXTO.




(TEXTO INDICADO PARA DESENVOLVER O TEMA DA AULA DO PROFº PAULO. SUGESTÃO: TENTE INICIAR SUA REDAÇÃO COM O MITO DE ÍCARO))



Um novo olhar para a ciência

João Lourenço de Araújo Fabiano


Revista Filsofia - Número 43


No mito de Ícaro, da Mitologia grega, Dédalo confecciona dois pares de asas - um para si e outro para Ícaro, seu filho - feitas de penas e cera para que possam fugir do labirinto onde foram aprisionados. Ícaro fora advertido por seu pai para não voar tão rente ao sol, pois o calor derreteria a cera, nem tão rente ao mar, pois a umidade deixaria as asas mais pesadas levando-o a cair no mar. O filho, no entanto, possivelmente inebriado pelas novas potencialidades fornecidas pelo seu novo aparato se aproximou demais do sol ocasionando o derretimento da cera e sua queda no mar. Analogamente, este mito tem muito a nos dizer a respeito dos novos paradigmas advindosz da relação do homem no mundo com o advento da tecnologia, que evolui de forma cada vez mais rápida. Será que o homem está acompanhando este processo?

Em 1924, o filosofo inglês Bertrand Russell publicou o ensaio Ícaro, ou o futuro da ciência 1 em que analisava as consequências da Ciência de seu tempo realizando projeções para o futuro. Nele se lê "Ícaro, que aprendeu a voar com seu pai Dédalo, foi destruído pela sua imprudência"2. Com o aumento crescente de suas potencialidades técnicas, o homem se vê, mais do que nunca, tendo de se confrontar com extensos dilemas morais sobre a aplicação dessas potencialidades. As consequências desta aplicação podem ser desde a extinção da humanidade - cenário provável caso não seja feito um uso cuidadoso de novas tecnologias e dos recursos naturais - até um estado de existência extremamente mais feliz, humano e intenso que o atual. Contudo, o impacto da concepção científica de mundo sobre o homem tem se mostrado inelutável e, relativamente ao futuro, as mudanças até o presente momento têm sido pequenas.


A Lamentação por Ícaro, de Herbert James (1863 - 1920). O mito representa a necessidade de se usar a técnica de forma racional, pois o seu uso inadequado gera consequências catastróficas para o homem e para a natureza

Isso ocorre porque o indivíduo, muitas vezes, se omite deste debate e realiza, com isso, a decisão de ser assolado por mudanças em cujos processos de escolha ele não tomou parte. Contudo, qualquer mudança social que aspire legitimação deve ser resultado de escolhas bem informadas dos indivíduos. A pesquisa científica deve ser conduzida com relativa liberdade por uma parcela da sociedade, mas a escolha de como aplicar o resultado dessa pesquisa deve caber ao povo: "Eles imaginam que uma reforma inaugurada pelos homens da Ciência seria administrada tal como os homens da Ciência desejariam. (...) Essas são, é claro, ilusões; uma reforma, uma vez atingida, é colocada nas mãos do cidadão comum."3

Uma nova linha da Filosofia se insere diante disso: o Transhumanismo, que é um movimento cultural e intelectual fundado na crença de que podemos e devemos implementar um uso racional da tecnologia que altere fundamentalmente a condição humana para melhor. A discussão emerge a fim de explorar ao máximo as potencialidades tecnológicas para uma vida melhor e discutir as questões morais envolvidas, e deve ter participação popular na definição da melhor forma de condução de todos esses processos.

O PROGRESSO ACELERADO

Os primeiros Homo Sapiens demoraram milhares de anos para desenvolver novos métodos de lascar a pedra de modo a produzir ferramentas mais eficientes. O espaço entre a descoberta de um procedimento e outro era de milhares de anos, já que elas eram lentamente difundidas entre os humanos. Com o passar dos anos, o espaço entre as descobertas têm caído drasticamente e o homem tem feito cada vez mais descobertas com potencial benéfico ao bem-estar humano.

