quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CRÍTICA E PRECONCEITO

REDAÇÃO 6

Crítica ou preconceito - onde está a imparcialidade?

Cesar Eduardo Zambon

Ao longo da história, um problema clássico que sempre se apresentou a filósofos, artistas, cientistas e demais acadêmicos foi o da possibilidade de seestabelecer um sistema de ideias completamente livre de qualquer conceito pré-concebido. Foi isso o que levou, por exemplo, Descartes a duvidar de tudo que os órgãos dos sentidos lhe forneciam e a buscar o princípio do conhecimento em um juízo intelectual que estava, aparentemente, acima de qualquer suspeita – o “eu penso”. Foi isso também o que levou os cientistas revolucionários a duvidar dos sistemas de explicação da realidade por assim dizer vigentes em seus respectivos campos e a buscar uma nova explicação para essa mesma realidade – uma explicação que não estivesse maculada por ideias pré-estabelecidas e mal esclarecidas. Buscavam-se princípios universais e indemonstráveis – verdades que se provam verdadeiras por si mesmas, independentes de fé, dogma ou qualquer tipo de preconceito.

Partindo-se dessa premissa, estabeleceu-se uma distinção entre crítica embasada e crítica preconceituosa. Essa distinção, com o tempo, passou a valer não apenas nos campos da ciência e da filosofia, como também no campo moral e social. Criou-se, assim, o conceito de imparcialidade do exame crítico. De modo que, para ser considerado apto para criar ou julgar um sistema de idéias ou uma ação moral, o crítico deveria estar desprovido de qualquer preconceito, ou seja, de qualquer pré-julgamento que fosse fruto de um ou mais conceitos irrefletidos e inexplicados presentes em sua mente e que pudessem intervir no exame imparcial do objeto em questão. Com efeito, uma crítica deveria ater-se ao seu objeto e a princípios verdadeiros de julgamento.

Contudo, é nesse momento que nos deparamos com a chave do problema: quais são esses princípios verdadeiros de julgamento? Será que eles sequer existem? Deve-se notar que essa idéia de crítica imparcial suscita duas questões. Primeira: é possível uma pessoa ser totalmente imparcial, isto é, deixar de lado todos os seus pré-conceitos e julgar algo de forma totalmente isenta? Segundo: se tudo isso for possível, esse julgamento isento seria fundado exatamente em quê?

Vemos que a ciência sempre esteve em uma busca incessante por aquele princípio básico, belo e bem fundado edifício do conhecimento, capaz de explicar a realidade como um todo. E, assim sendo, toda crítica embasada deveria se basear em tal princípio, fosse qual fosse o objeto em questão. De forma análoga, todo julgamento moral deveria se fundar em um princípio moral universal, que fosse verdadeiro e evidente por si só e independente de qualquer dogma ou crença.

Todavia, o que constatamos é que, até hoje, a ciência busca esse princípio universal, sem sucesso. Tudo que se pôde encontrar até aqui foi uma verdade mutável – algo que se assume e que se aceita como verdadeiro. Portanto, a rigor toda a ciência se baseia em conceitos pré-estabelecidos não porque são verdadeiros, mas porque foram julgados como bons ou plausíveis. E, por mais que muitas e brilhantes mentes tenham refletido e meditado sobre eles, conceitos pré-estabelecidos são, em última instância, pré-conceitos.

Paralelamente, no campo moral, por mais que alguém tente ser imparcial ao julgar uma ação, estará sempre se fundando em algum princípio. E tal princípio, por mais que seja aceito pela maioria, ou até mesmo por todos, será sempre algo aceito e nada mais do que aceito. De fato, muito se diz que a experiência pessoal deve sempre ser levada em conta em qualquer julgamento moral. Contudo, essa experiência se mostra muito mais como um fator de preconceito do que imparcialidade, visto que a vivência pessoal nada mais é do que o conjunto de idéias, crenças e dogmas que acumulamos ao longo de nossa existência.

Portanto, devemos questionar se a dita crítica embasada não é ela mesma preconceituosa, na medida em que assume princípios como sendo verdadeiros, mesmo que não sejam nossas ideias, mas ideias gerais. De fato, quando julgamos as atitudes de outrem baseados em nossos próprios preconceitos, estamos sendo evidentemente preconceituosos. Mas quando tentamos ser imparciais e nos desligar dos nossos próprios preconceitos, acabamos por assumir outros – os preconceitos que foram enraizados na nossa mente pela sociedade em que vivemos, por algo que ouvimos aqui ou acolá ou mesmo por princípios que parecem verdadeiros e inquestionáveis e que, contudo, nunca paramos para refletir sobre eles. Deste modo, ao que parece, ser imparcial não significa desprover-se de preconceitos, mas sim desprover-se dos nossos preconceitos. Pois, ao menos que exista uma verdade não revelada que estabelece um princípio moral universal e irrevogável, quando julgamos moralmente a ação de outra pessoa, em termos de imparcialidade, os conceitos de crítica e preconceito são intercambiáveis.

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