O que uma análise cuidadosa do desenvolvimento tecnológico mostra é que o progresso técnico segue crescendo num ritmo exponencial - ou seja, o número de descobertas num período é igual ao de descobertas do período anterior multiplicado por ele mesmo uma certa quantidade de vezes. No ensaio intitulado The Law of Accelerating Returns,4 Ray Kurzweil diz que o progresso acelerado se deve à aplicação constante das antigas descobertas no processo de descoberta das novas invenções. Imaginemos por exemplo, o caso simplificado em que uma fábrica de processadores tente produzir chips com capacidade de processamento crescente. Numa dada etapa, a fábrica irá usar a tecnologia anterior para produzir a posterior. Na etapa seguinte, a tecnologia recém-descoberta - mais rápida que primeira - será implementada na busca por uma nova tecnologia e, portanto, emergirá num tempo menor que a sua antecessora. Esse processo expõe claramente e explica a redução de tempo entre as descobertas. O crescimento exponencial tecnológico, entretanto, representa um grande desafio à humanidade.





(O TEXTO CONTINUA EM: http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/edicoes/43/artigo162084-1.asp?o=r)

Filosofia da Mente




TEXTO 2


A ética da singularidade

Quero aproveitar esta ocasião para falar sobre singularidade. Este é um termo relativamente novo na Filosofia da Mente e significa um estágio histórico no qual a inteligência artificial se equiparará à humana.

O termo singularidade foi cunhado por um autor de ficção científica, Vernor Vinge, num artigo publicado em 1983, intitulado First Word, que na época não teve muita repercussão. Recentemente, o termo foi apropriado pelo inventor e futurólogo Ray Kurzweil, que o usou profusamente nos livros A singularidade está próxima e A era das máquinas espirituais. Foi esse último uso que conferiu ao termo um suposto caráter futurológico, que faz hoje filósofos duvidarem de sua seriedade.

Mas há poucos meses, o filósofo David Chalmers retomou a questão num artigo publicado em um periódico respeitável, o Journal of Consciousness Studies. Ele salienta que a equiparação do poder computacional das máquinas com o do cérebro humano está num horizonte próximo e não se trata mais de ficção científica.

Chalmers tenta desmistificar a suposta imensidade da inteligência humana em nome da qual temos nos mantido, injustificadamente, na posição de monarcas absolutos neste planeta. Ele nos fala de três níveis de singularidade: a AI, ou inteligência maquínica no mesmo nível que a humana; em AI+, ou inteligência artificial superior à humana; e, finalmente, em AI++ ou superinteligência. Ainda não atingimos sequer a AI, mas, como essa possibilidade não é ficcional, podemos esperar que ela e os outros dois níveis também se concretizarão. Ficção se tornando realidade.

A AI+ virá da capacidade das máquinas se autoprogramarem e começarem a resolver problemas que a inteligência humana ainda não é capaz. Uma amostra dela já ocorre com a aplicação de algoritmos genéticos, que projetam todas as possibilidades de solução para um determinado problema e, em seguida, selecionam a melhor, num processo de seleção natural darwinista. O mais interessante é que problemas que já haviam sido anteriormente solucionados foram reapresentados a algoritmos genéticos e eles foram capazes de gerar novas soluções. O resultado é uma programação eficiente, mas, muitas vezes, ininteligível para os seres humanos. Já não controlamos nem compreendemos integralmente o que as máquinas fazem. Afora isso, abre-se a questão de saber a quem atribuir autoria a essas novas soluções, o que nos leva a uma questão jurídica peculiar acerca da posse do conhecimento artificial. Mas outra consequência é devassar um dos últimos bastiões do orgulho humano, qual seja, a criatividade.

Mas é a AI++ a que mais tememos, pois ela nos forçaria ao convívio com criaturas mais inteligentes do que nós. O mais provável é que cheguemos à AI++ sem passar pela necessidade da replicação da consciência. Singularidade e consciência podem ser dissociáveis.

A singularidade é outro episódio no qual a Ciência pode sair na frente, arrastando atrás de si a Filosofia. Destronar nossa posição de únicas criaturas inteligentes no universo leva à perda definitiva de nossa visão antropocentrista do mundo, já tão abalada nos últimos séculos de investigação científica. Mas não é só isso. Novas questões éticas aparecerão e, como ocorreu no caso da Biotecnologia, não estamos preparados para lidar com elas. A quem responsabilizar por um atropelamento causado por um veículo guiado por uma máquina? Mais inquietante ainda é sofrer as consequências da singularidade sem ela ter se concretizado. Esse é o caso do uso, em hospitais americanos, de um software chamado Apache.

Esse software calcula quanto tempo um paciente em coma conectado aos aparelhos de sobrevivência deve permanecer numa UTI. Ele é uma inteligência artificial que faz esse cálculo com base na compilação de casos hospitalares semelhantes. A estatística cada vez mais se impõe como forma privilegiada de conhecimento nas sociedades humanas, sobretudo na tomada de decisões. Não podemos nos esquecer que Deep Blue, o enxadrista artificial que venceu o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov, em 1997, tinha como base compilações e estatísticas de uma vasta amostragem de jogadas.

Mas será que poderemos delegar decisões às máquinas quando elas se tornarem mais autônomas e criativas? O Apache parece desumano. Contudo, não podemos esquecer outros aspectos envolvidos na sua utilização. Com ele, evitam-se esperanças infundadas e gastos inúteis das famílias que têm parentes em coma. Ele também contribui para uma racionalização do uso dos escassos leitos de UTI. Seria isso desumano?

Essas são questões éticas que nos inquietam desde já, que só tenderão a aumentar se passarmos a levar em conta a ocorrência da singularidade nas próximas décadas e as novas questões que ela trará. O caminho em direção à AI+ está povoado de riscos. Podemos, inadvertidamente, produzir máquinas conscientes, mas com baixo grau de inteligência. Isso aumentaria ainda mais a quantidade de sofrimento no planeta e seria eticamente inaceitável.

Será que devemos assumir os riscos envolvidos no caminho em direção à singularidade? Ou deveríamos, na Nanotecnologia, promover uma discussão ampla antes de enveredarmos por uma tecnologia que pode trazer consequências irreversíveis para a espécie humana?

Chalmers sugere que a produção de inteligências não biológicas deve ser previamente testada em ambientes virtuais. Isso seria uma garantia, pelo menos provisória, quanto aos riscos envolvidos nas pesquisas em direção à AI+ e à AI++. Tudo se passaria como no caso do Boeing 777, que hoje é uma aeronave segura, mas cujos testes foram unicamente realizados em ambientes virtuais. O problema, contudo, é saber até que ponto uma inteligência artificial que prolifere num ambiente virtual não descobrirá artimanhas para escapar dele.




João de Fernandes Teixeira é Ph.D. pela University of Essex
(Inglaterra) e se pós-doutorou com Daniel Dennett nos Estados Unidos.
É professor titular na Universidade Federal de São Carlos.
www.filosofiadamente.org


http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/57/artigo213451-1.asp






TEXTO 3


Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos

Considerando os rápidos progressos da ciência e da tecnologia, que cada vez mais influenciam a nossa concepção da vida e a própria vida, de que resulta uma forte procura de resposta universal para as suas implicações éticas,
Reconhecendo que as questões éticas suscitadas pelos rápidos progressos da ciência e suas aplicações tecnológicas devem ser examinadas tendo o devido respeito pela dignidade da pessoa humana e o respeito universal e efectivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Convicta de que é necessário e oportuno que a comunidade internacional enuncie princípios universais com base nos quais a humanidade possa responder aos dilemas e controvérsias, cada vez mais numerosos, que a ciência e a tecnologia suscitam para a humanidade e para o meio ambiente, (...)

Artigo 1º Âmbito

1. A presente Declaração trata das questões de ética suscitadas pela medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias que lhes estão associadas, aplicadas aos seres humanos, tendo em conta as suas dimensões social, jurídica e ambiental.
2. A presente Declaração é dirigida aos Estados. Permite também, na medida apropriada e pertinente, orientar as decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas, públicas e privadas.

Artigo 2º Objetivos

A presente Declaração tem os seguintes objetivos:
(a) proporcionar um enquadramento universal de princípios e procedimentos que orientem os Estados na formulação da sua legislação, das suas políticas ou de outros instrumentos em matéria de bioética;
(b) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas, públicas e privadas;
(c) contribuir para o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, garantindo o respeito pela vida dos seres humanos e as liberdades fundamentais, de modo compatível com o direito internacional relativo aos direitos humanos;
(d) reconhecer a importância da liberdade de investigação científica e dos benefícios decorrentes dos progressos da ciência e da tecnologia, salientando ao mesmo tempo a necessidade de que essa investigação e os consequentes progressos se insiram no quadro dos princípios éticos enunciados na presente Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais;
(e) fomentar um diálogo multidisciplinar e pluralista sobre as questões da bioética entre todas as partes interessadas e no seio da sociedade em geral;
(f) promover um acesso equitativo aos progressos da medicina, da ciência e da tecnologia, bem como a mais ampla circulação possível e uma partilha rápida dos conhecimentos relativos a tais progressos e o acesso partilhado aos benefícios deles decorrentes, prestando uma atenção particular às necessidades dos países em desenvolvimento;
(g) salvaguardar e defender os interesses das gerações presentes e futuras;
(h) sublinhar a importância da biodiversidade e da sua preservação enquanto preocupação comum à humanidade.
Princípios
Dentro do campo de aplicação da presente Declaração, os princípios que se seguem devem ser respeitados por aqueles a que ela se dirige, nas decisões que tomem ou nas práticas que adotem.

Artigo 3º Dignidade humana e direitos humanos

1. A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser plenamente respeitados.
2. Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem prevalecer sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.

Artigo 4º Efeitos benéficos e efeitos nocivos

Na aplicação e no avanço dos conhecimentos científicos, da prática médica e das tecnologias que lhes estão associadas, devem ser maximizados os efeitos benéficos diretos e indiretos para os doentes, os participantes em investigações e os outros indivíduos envolvidos, e deve ser minimizado qualquer efeito nocivo susceptível de afetar esses indivíduos. (...)
Trechos selecionados da Declaração sobre a bioética e os Direitos Humanos

Texto na íntegra: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf



TEXTO 4


Você é a favor de experimentos com animais?

Não

Mariana Claudia Broens • Mariana Claudia Broens é professora adjunta (Livre Docente) do Departamento de Filoso a e do Programa de Pós-Graduação em Filoso a da Unesp - campus de Marília e bolsista de produtividade junto ao CNPq

Sim

Flávio Paranhos • Médico (UFG) Doutor (UFMG) Research Fellow (Harvard) em O almologia. Mestre (UFG) e Doutorando (UFSCar) em Filoso a. Professor de Bioética da Graduação em Medicina e do Mestrado em Ciências Ambientais e da Saúde da PUC-GO. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do HC-UFG



O termo "especismo", criado por Richard D. Ryder, assim como "racismo" ou "machismo", designa um tipo de preconceito baseado em diferenças físicas moralmente irrelevantes. Argumenta Ryder na obra Revolução animal que a teoria evolucionária supõe que todas as espécies que coabitam nosso planeta fazem parte de uma complexa organização dinâmica interdependente que resultou de um longo processo de interação organismo/ meio ambiente. Dessa forma, cada espécie compartilha propriedades com outras ao mesmo tempo em que desenvolve estratégias adaptativas adequadas aos diferentes ecossistemas. A despeito das diferenças entre as espécies, há uma continuidade evolucionária e um parentesco biológico entre todos os seres vivos, até mesmo no que diz respeito às suas capacidades cognitivas e sensíveis.
Os estudos da Etologia, a ciência biológica que investiga o comportamento animal, mostram, por exemplo, a relevância da aprendizagem em diversas espécies - seja pela experiência, por tentativa e erro decorrente de resultados bemsucedidos, seja pela observação e imitação de um modelo de comportamento. No entanto, estamos muito longe de compreender a extraordinária variedade das capacidades desenvolvidas pelas distintas espécies ao longo de sua história evolucionária.
Por exemplo, estudos como os de Giurza (2001) mostram que abelhas podem ser ensinadas a operar com noções tais como "mesmidade" e diferença, contrariando o lugar-comum de que as abelhas estariam evolucionariamente estagnadas. Diante deste e de inúmeros outros exemplos semelhantes, podemos levantar duas perguntas fundamentais para nossa discussão: somos capazes de demonstrar cientificamente que apenas a espécie humana é dotada de consciência? Ou que unicamente os seres humanos sentem dor, estresse, angústia e medo? Embora ainda não consigamos responder a estas perguntas, ao contrário do entendimento majoritário na comunidade científica, temos mais indícios de que animais são portadores de uma consciência semelhante à humana do que o contrário.
A realização de experiências com animais na pesquisa científica está baseada na suposição de que é eticamente admissível submeter animais não humanos a situações consideradas intoleráveis para seres humanos em razão dos avanços que tais pesquisas propiciam. Parece claro que este entendimento supõe existir uma diferença essencial profunda entre os seres humanos e os demais animais. Mas quando perguntamos em que consistiria essa diferença, as respostas estão baseadas em preconceitos especistas frequentemente ligados a crenças religiosas. Precisamos ter a coragem de reavaliar tais crenças se realmente desejamos manter uma conduta científica eticamente alicerçada.
Um casal de bichos-grilos passeia com seu filhinho numa linda paisagem natural. De repente, a criança é picada por uma serpente venenosa. O casal, então, aprecia a cena candidamente enquanto seu filhinho agoniza até morrer. Chocante? Essa é a intenção. E ilustra até onde os ânimos podem se acirrar na busca de argumentos pró e contra o uso de animais em pesquisa, pois foi imaginada por um "pró" como peça de publicidade na TV. Ressalvado o exagero, entretanto, o casal "contra" foi coerente, pois o soro antiofídico é obtido por meio de injeções do veneno em cavalos.
O argumento essencial que divide pessoas contra e a favor do uso de animais em pesquisa e ensino é que os primeiros enxergam nos animais um fim, enquanto os segundos, um meio. Claro, há divergências pontuais e/ou marginais. Mas, na essência, é isso o que os divide. Para os que não aceitam o uso de animais, estes são como pessoas, estão no mesmo nível, devem ser tratados de igual para igual. E não é moralmente aceitável usar pessoas como meio.
É como se o imperativo categórico kantiano "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio" (KANT) valesse para os animais. Aí trocaríamos "humanidade" por "fauna" (admitindo o homem como incluído), ou, mais abrangente ainda, "seres vivos". Para Kant, os seres irracionais "têm apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque sua natureza os distingue já como fins em si mesmos."(Idem). E, convenhamos, trata-se de uma obviedade. Faz tanto sentido colocar animais e plantas no mesmo nível moral dos humanos quanto exigir daqueles uma ética.
Considerar animais e plantas meios, e não fins, não significa desprezar seu bem-estar. Hoje há normas de boa prática para uso de animais em ensino e pesquisa que devem ser seguidas. São os chamados três Rs, do inglês reduce, refine, replace, aos quais eu acrescentaria um quarto - relevance. Reduzir o número de animais, refinar as técnicas de anestesia, analgesia e eutanásia, substituir animais superiores por inferiores na escala evolutiva, ou, melhor ainda, por alternativas artificiais, sempre que possível. O quarto R seria de relevância, já que o que se vê hoje nos comitês de ética em pesquisa são trabalhos redundantes e/ou irrelevantes, submetendo homens e animais a estresse inútil.
Enquanto ainda não existirem alternativas para todas as situações em que se utilizam animais para ensino e/ou pesquisa, é uma obrigação moral valermo-nos deles (respeitando os 4 Rs). Os que se opuserem têm a opção de ser coerentes e não vacinar seus filhos, não usar antibió ticos, colírios, analgésicos, anestésicos e, no limite, podem assistir impassíveis seu filhinho morrer de uma picada de cobra.




Revista Filosofia.

http://portalcienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/55/artigo208972-1.asp

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